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A maioria das dietas criadas para induzir a obesidade em modelos animais é rica em alimentos palatáveis comuns às dietas humanas e está associada à indução persistente de hiperfagia e consequente consumo excessivo de energia. Portanto, essas dietas têm sido, preferencialmente, utilizadas em pesquisas relacionadas à obesidade e aos distúrbios metabólicos (ROSSINI; SILVA; MORAES, 2012). Para isso, ratos Wistar têm sido utilizados para induzir desequilíbrios fisiológicos e metabólicos pela dieta e são considerados eficazes no estudo da obesidade e distúrbios relacionados à obesidade, mas apresentam variações individuais e diferentes respostas às dietas (CAMPBELL; SENIOR; BELL-ANDERSON, 2017).

Assim, o estudo da composição centesimal dessas dietas é relevante para permitir comparações entre seus efeitos e diferentes constituintes. Neste estudo, foram produzidos e analisados a composição centesimal, o índice glicêmico e a carga glicêmica de uma dieta experimental, testando seu efeito na obesidade e nos distúrbios metabólicos relacionados à obesidade.

A dieta experimental apresentou alto teor de carboidratos (62%) quando comparada à dieta padrão, nutricionalmente equilibrada que obedeceu às recomendações da AINN-93G, com 50% de carboidratos (REEVES, 1997). Um grande conteúdo dos carboidratos da dieta experimental era simples (49%) e apenas 13% eram complexos (fibra), refletindo os produtos utilizados para a sua formulação. É importante ressaltar que poucos estudos com análise de fibras em dietas para induzir a obesidade foram realizados, embora esse seja um nutriente

importante para determinar a resposta glicêmica (SHUKLA et al., 2015).

Além da ração comercial, o açúcar e leite condensado, ambos ricos em sacarose, foram utilizados como ingredientes na dieta experimental. Para a preparação de leite condensado, um alimento ultra-processado, no Brasil, 40% ou mais de açúcar são adicionados ao leite, dependendo da quantidade de extrato de leite seco utilizado (ORDÓÑEZ et al., 2005). Isso indica alto teor de carboidratos simples na dieta experimental, na qual carboidratos complexos vieram apenas da dieta comercial padrão.

Esta composição é consistente com a observação de um alto índice glicêmico e uma alta carga glicêmica na dieta experimental. Sendo assim, neste estudo foi oferecida uma dieta de alto índice glicêmico e de alta carga glicêmica (HGLI) por 17 semanas a ratos Wistar. Ao final do experimento, todos os animais que receberam essa dieta HGLI apresentaram obesidade e um aumento significativo no PC, quando comparados aos animais do grupo da dieta padrão. Esse efeito é possível devido ao alto consumo de energia, justamente relacionado ao excesso de sacarose na dieta HGLI, o qual está diretamente associado ao ganho de peso e aumento no PC (CAMPBELL; SENIOR; BELL-ANDERSON, 2017).

No estudo de Pinto Junior e Seraphim (2012), em seus estudos, descobriram que a administração de uma dieta de cafeteria por um período de 14 semanas alterou o índice de Lee a partir da segunda semana de tratamento. Resultados semelhantes também foram observados nos estudos de Novelli et al. (2007), nos quais o PC foi significativamente maior em animais que receberam dietas de cafeteria, reconhecidas como dietas nutricionalmente inadequadas, como a HGLI produzida e analisada neste estudo.

Entretanto, em nenhum desses estudos, o índice glicêmico, a carga glicêmica ou mesmo a composição centesimal foram avaliados. Isso não permitiu a identificação clara de quais nutrientes ou características das dietas experimentais utilizadas estavam influenciando principalmente as alterações encontradas. Quando traduzido para a prática clínica, esse conhecimento seria importante, uma vez que orientações e estratégias nutricionais nos tratamentos da obesidade precisam se concentrar nos componentes da dieta, o que pode impactar na qualidade da dieta e no sucesso do tratamento (WHO, 2016).

Considerando que na avaliação do estado nutricional e dos distúrbios metabólicos, as alterações bioquímicas, condicionadas a hábitos de vida pouco saudáveis, podem preceder modificações antropométricas; neste estudo, foi avaliado também, o efeito da dieta experimental em marcadores plasmáticos e moleculares relacionados à obesidade.

Sabe-se que o principal determinante da glicose pós-prandial é a quantidade total de carboidratos ingerida, embora a qualidade dos carboidratos também influencie a glicemia

(SHUKLA et al., 2015). Devido ao fato de o corpo não digerir e absorver todos os carboidratos na mesma velocidade, o IGfoi desenvolvido para avaliar o efeito dos carboidratos na glicemia. Assim, o IG é um indicador qualitativo da capacidade de um carboidrato ingerido para aumentar os níveis de glicose no sangue. Esse método é usado para classificar os diferentes tipos de carboidratos da dieta por sua capacidade de aumentar a glicose no sangue quando comparado a um alimento de referência (MONRO; SHAW, 2008; AUGUSTIN et al., 2015).

Entretanto, na maioria dos estudos com dietas experimentais, o IG de diferentes alimentos é determinado levando-se em consideração, apenas, o tipo de amido, ou seja, a quantidade de amilose e amilopectina que constitui o amido de um determinado alimento (ISKEN et al., 2009; KLECKNER; WONG; CORKEY, 2015). Por outro lado, sabe-se que não apenas o tipo de amido, mas também vários fatores podem afetar o IG, incluindo viscosidade da fibra, matriz alimentar, cozimento, processamento e composição dos macronutrientes (SHUKLA et al., 2015).

Já a carga glicêmica, de acordo com Augustin et al. (2015), é definida como resultado do IG e a quantidade de carboidrato presente na porção de alimento consumida, em comparação com o alimento padrão. Portanto, o objetivo da carga glicêmica é avaliar a quantidade e a qualidade dos carboidratos, considerando o efeito do consumo de uma porção usual de um alimento na glicemia.

A quantidade e a qualidade dos carboidratos são consideradas importantes há muitos anos no contexto da obesidade. Estudos epidemiológicos recentes sugerem que, tanto a quantidade quanto a qualidade dos carboidratos, possuem um papel preponderante como preditores de saúde e doença, associados, principalmente, à dislipidemia, doenças cardiovasculares e diabetes (ALESSA et al., 2015).

A maioria dos estudos com as chamadas dietas de alto índice glicêmico, em modelos animais, não analisa ou apresenta o índice glicêmico e a carga glicêmica de suas dietas. Esses efeitos são comumente avaliados apenas considerando a contribuição quantitativa dos diferentes carboidratos nas dietas, ou considerando o aumento da glicemia em estudos in vivo sem considerar a quantidade ingerida de carboidratos (CAMPBELL; SENIOR; BELL- ANDERSON, 2017). Isso ainda é comum, embora a importância dessas informações seja consolidada e consensual no que se refere ao consumo de carboidratos na dieta (AUGUSTIN et al., 2015). Neste estudo, a dieta HGLI foi analisada quanto ao seu índice glicêmico e carga glicêmica, utilizando metodologias estabelecidas para a avaliação de dietas humanas. Para nosso conhecimento, esse foi o primeiro modelo experimental de DIO que realizou a medida direta da carga glicêmica da dieta utilizada.

O índice glicêmico de uma dieta é estimado usando os valores individuais dos alimentos que a compõem por meio de fórmulas. No entanto, o uso de valores alimentares de índice glicêmico para estimar o valor de uma refeição ou dieta pode ser inadequado, uma vez que fatores como variedade de alimentos, maturação, processamento e cozimento são conhecidos por modificar os valores de IG. No estudo de Dodd et al. (2011), a estimativa do índice glicêmico da refeição usando valores alimentares individuais foi superestimada em 22 a 50% em comparação à medida direta da refeição.

Embora a relação entre dietas com alto índice glicêmico e obesidade e suas complicações associadas sejam evidentes em vários estudos com seres humanos (WOLEVER et al., 1991; MANN et al., 2007; CRINO et al., 2015), a necessidade de modelos experimentais de DIO não se esgota. Assim, este estudo se destaca por determinar o índice glicêmico, além de dados inéditos de carga glicêmica em dietas experimentais e é apresentado como uma importante contribuição para estudos em modelos animais.

Há uma necessidade constante de estudos de DIO mais completos e complexos, envolvendo descobertas, do nível clínico ao molecular, na tentativa de esclarecer e fornecer subsídios que expliquem o efeito causa dos hábitos alimentares. Nesse sentido, é importante estudar e compreender diferentes dietas e seus efeitos sobre a obesidade e suas complicações, dada a crescente prevalência da obesidade em todo o mundo e o papel determinante das dietas (GBD, 2017).

As limitações éticas da indução da obesidade em humanos devem ser adotadas e, portanto, quanto mais robusto e completo o modelo, especialmente as informações sobre dieta, melhor será estabelecer correlações e relações com a obesidade. Com base em estudos que avaliam os efeitos da variação do conteúdo de carboidratos das dietas no perfil glicêmico, é possível afirmar que o aumento da ingestão de carboidratos aumenta a variabilidade glicêmica e, consequentemente, as complicações macro e microvasculares observadas em doenças crônicas como o diabetes. Essas complicações incluem retinopatia, neuropatia, nefropatia, doenças cardiovasculares, aumento do estresse oxidativo, disfunção endotelial e produção de radicais livres (TAY; THOMPSON; BRINKWORTH, 2015).

No presente estudo, foi verificado que a dieta experimental HGLI não influenciou o colesterol total, HDL-c, LDL-c, TGO, TGP ou GGT. No entanto, glicemia de jejum, TG e VLDL-c aumentaram significativamente. Esse efeito está de acordo com a composição centesimal da dieta experimental HGLI, que era, predominantemente, composta por carboidratos simples, principalmente sacarose. Sabe-se que a hiperinsulinemia, resposta comum à ingestão de uma dieta simples e rica em carboidratos, pode favorecer a deposição

lipídica nos tecidos (GRANNER; PILKIS, 1990), justificando as altas concentrações de TG, apresentados pelos animais submetidos à dieta experimental HGLI. Além disso, segundo Paschos e Paletas (2009), com o aumento do TG, a sensibilidade à insulina é reduzida, resultando na redução da absorção de glicose pelos tecidos sensíveis à insulina. Consequentemente, ocorre o processo de lipólise, gerando a formação de ácidos graxos livres e glicerol, que entram no fígado e tecido adiposo para formar mais TG, levando ao aumento do VLDL-c; isso justifica nossos dados para o aumento do VLDL-c.

Bocarsly et al. (2010), em seu estudo com xarope de milho rico em frutose, utilizado em ratos Sprague-Dawley machos e fêmeas, observaram que ocorreu o aumento do peso corporal e dos TG. Aeberli et al. (2013), em estudo com humanos, avaliaram o efeito de quantidades moderadas de frutose e sacarose e concluíram que ambos, quando comparados à glicose, comprometiam a sensibilidade à insulina hepática e influenciavam o perfil lipídico. Esses achados corroboram os resultados deste estudo. Foi constatado o aumento da expressão relativa de mRNA de PPARγ no tecido adiposo gonadal e retroperitoneal de ratos Wistar alimentados com a dieta experimental HGLI. Esse foi um achado interessante, uma vez que essas localidades refletem tecido adiposo subcutâneo e visceral, respectivamente, indicando uma indução consistente de desordem metabólica.

Sabe-se que o PPARγ regula a expressão de genes relacionados ao metabolismo de carboidratos e lipídios, também responsáveis pela captação de glicose mediada por insulina nos tecidos periféricos e pela diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos (TONTONOZ; HU; SPIEGELMAN, 1994; SCHOONJANS; STAELS; AUWERX, 1996; REN et al., 2002). Dietas hiperglicêmicas, como a dieta experimental usada neste ensaio, geralmente causam um aumento no tecido adiposo condicionado por um aumento na expressão do mRNA de PPARγ, mais especificamente PPARγ2, o que foi observado no presente estudo.

Assim, a família PPAR tem sido estudada como alvos terapêuticos em distúrbios lipídicos e de carboidratos, uma vez que esses genes estão implicados em distúrbios metabólicos observados em diabetes, dislipidemia, aterosclerose, obesidade, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Os PPARs desempenham, também, um papel importante na sensibilização periférica à insulina, reduzindo a expressão de resistina e TNF-α e aumentando a expressão de atividade da adiponectina e lipoproteína lipase (LPL) (TONTONOZ; HU; SPIEGELMAN, 1994; SCHOONJANS; STAELS; AUWERX, 1996).

Vários estudos foram realizados para entender os mecanismos associados à DIO (DEKKERet al., 2010; ROSSINI; SILVA; MORAES, 2012), isso se justifica pelo número crescente de obesidade mundial. Neste estudo, o conhecimento da carga glicêmica medida

diretamente em um modelo experimental de DIO, como é feito em dietas humanas, é uma informação nova e pode enriquecer as discussões sobre dietas e suas implicações clínicas. Outros estudos em animais poderiam medir diretamente o índice glicêmico e a carga glicêmica conforme apresentado neste estudo, considerando que esses são parâmetros importantes para a avaliação da dieta. Quando a DIO é o principal resultado avaliado nos estudos, uma melhor caracterização das dietas utilizadas pode ajudar a esclarecer as relações de causa e efeito nos modelos.

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