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5. DISCUSSÃO

Além dos parâmetros relacionados à geração de ácidos graxos e glicerol, foram determinados neste trabalho, os níveis de corticosterona sérica e o turnover de noradrenalina no TABR. A coleta destes dados, juntamente com outros obtidos em experimentos anteriores, teve por finalidade caracterizar o modelo experimental (ratos em crescimento submetidos à restrição protéica) e conhecer o contexto neural e hormonal em que se processam as alterações metabólicas nestes animais.

O aumento no turnover de noradrenalina no TABR dos animais do grupo H e apresentado na Tabela 5, é a primeira constatação do aumento da atividade simpática neste tecido em animais com restrição protéica. Estes dados se opõem aos encontrados no TAB Epididimal de ratos adultos submetidos à dieta com 5% de caseína (muito próximo ao conteúdo de 6% de proteína administrado a nossos animais) por Kevonian et al71. Além de uma possível diferença tecido-específica, não podemos descartar que este resultado aparentemente contraditório entre os dois tipos de tecido adiposo branco, poderia ser resultado da diferente etapa de desenvolvimento em que os mesmos foram submetidos à restrição protéica (fase de crescimento e adultos, respectivamente), já que este fato leva à diferença na ingestão de alimento (calorias), e balanço nitrogenado tendo como

conseqüência, diferente respostas simpática nos tecidos. Segundo White et al.26 o aumento da ingestão em situações de restrição protéica é uma tentativa do organismo em repor a deficiência de aminoácidos, sendo, no entanto limitada, pelo próprio gasto energético; de tal forma que o aumento do gasto energético levaria a um aumento na ingestão de alimento. O fato do grupo H (nosso grupo experimental) se encontrar em fase de crescimento, onde ocorre aumento no gasto energético, pode ter sido o fator fundamental para o diferente comportamento alimentar entre os dois grupos acima mencionados, mesmo submetidos a um grau de restrição protéica muito próximos. A associação entre a maior ingestão de calorias e maior atividade simpática no TABR encontrado em nossos experimentos foi observada também por outros autores: Chaves et al.1 observou aumento na atividade simpática no TABR após administração de dieta hipercalórica por 3 semanas e Young et al.61,em animais submetidos à dieta padrão suplementado com solução de glicose ou frutose por 6 dias, entre outros. Estudos em ratos adaptados à dieta hiperprotéica (HP) livre de carboidratos, mostram uma diminuição na atividade simpática no TABR62. Esta diminuição é provavelmente induzida pela ausência de carboidratos na dieta38 ou pelo aumento da concentração de proteínas39,40,41,42. Com isso, concluímos que a atividade simpática aumentada no TABR no grupo H é coerente com a maior ingestão de calorias e carboidratos e menor concentração de proteínas na dieta.

Classicamente o SNS desempenha um papel importante na regulação da lipólise no TAB. Dados de Migliorini et al.63 e Garófalo et al.64 mostraram que o jejum e a exposição ao frio são situações onde constatamos simultaneamente aumento da atividade simpática e da lipólise. No entanto, é difícil justificar a necessidade da ativação da lipólise em animais com maior ingestão calórica. Mais recentemente, Carey et al.65 e Lafontan et al.66 constataram que as catecolaminas através dos receptores α2 adrenérgicos e inibição da produção de AMPc, podem também prevenir a mobilização lipídica. Diante disto, para

uma melhor interpretação do objetivo finalístico do aumento da atividade simpática nestes animais, outros experimentos, confirmando ou não o aumento da lipólise neste tecido, serão necessários.

Se considerarmos, no entanto, uma ação lipolítica do SNS no TABR nestes animais, somente o aumento na reesterificação, poderia justificar o aumento do conteúdo de TAG neste tecido, processo este dependente da disponibilidade de G3P, fundamental no ciclo lipólise/reesterificação, regulando a taxa de liberação de AG pelo tecido e conseqüentemente o seu armazenamento na forma de triacilgliceróis (TAG).

Quanto à geração de AG, pudemos constatar que a síntese de AG de novo no TABR do grupo N, utiliza apenas cerca de 15% do G3P sintetizado pelas vias da gliceroneogênese e a partir da glicose (incorporação de 3H2O em GLI-TAG). Para esta determinação a velocidade de síntese de AG de novo dividido por 3, nos dá o quanto de G3P foi utilizado para esterificar estes AG, uma vez que cada molécula de G3P esterifica 3 moléculas de AG. Isto significa que a maior parte dos G3P (85%) foram utilizados para esterificar AG pré formados, sejam eles provenientes da hidrólise dos TAG no próprio tecido ou captado das lipoproteínas circulantes pela ação da LPL. Estes resultados reforçam a importância da reesterificação dos AGs observado em animais adultos por Botion et al.24 em que cerca de 63% do GLI-TAG sintetizado pela gliceroneogênese e a partir da glicose, é utilizado para reesterificar AG pré-formados, aumentando para 80% em animais submetidos à dieta hiperprotéica24. Nos animais com restrição protéica dos nossos experimentos, observamos um aumento na contribuição dos AG pré-formados (circulantes e endógenos) para 90%. Este resultado explica o aumento dos estoques de TAG nestes animais, mesmo com redução significante da síntese de AG de novo (50% da síntese do grupo N). O aumento de 100% na atividade da LPL observado neste grupo sugere que o

aumento dos estoques de TAG, tem relação direta com a maior contribuição dos AG circulantes captados da circulação do que os AG provenientes dos TAG endógenos. O aumento da sensibilidade à insulina constatada no grupo H em relação ao grupo N poderia justificar o aumento da atividade da LPL no TABR35, suprimindo os possíveis efeitos inibitórios da noradrenalina sobre a enzima (uma vez que o tecido nesta condição tem, como já relatado anteriormente, um aumento na atividade simpática).

Outra fonte de geração de G3P, que não é contabilizada pela técnica da 3H2O é o glicerol reciclado por fosforilação pela GK. Embora a atividade desta enzima tenha sido considerada nula no TAB durante muito tempo, mais recentemente foi constatado que a sua atividade é perfeitamente detectável, sendo em torno de 1/10 da atividade da GK no TAM sendo ativada pelo SNS70. Como nos animais H a atividade simpática está aumentada (não se conhece outro fator que regule a atividade desta enzima), podemos supor que a síntese de G3P a partir da gliceroquinase estará possivelmente mais elevada nos animais H em relação à N, contribuindo para maior formação de G3P por esta via e como conseqüência maior esterificação de AG, o que elevaria a percentagem do glicerol utilizado para reesterificar ácidos graxos pré-formados.

O alto nível de corticosterona sérica encontrada nos animais H em nossas experimentações (Tabela 4) são corroborados por Herbert & Carilloo43 que constataram aumento no peso da glândula adrenal e maiores níveis de corticosterona em animais com restrição protéica. Adicionalmente, houve aumento de 63,8% no número de células secretoras de ACTH em relação aos animais submetidos à dieta normoprotéica. Estes resultados sugerem que a secreção de ACTH e a fisiologia adrenocortical estão estimuladas sob condições de restrição protéica, condição esta, semelhante às situações de stress crônico. Achados semelhantes (inclusive em outras espécies animais) foram encontrados

em ratos machos com restrição protéica na dieta (8% de proteína) por trinta dias consecutivos a partir do 20° dia de vida50.

A regulação por feedback pelos níveis de glicocorticóides plasmáticos inibindo a secreção de ACTH pelo hipotálamo, tem sido revisto ao longo das últimas décadas. Este modelo clássico de retroalimentação é observado agudamente, nas primeiras 18h após o stress, onde os níveis de glicocorticóides exercem uma ação inibitória sobre este sistema. Entretanto em situações de stress crônico ou um simples stress de alta intensidade, a ação direta dos glicocorticóides (em altos níveis) é estimulatória51,52. Dados recentes relacionam também o stress crônico com desarranjos da homeostase metabólica que contribui em manifestações clínicas como a obesidade visceral, diabetes tipo 2, aterosclerose e síndrome metabólica; ressaltando a importância fisiológica desta relação.

Tudo indica que o mecanismo primário que estabelece estas alterações é o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e o componente central e periférico do Sistema Nervoso Central. A hiperleptinemia dos animais H, mencionada anteriormente, poderia também contribuir nestas alterações, uma vez que esta condição aumenta a expressão de

corticotropin releasing factor (CRF) (secretado pelo hipotálamo, estimulando a secreção de ACTH que estimula o córtex adrenal na hipófise), resultando em maior secreção de ACTH pela hipófise, maior estimulação das adrenais e aumento na secreção de corticosterona37.

O papel deste hormônio na lipogênese está ainda por ser estabelecido. Até a década de 80, os glicocorticóides eram vistos como hormônios catabólicos68, entretanto a compreensão de seu mecanismo de ação e de seus efeitos estimuladores na síntese de muitas enzimas das vias de síntese faz com que atualmente, se atribua a ele, também funções anabólicas.

As ações metabólicas dos glicocorticóides são bastante amplas e o seu papel no metabolismo de lipídeos ganha interesse cada vez maior, frente a sua associação com a obesidade em humanos e roedores, sugerindo que os glicocorticóides podem ter papel importante na gênese da obesidade. Além de estimular o acúmulo de lipídeos, este hormônio participa também da distribuição corporal entre os vários depósitos.

Os efeitos finais dos GC sobre o metabolismo parecem ter duas características: a especificidade tecidual e a interação com outros sistemas hormonais, que pode ser ilustrado por sua ação permissiva sobre a ação estimulatória da insulina sobre a LPL e pela ação inibitória sobre a ação anti-lipolítica da insulina. Esta interação pode também explicar a maior ingestão de alimento no grupo H apesar dos elevados níveis de leptina sérica (anorexígeno), já que a redução na ingestão é tamponada por altos níveis de corticosterona (orexígeno) como constatado nos animais do grupo H60.

As interações dos GC se estende também a fatores de transcrição, como o receptor ativado por proliferador de peroxissomos (PPARγ) que é expresso predominantemente no

Tecido Adiposo e modula a expressão gênica de proteínas envolvidas no metabolismo de

glicose e lipídeos. Entre estas interações podemos ressaltar a ativação do PPARγ pelos GC

e a sua associação com o fenótipo adiposo, que é definido pelo acúmulo de lipídeos e genes marcadores específicos de lipídeos, como proteína ligadora de ácidos graxos nos adipócitos (aP2), lipase lipoprotéica e adipsina67.

Dados da literatura sustentam ainda, a possibilidade da participação dos glicocorticóides no controle das vias de geração de G3P, como a redução de 80% da expressão gênica da fosfoenolpiruvato carboxiquinase citoplasmática (PEPCK-C) observada após a incubação de adipócitos brancos com dexametasona por 4h55. Estes resultados mostram uma ação diferente do hormônio no tecido adiposo e fígado, já que os glicocorticóides estimulam a expressão da PEPCK-C hepática56. Esta enzima regulada a

nível transcricional, apresenta diferentes funções tecido-específicas, sendo a enzima chave da gliconeogênese no fígado, enquanto no Tecido Adiposo sua função esteja associada unicamente à geração de G3P através da gliceroneogênese. Esta participação da enzima em vias com diferentes finalidades justificam as diferentes respostas da enzima ao hormônio57. Estudos semelhantes mostram aumento da atividade da Gliceroquinase (GK) depois de prolongada incubação de adipócitos brancos de ratos com dexametasona58. Por fim, estas associações podem ser estabelecidas em outros vertebrados, onde o aumento da atividade da glicerol 3-P desidrogenase (conversão da diidroxiacetona-P da Via glicolítica em glicerol-P) e GK foram observadas após implantes de glicocorticóides em peixes59.

Estes achados isolados podem ser indicativos, ou não, de um possível controle dos glicocorticoides sobre as vias relacionadas a estas enzimas. Experimentos posteriores serão necessários para estabelece a real contribuição dos altos níveis de Corticosterona no acúmulo de TAG no tecido adiposo branco retroperitoneal de animais submetidos à restrição protéica na fase de crescimento.

Conclusão

Tendo em vista os resultados e as considerações anteriormente expostas, podemos concluir que:

• As adaptações metabólicas determinadas pela restrição protéica ocorreu dentro de um quadro de resistência à leptina, sensibilidade à insulina, hipercorticosterolemia e aumento na atividade simpática no TABR;

• O aumento no conteúdo de TAG no TABR se deve mais, ao aumento na captação de AG circulantes, decorrente em parte pelo aumento da sensibilidade à insulina e independente da possível ação inibitória da LPL pelo Sistema Nervos Simpático;

• O alto nível de corticosterona parece contribuir para a redução da síntese de AG no TABR e aumento do G3P, aumentando a velocidade de reesterificação;

• A atividade simpática pode também contribuir para o aumento do ciclo de reesterificação aumentando a formação de G3P pela gliceroquinase.

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