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Nossos dados demonstram que sexo, idade e parasitismo são caracteres que podem ser percebidos visualmente por indivíduos coespecíficos de Artibeus planirostris, corroborando com a hipótese de que aspectos da história de vida desses animais podem influenciar as relações sociossexuais entre eles. O parasitismo como preditor de caracteres que influem em caracterís- ticas visuais em animais já foi testado em outros grupos (Møller, 1990; Setchell et al., 2009), testando a hipótese proposta por Hamilton e Zuk (1982). Apesar disso, a demonstração de uma associação entre parasitismo e características relacionadas a interações sociais nunca foi de- monstrada para quirópteros.

Quase todas as espécies de morcegos onde já houve descrição das células do seu sistema visual são dicromatas (Sadier et al., 2018), excetuando-se os hematófagos (Kries et al., 2018). De acordo com os nossos resultados, a distinção visual entre indivíduos de diferentes sexos ocorre de maneira eficaz tanto com sinais simultâneos em duas faixas de coloração diferentes, quanto considerando apenas a informação que estimule um dos canais visuais, seja no compri- mento de onda curto (QS), em 375 nm, ou médio/longo (QL), em 560 nm. Isso não ocorreu quando consideramos aspectos como a infestação ou não infestação por parasitas isoladamente

em sinais de comprimento de onda curto ou médio/longo em A. planirostris. De maneira iso- lada, o animal conseguiria identificar algum aspecto na pelagem que parasitismo em outro so- mente utilizando a informação de luz de comprimento de onda médio/longo refletida do dado indivíduo, o que não ocorreu com a informação de curto comprimento de onda (QS). Já para a distinção entre no quesito idade, na qual dividimos entre jovens e adultos, só pode ser eviden- ciada por um observador coespecífico utilizando a informação refletida em ambos os compri- mentos de onda detectáveis pela espécie. Assim, nossos resultados sugerem que a ausência na expressão de uma determinada opsina nas células da retina desses animais pode causar uma perda na percepção visual de morcegos em suas interações sociais. Isso pode estar impactando os processos de seleção sexual na espécie, onde a seleção sexual de fêmeas sobre machos pode estar selecionando principalmente aqueles que apresentam sinais visuais que indiquem boa qua- lidade (Zahavi, 1975).

O fato de A. planirostris conseguir distinguir indivíduos pelo sexo com base tanto no uso de informação de comprimento de onda curta e longa simultaneamente, quanto no uso de apenas uma delas em baixas luminosidades nos sugere que a característica de separação de indivíduos pelo sexo pode estar exercendo um papel importante de pressão evolutiva sobre os genes de expressão das opsinas relacionadas a visão da espécie. As pressões seletivas exercidas sobre estes genes de codificação de opsinas já foi sugerida por Gutierrez e seus colaboradores (2018). Eles argumentam que, dada a prevalência da codificação de opsinas na evolução dos morcegos, a visão baseada na utilização de cones talvez seja um pouco subvalorizada na biolo- gia do grupo (Gutierrez et al., 2018).

A evidente utilização visual para distinção entre indivíduos machos e fêmeas que en- contramos demonstra a ocorrência de dimorfismo sexual na espécie. Isso pode estar ocorrendo através do mecanismo de seleção sexual, onde as fêmeas podem estar selecionando os machos por alguma característica de coloração, escolhendo os machos que apresentem algum sinal vi- sual de melhor qualidade para reproduzir (Zahavi, 1975). Agregado ao fato observado de que A. planirostris consegue distinguir visualmente machos de fêmeas, também temos a detecção visual entre machos reprodutivos e não reprodutivos pelos coespecíficos. Isso reforça que as fêmeas possivelmente podem estar escolhendo os machos por caracteres identificados visual- mente, que corrobora com constatações de que a seleção de parceiros sexuais sofre influência de sinais visuais de coloração em muitos grupos (Darwin, 1896; Snowdon, 2004). Padrões se- melhantes de coloração que diferem entre machos e fêmeas para aves, por exemplo, já foram encontrados. Neste caso, ambos diferiram em coloração tanto em comprimentos de onda visuais

a serem humanos quanto no espectro do ultravioleta (Cuthill, Bennett, Partridge, & Maier, 1999).

A influência de displays visuais na seleção sexual em morcegos é muito pouco estudada, apesar de se conhecer alguns padrões de demonstrações visuais durante processos de corte por machos às fêmeas (Chaverri, Ancillotto, & Russo, 2018). É o fato do que é observado para Epomophorus wahlbergi, morcego da família Pteropodidae que apresenta um padrão de com- portamento onde eriça tufos brancos de cabelo próximos às orelhas enquanto bate suas asas próximo às fêmeas (Adams & Snode, 2013). Também são conhecidos comportamentos onde machos se exibem em padrões variados de voos para as fêmeas, agitando as asas e pairando em frente a frente delas para atrair sua atenção (McWilliam, 1989; Vaughan & Vaughan, 1986). Apesar da demonstração da atuação de displays visuais na seleção sexual em morcegos, Chaverri e colaboradores (2018) argumentam que a complementação com outras modalidades de comunicação podem estar atuando em conjunto com padrões visuais de corte. Somado a isso, a influência de agentes externos na emissão de sinais em rituais de corte em morcegos não é bem conhecida.

Considerando a falta de estudos que mostrem a influência da presença de parasitas na expressão da coloração na pelagem de morcegos, nosso estudo traz estímulo para se continuar na busca de respostas a esse respeito. Os nossos dados enfocam na utilização de ectoparasitas como objeto de estudo, contudo a utilização da comparação de outros tipos de parasitismo, como a presença ou ausência de endoparasitas é uma boa projeção para trabalhos futuros. Isso para dar maior suporte para a informação apresentada, visto que já é conhecida a infestação de morcegos filostomídeos por outros parasitas como protozoários, helmintos e nematódeos (Ubelaker et al., 1979), que podem dar um panorama mais amplo de como a infestação por grupos oportunistas pode estar alterando características no fenótipo de quirópteros. Também é importante atentar para o fato de que grupos diferentes de morcegos podem interagir com dife- rentes parasitas (Barbier & Bernard, 2017). Essas interações podem estar atuando como corrida armamentista, onde morcegos podem estar desenvolvendo mecanismos para maximizar a resis- tência a infestação, enquanto parasitas tentam burlar essas resistências, se especializando cada vez mais (Langmore, Hunt, & Kilner, 2003).

Tendo-se em vista que a visão de A. planirostris possui certas limitações quanto a iden- tificação de padrões em características variadas na coloração de indivíduos coespecíficos, su- gerimos que possivelmente alguma característica possui participação mais forte na seleção de genes de expressão de opsinas nas células da retina de morcegos. Contudo, este modelo precisa

ser reproduzido para outras espécies visando ampliar o conhecimento na área de modelagem da visão do grupo para que se possa entender melhor como eles enxergam o ambiente em que estão inseridos, bem como suas formas de interação com outros animais. A compreensão de como morcegos enxergam o ambiente onde ocorrem pode ajudar a entender melhor a forma como se empregar esforços para conservação do grupo, adotando estratégias de manejo mais eficazes que podem colaborar com a preservação do grupo e contribuindo também para a manutenção da vida de espécies que convivem no mesmo ambiente (Lambeck, 1997; Roberge & Angelstam, 2004). Além disso, estudo semelhantes ajudam a entender mais sobre como a visão de cores pode ter evoluído dentro dos mamíferos (Jacobs, 2009; Zhao et al., 2009). Nosso estudo é pio- neiro em visão de quirópteros, sendo um importante estímulo para a pesquisa a respeito de aspectos não só da ecologia sensorial do grupo, mas de outros aspectos da história de vida desses mamíferos alados.

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