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Artigo 2: Android fat distribution as evaluated clinically and by dual-energy X-ray

5. DISCUSSÃO GERAL

Sobrepeso e obesidade pertencem ao grupo de doenças crônicas em que há aumento substancial do risco de incidentes tromboembólicos. No papel decisivo de seu desenvolvimento parecem estar desordens de hemostasia, incluindo a ativação excessiva do sistema de coagulação e/ou a inibição da fibrinólise. As alterações na coagulação de pessoas obesas são complexas. Elas incluem, dentre outras, aumento na concentração e atividade de fatores de coagulação do sangue, hiperfibrinogenemia e hiperatividade das plaquetas. Por outro lado, fibrinólise normal ou deficiente também ocorre em pessoas obesas (62).

Obesidade é muito comum em mulheres com SOP: aproximadamente 50% são obesas ou possuem sobrepeso (91) e a história de ganho de peso frequentemente precede o início de oligomenorreia e hiperandrogenismo, sugerindo um papel patogênico da obesidade no subsequente desenvolvimento da síndrome (92). Além da maior tendência a obesidade, mulheres com SOP manifestam com frequência padrão de gordura androide, isto é, centralizada (61, 93, 94). Alguns dados experimentais sugerem que a maturação dos adipócitos e a obesidade visceral podem também ser favorecidos por uma hiperandrogenemia crônica, que tipicamente caracteriza a SOP (93, 95). Já está bem estabelecido que a obesidade visceral está intimamente associada com inflamação crônica e RI (96). Tais condições podem aumentar a síntese de PAI- 1 pelos adipócitos (97).

A RI está presente em 65-70% das mulheres com SOP podendo ocorrer independentemente da obesidade (93). Assim, apesar de alguns estudos terem evidenciado níveis de insulina anormais e RI somente em mulheres com SOP obesas (66), a maioria tem demonstrado perfis metabólicos anormais também em mulheres magras (67, 68). Cascella e colaboradores, em 2008, concluíram que dois terços das mulheres com SOP não obesas possuem gordura corporal excessiva e adiposidade visceral central, induzindo elevação da RI (69). Já está estabelecido que a RI pode alterar a fibrinólise através do aumento da secreção de PAI-1 (97, 98). Contudo as interações complexas e entrelaçadas entre SOP, obesidade visceral, RI e inflamação crônica fazem com que se torne extremamente difícil dissecar as principais relações causais responsáveis pelas anormalidades protrombóticas observadas nesse grupo de mulheres, sendo uma área pouco estudada. Acredita-se que desordens do sistema hemostático e alterações da coagulação possam contribuir para o aumento do risco de eventos cardiovasculares em mulheres com SOP, embora as evidências sejam conflitantes e baseadas em um pequeno número de estudos na literatura (25, 26, 41, 57, 61). Dessa forma, considerando que a obesidade não é condição fundamental para o desenvolvimento de RI e de alterações metabólicas na SOP,

é possível sugerir a participação de algum outro fator que contribuísse para o desenvolvimento de DCV e, em especial, para a elevação do risco para TEV nesse grupo de mulheres.

Em nosso estudo de 2013, durante meu Mestrado, comparamos marcadores hemostáticos, incluindo um teste de coagulação global (teste de geração de trombina – TGT) entre mulheres com e sem SOP, pareadas por idade e IMC, e concluímos que a geração de trombina é mais rápida em mulheres jovens com SOP, sugerindo um aumento no risco de hipercoagulabilidade (70). Além desse estudo, existem outros poucos na literatura, porém com resultados na mesma direção, isto é, mostrando que nas mulheres com SOP eleva-se o risco protrombótico, mas o desconhecimento é grande quanto à influência da composição corporal ou da centralização de gordura nos marcadores hemostáticos nessas mulheres.

Assim, após demonstrar que os marcadores de hemostasia comportavam-se de maneira diferente entre os dois grupos (mulheres com e sem SOP), apesar do pareamento por idade e IMC, decidimos avaliar a composição corporal e a distribuição de gordura em mulheres com SOP e controles para verificar se existiria alguma correlação entre centralização de gordura e marcadores hemostáticos e se essa distribuição de gordura corporal teria influência em aumentar alguns fatores de risco para TEV e se poderia influenciar outros marcadores de hemostasia.

Muitos estudos têm sugerido que os riscos cardiovasculares estão aumentados em mulheres jovens com SOP, incluindo disfunção endotelial (99), espessura da camada íntima- média carotídea (100), rigidez arterial (101) e disfunção do miocárdio (102, 103), mas é muito difícil estabelecer o quanto esse risco é devido à SOP per se e quanto à obesidade, que é comum na SOP e que se associa isoladamente ao aumento do risco cardiovascular (104). Achados recentes mostraram que a distensibilidade arterial não foi diferente entre mulheres com SOP e controles saudáveis, porém foi inversamente relacionada à adiposidade (105).

Os mecanismos pelos quais a obesidade contribui para o risco cardiovascular não são claros, mas o acúmulo de gordura abdominal (visceral) parece ter uma significância particular, uma vez que ele é um fator de risco independente para DCV (106) e está associado ao aumento do risco de DM2 independentemente do IMC (107). Contudo, mulheres magras com SOP também estão predispostas a intolerância à glicose (108) e podem ser propensas a disfunções vasculares, uma vez que a RI está associada às alterações da complacência das grandes artérias (109) e à função endotelial (110).

A distribuição de gordura corporal pode ser avaliada clinicamente por meio das medidas da cintura e do quadril, também sendo valorizada a relação cintura-quadril, obtida a

partir da relação entre as medidas da circunferência da cintura abdominal e a circunferência do quadril resultando em duas categorias: normal (<0,8) e obesidade androide ou central (≥ 0,8) (19). Mais recentemente, um método de maior acurácia foi introduzido para mensurar a composição corporal: a técnica de absorciometria de raios X de dupla energia (Dual-energy X-

ray absorptiometry – DXA), com baixa exposição à radiação, rápida e de fácil aplicabilidade

(72).

Neste estudo, nós correlacionamos marcadores hemostáticos com parâmetros clínicos e densitométricos de distribuição de gordura em mulheres com SOP. Concluímos que a distribuição de gordura androide em mulheres com SOP, jovens e com sobrepeso, tanto avaliadas clinicamente como por meio do DXA, pode afetar diretamente alguns marcadores de hemostasia, sugerindo um estado de hipercoagulabilidade, levando a um aumento do risco protrombótico.

Assim, observamos que na SOP, níveis séricos dos marcadores de fibrinólise PAI-1 e D-dímero correlacionaram-se positivamente com IMC, circunferência da cintura, circunferência do quadril e relação cintura-quadril, enquanto que o marcador TAFI correlacionou-se positivamente com IMC, circunferência da cintura e relação cintura-quadril, ressaltando não só o papel da obesidade, visto pelo IMC, mas principalmente o papel da obesidade central como fator de risco tromboembólico. Também através do teste de geração de trombina verificamos que IMC e circunferência da cintura apresentaram correlação positiva com a concentração máxima de trombina (Cmáx) e com a área sob a curva (AUC) ou potencial de trombina endógena (ETP), reforçando que maior peso e centralização de gordura são fatores que se relacionam com maior risco de hipercoagulabilidade.

Através da técnica de DXA na avaliação de distribuição de gordura corporal em mulheres com SOP, o marcador de fibrinólise TAFI apresentou uma correlação positiva com o percentual de gordura androide e com a relação androide/ginoide, reforçando e corroborando os achados em relação à avaliação da distribuição da gordura corporal por meio de parâmetros clínicos (relação cintura-quadril).

Por muitos anos, a abordagem das mulheres com SOP era para tratar e controlar acne, hirsutismo, irregularidade menstrual, obesidade e infertilidade. Há algum tempo têm sido valorizadas as alterações que, embora se iniciem na mulher jovem, muitas vezes vão causar repercussões na idade adulta, tais como complicações da gestação, qualidade de vida, obesidade, DM2 e DCV. Devido a todas as alterações metabólicas que estão presentes na SOP, têm sido recentemente discutidos os riscos tromboembólicos nessas mulheres.

Nossos resultados ressaltam a necessidade de que toda mulher com SOP seja avaliada de forma global, não somente com atenção para queixas como acne, hirsutismo e irregularidade menstrual, mas valorizando o ponto de vista metabólico, pensando no desenvolvimento e evolução da SOP a longo prazo. Medidas efetivas de controle da obesidade, mas também de detecção e controle da distribuição desta gordura, poderão ser efetivas para reduzir riscos metabólicos, talvez com impacto na redução do risco tromboembólico e de DCV em mulheres diagnosticadas com síndrome dos ovários policísticos.

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