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Entre Março de 2003 e Março de 2010, dos 642 cães diagnosticados com alterações cardiovasculares no serviço de ecocardiografia do HVP, 89 (13.9%) tinham DCCs. Esta percentagem é bastante elevada e semelhante às apresentadas em estudos de maiores dimensões e realizados noutros países (Buchanan, 1999; MacDonald, 2006), o que atribui a este tipo de doenças uma importância crescente. No entanto, a alteração cardiovascular mais diagnosticada neste período de tempo foi a doença valvular crónica da mitral, o que está de acordo com outros estudos que consideram que esta doença cardíaca adquirida é das doenças cardíacas a mais prevalente da actualidade (Buchanan, 1999; Olsen et al., 2010).

Em relação à população de cães com alterações cardiovasculares diagnosticadas nesse mesmo período de tempo, a prevalência estimada de EA foi de 6.9%. A EA apresentou uma prevalência de 49.4% na população de cães que apresentaram uma ou mais DCCs (n=89) ao exame ecocardiográfico, realizado no serviço de ecocardiografia do HVP, num período de 7 anos. A DCC mais comum no presente estudo foi a EA, correspondendo a 46.3% de todos os casos de malformações cardíacas congénitas diagnosticados nesse período, seguida da EP (24.2%), da aorta quadricúspide (8.4%), do defeito do septo atrial (7.4%), do DAP (4.2%) e da displasia da tricúspide (4.2%). Apesar de em outros estudos o DAP ser a DCC mais comum (Patterson, 1968; Bonagura e Lehmkuhl, 1999), o resultado deste estudo está de acordo com outros estudos, mais recentes, realizados na Suécia, Itália e Reino Unido (Tidholm, 1997; Bussadori et al., 2009; Oyama et al., 2010).

A prevalência das DCCs e da EA, em particular, nesta população deve ser interpretada com cuidado, pois se esta for uma doença com transmissão genética em outras raças para além dos Terra Novas, os pools de genes regionais vão determinar a sua prevalência (Kienle et al., 1994).

Embora se tenha verificado a ocorrência de casos de associação de EA com a EP e a aorta quadricúspide, as percentagens obtidas ficaram longe do verificado em estudos realizados na Itália e na França (Bussadori et al., 2001; Chetboul et al., 2006; Bussadori et al., 2009).

A média e a mediana de idades em meses da população de cães afectados por EA foi de 58.8 e de 59.0 meses respectivamente, esta igualdade revela-nos que a distribuição das idades nesta população é simétrica. Nesta população de afectados com EA verificou-se a existência de cães com mais de 8 anos, o que, apesar de raro, está relatado em outros estudos (O'Grady

et al., 1989; Kienle et al., 1994).

Dos 44 cães afectados por EA, 31 (70.5%) eram machos e 13 (29.5%) eram fêmeas. No entanto, apesar da maioria ser macho, quando se calculou o risco relativo de um cão macho com alterações cardiovasculares apresentar EA, o resultado foi de 1.2 vezes mais em relação

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às fêmeas, sem apresentar significância estatística (p=0.566). No entanto, deve-se ter em conta que as características da população com alterações cardiovasculares total pode ter contribuído para este resultado, pois a maioria destes cães, eram machos. A predisposição sexual ainda não foi provada, no entanto, em outros estudos em cães de raça Boxer verificou- se que a ESA atinge significativamente mais machos do que fêmeas (Buchanan, 1999; Bussadori et al., 2009; Quintavalla et al., 2010).

Neste estudo, o Boxer foi a raça mais afectada por EA (n= 28) e 61% desses Boxers eram machos. Esta tendência racial também foi verificada em outros estudos (Kienle et al., 1994; Tidholm, 1997). A elevada prevalência de EA nesta raça pode estar influenciada pela grande popularidade desta raça em Portugal verificada nos últimos anos e pelo facto desta raça ser reproduzida numa área relativamente pequena e sem programas obrigatórios de rastreio de DCCs implementados. Apesar do Boxer Clube de Portugal possuir um protocolo com o HVP para o rastreio de EA, os animais avaliados através desse protocolo não entraram neste estudo, o que torna a prevalência obtida de EA, quer na população de cães afectados ecocardiograficamente com alterações cardiovasculares quer na população afectada com DCCs, mais fiável. Os Golden Retrievers e os Rottweilers, raças com reconhecida predisposição noutros estudos (Patterson, 1968; Kienle et al., 1994; Tidholm, 1997; Buchanan, 1999), foram, neste estudo, respectivamente, a segunda (n=4) e a terceira (n=3) raça onde a doença foi mais prevalente. No entanto, a raça Terra Nova, que surge na literatura como tendo predisposição hereditária (Pyle et al., 1976), não teve grande representatividade, visto só se ter registado EA em 1 cão dessa raça.

Após a estimativa do risco relativo das três raças mais populares na população de cães afectados com EA, terem EA entre todas as alterações cardiovasculares, verificou-se que a raça Boxer apresentou um risco relativo elevado (20.1 vezes mais, p<0.0001), em relação ao total de raças que o total de animais diagnosticados com alterações cardiovasculares no serviço de ecocardiografia, no mesmo período de tempo, representava. Uma justificação para o risco relativo da raça Golden retriever (6.5; p=0.003) e da Rottweiler (7.1; p=0.007) ser menor do que o da raça Boxer, poderá ser a relativa popularidade destas duas raças na população de afectados com alterações cardiovasculares. Em relação a um estudo semelhante, verificou-se que estas 3 raças também foram das mais diagnosticadas com EA (Kienle et al., 1994).

Tal como o descrito na literatura (Buchanan, 1999; Kienle, 2000), o tipo de EA mais diagnosticado nesta população canina foi a ESA, correspondendo a 86.4% dos casos.

Em 43 cães afectados com EA, realizou-se a classificação da doença quanto à sua gravidade em 3 grupos, verificando-se que a forma ligeira da doença foi a mais diagnosticada (51.2%) com uma média de GP sistólico máximo através do TSVE e da aorta de 24.5 ± 2.9 mmHg. Não se verificaram diferenças significativas quando se compararam as médias de idade

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e de diversos parâmetros ecocardiográficos, entre os 3 grupos de gravidade. Uma limitação deste estudo poderá ter sido o facto de não existir uma distribuição semelhante de cães entre os 3 grupos, pois mais de metade dos cães com EA (51.2%) apresentaram a forma ligeira de gravidade. Num estudo, realizado por Linde e Koch (2006), as médias de LVIDs e o LVPWd diferiram de forma muito significativa entre o grupo de EA ligeira e o de EA grave.

Os resultados deste estudo demonstram uma correlação positiva e significativa entre a idade dos cães em meses e o GP sistólico máximo entre o TSVE e a aorta (r=0.331; p=0.03). Esta correlação, apesar de fraca, demonstra que a EA é uma doença progressiva com a idade, isto é, à medida que a idade aumenta, as lesões que provocam o aumento do GP sistólico máximo entre o TSVE e a aorta vão-se agravando. A progressão da doença já foi demonstrada em estudos em que os cães são acompanhados e avaliados ao longo do tempo (Pyle et al., 1976; French et al., 2000), o que não foi possível de fazer neste estudo pelo facto de ser retrospectivo.

Um estudo realizado por Oyama e Thomas (2002), revelou existir uma correlação fraca entre índices ecocardiográficos que reflectem a magnitude da hipertrofia concêntrica do VE (e.g., a IVSd e a LVPWd padronizadas com a BSA e a IVSd/LVIDd e a LVPWd/LVIDd) e o grau de sobrecarga de pressão. Neste estudo, apesar de não serem significativas, também se verificaram correlações positivas fracas entre o GP sistólico máximo através do TSVE e da aorta, e a LVPWd/BSA, a IVSd/LVIDd e a LVPWd/LVIDd, o que demonstra uma tendência à hipertrofia do miocárdio secundária à sobrecarga de pressão crónica devido à EA.

A correlação negativa fraca (r=-0.115; p=0.478) verificada entre o GP sistólico máximo através do TSVE e da aorta e a LVIDd/BSA, também demonstra alguma tendência do fenómeno de hipertrofia concêntrica típica desta doença, pois a dimensão interna do VE diminui à medida que esta progride.

A correlação positiva fraca (r=0.06; p=0.714) encontrada entre o GP sistólico máximo através do TSVE e da aorta, e a LVIDs/BSA; e as correlações negativas fracas com a IVSd/BSA, a IVSs/BSA e a LVPWs/BSA podem indicar a presença de uma disfunção sistólica e/ou de insuficiência miocárdica. No entanto, seriam necessários outros parâmetros ecocardiográficos, nomeadamente a fracção de ejecção, para avaliar com mais precisão a função sistólica e miocárdica destes animais (Boon, 1998).

Os sopros detectados nestes cães afectados com EA foram sistólicos de ejecção, com o ponto máximo de intensidade localizado na base esquerda do coração em todos os cães, excepto em 2 cães em que o ponto máximo foi localizado a nível da valva mitral. A diferenciação do sopro causado por uma insuficiência da mitral e o sopro típico da EA é muito difícil de efectuar devido à sua ocorrência simultânea (durante a sístole) e à proximidade das suas áreas de intensidade máxima (Oyama et al., 2010), assim pode ter ocorrido um erro na

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localização da intensidade máxima do sopro, visto que, por ecocardiografia, confirmou-se a presença de EA nesses 2 cães e a ocorrência concomitante de regurgitação na valva mitral.

Os graus de intensidade de sopro mais detectados por auscultação foram o III/VI e o IV/VI. A intensidade do sopro, característico da EA, detectado nos 12 cães afectados por EA está correlacionada de forma significativa com o GP sistólico máximo medido através do TSVE e da aorta (r=0.668, p=0.018). Esta correlação moderada também já foi demonstrada em outros estudos (Kvart et al., 1998; Koplitz et al., 2003; Linde e Koch, 2006; Höllmer et al., 2008; Petrič e Cvetko, 2009). Estes resultados sugerem que o grau de intensidade de sopro num cão com EA é útil na predição do GP sistólico máximo através do TSVE e da aorta, ou seja, da gravidade da doença. Estes resultados validam o facto da auscultação poder ser usada no rastreio de cães com elevados gradientes de pressão sistólicos máximos entre o TSVE e a aorta, quando a ecocardiografia Doppler não estiver disponível (Kvart et al., 1998; Koplitz et al., 2003; Chetboul et al., 2006). No entanto, o exame ecocardiográfico não pode ser dispensado, pois animais com outras DCCs, como o defeito do septo atrial, apresentam um sopro com características semelhantes ao da EA (Chetboul et al., 2006).

Tal como no estudo de Bélanger et al. (2001), não se verificaram diferenças significativas entre as médias do GP máximo através do TSVE e da aorta medidas em animais com e sem sinais clínicos de doença. Também, a idade e os parâmetros ecocardiográficos testados (IVSd/BSA, IVSs/BSA, LVIDd/BSA, LVIDs/BSA, LVPWd/BSA, LVPWs/BSA e IVSd/LVIDd e LVPWd/LVIDd) não demonstraram ser capazes de distinguir animais com e sem sinais clínicos de doença, isto é, de predizer a ocorrência de sinais clínicos de doença cardíaca.

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