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7. Considerações Finais

7.1 Discussão geral dos resultados

Esta tese investigou os antecedentes e as consequências da gestão das finanças domésticas por meio de dois estudos empíricos complementares. Os resultados demonstram a diversidade de comportamento dos consumidores em relação à gestão de suas finanças domésticas e sugerem que consumidores que imprimem menor esforço na gestão das finanças podem incorrer em situações de inadimplência.

O estudo qualitativo proporcionou um profundo entendimento sobre como os consumidores gerenciam suas finanças domésticas em um contexto de severa restrição de renda. Causou muita surpresa a constatação de que esses consumidores realizam quase ou nenhum planejamento antecipado de seu orçamento, porém costumam anotar e controlar os gastos realizados. De certa forma essa tendência ficou também demonstrada na modelagem da etapa quantitativa, em que o construto Gerenciamento das receitas e despesas – mais relacionado com aspectos de controle – mostrou associações mais fortes com seus antecedentes e

consequências do que o do orçamento mental, mais associado com o processo de planejamento.

Esse maior entendimento do fenômeno investigado forneceu subsídios para a estruturação inicial do modelo que foi testado na etapa quantitativa. Por meio do estudo qualitativo foi possível ainda identificar construtos posteriormente incorporados ao modelo – a influência de eventos críticos como antecedentes não só da gestão das finanças como também da ocorrência de situações de inadimplência, o impacto de traços de personalidade como autocontrole, e a influência de fatores demográficos, como a maternidade na gestão das finanças domésticas. A utilização de uma metodologia mista se mostrou bastante eficiente na investigação desse fenômeno, conforme defende Webley (1995) para os estudos sobre finanças pessoais.

O gerenciamento das receitas e despesas, que reflete principalmente a organização dos consumidores ao lidar com as finanças domésticas, tem impacto negativo na ocorrência de inadimplência e positivo na questão da poupança. Parece que gerenciar as receitas e despesas pode ajudar os consumidores a evitar problemas de inadimplência e ainda conseguir fazer reservas para o futuro.

As características pessoais investigadas impactam de forma distinta os dois componentes da gestão das finanças domésticas. O orçamento mental parece sofrer a influência apenas da propensão a planejar. A relação positiva entre essa característica e o orçamento mental reforça o aspecto de planejamento desse componente da gestão das finanças.

O gerenciamento das receitas e despesas, por outro lado, parece sofrer influência do autocontrole, da preferência por crédito e também da propensão a planejar. A relação positiva encontrada entre o autocontrole e o gerenciamento era esperada e confirma o resultado da pesquisa qualitativa. Já na etapa qualitativa era possível identificar que algumas consumidoras possuíam uma característica mais ligada à sua personalidade que lhes conferia um maior autocontrole refletindo uma capacidade maior de resistir às tentações de consumo. Essas consumidoras também apresentavam um maior controle da sua situação financeira, sugerindo essa relação positiva entre as duas variáveis.

Na etapa quantitativa essa relação foi testada por meio de uma análise de regressão linear e apresentou coeficiente positivo e significante. Estudos anteriores já haviam encontrado uma relação entre os níveis de autocontrole e diversos resultados positivos, entre eles o controle de impulsos (TANGNEY; BAUMEISTER; BOONE, 2004) e mais especificamente relacionado à questão financeira, melhor administração do dinheiro, maior poupança e menores gastos (ROMAL; KAPLAN, 2005; BAUMEISTER, 2002; HOCH; LOEWNSTEIN, 1991). No entanto, esses estudos não investigaram a relação do autocontrole com o aspecto prático do gerenciamento das receitas e despesas e, tão pouco, investigaram a mediação desse construto na relação entre autocontrole e a ocorrência de situações de inadimplência e poupança.

A relação entre a preferência por crédito e o gerenciamento encontrada na etapa quantitativa contrariou o que havia sido previsto. Esperava-se uma relação negativa entre as duas variáveis, no entanto a relação encontrada foi positiva. Estudos sobre a influência da forma de pagamento atestam que o uso do crédito, especialmente do cartão de crédito, podem levar os indivíduos a consumir mais (PRELEC; LOWESTEIN, 1998; KIRCHLER, HOELZL, KAMLEITNER, 2008; RAGHUBIR, SRIVASTAVA, 2008; FEINBERG, 1986; HIRSCHMAN, 1979). Além disso, espera-se que o uso do parcelamento dos pagamentos possa trazer complexidade ao processo de gestão. A combinação entre um maior consumo e a complexidade da gestão poderia levar os consumidores a gerenciar menos suas contas. No entanto, a relação positiva e significante encontrada entre essas duas variáveis aponta para uma situação em que a preferência por crédito leva a um aumento do nível de gerenciamento das receitas e despesas.

Este estudo não investigou relações de causa e efeito entre as variáveis. Por se tratar de um estudo de corte transversal, não foi possível testar relações de causalidade. No entanto, diante do resultado encontrado, pode-se especular que um indivíduo que tenha uma preferência maior para usar o crédito para fazer suas compras, procure fazer um melhor gerenciamento das suas finanças, possivelmente para evitar problemas como endividamento e inadimplência, e, consequentemente o cancelamento do cartão.

A propensão a planejar também apresentou uma relação positiva e significante com o gerenciamento das receitas e despesas. Assim, consumidores com níveis mais altos nessa variável gerenciam melhor suas finanças, além de praticarem mais o orçamento mental. Pensando na gestão das finanças como a combinação entre o orçamento mental e o gerenciamento das receitas e despesas, tem-se que, entre as características pessoais, a que mais influencia a gestão das finanças é a propensão a planejar. Seu impacto é forte nos seus dois componentes. Apesar de não aparecer como uma prática muito comum entre as entrevistadas no estudo qualitativo, o planejamento, ou a propensão a planejar em relação ao dinheiro, tem forte impacto na forma como as consumidoras gerenciam seu orçamento familiar.

As variáveis sociodemográficas não apresentaram relação significante com os componentes da gestão das finanças domésticas. Análises diretas entre essas variáveis e a ocorrência de inadimplência e poupança, apontam para o impacto positivo do nível educacional na reserva de recursos. Esse resultado também foi encontrado por Lunt e Livingstone (1991). Mackenzie e Liersh (2011) demonstram a dificuldade das pessoas em entender o efeito cumulativo da poupança ao longo dos anos, o que faz com que elas subestimem o valor da poupança no futuro. A influência positiva entre o nível educacional e a poupança pode ser explicada pelo melhor entendimento do funcionamento (juros compostos) e dos benefícios (a forma exponencial do acúmulo dos recursos) da poupança entre os indivíduos mais escolarizados.

Apesar de não apresentar uma influência direta com a ocorrência de inadimplência, ao analisar a relação direta com a poupança, a propensão a planejar aparece como uma variável de impacto direto. Com o objetivo de procurar entender como se dá essa relação, foi realizado um teste de mediação. O resultado confirma o papel do gerenciamento das receitas e despesas como mediador entre a propensão a planejar e a poupança.

Outros testes de mediação foram realizados para investigar o papel de mediador do gerenciamento das receitas e despesas na relação entre as características pessoais (autocontrole, preferência por crédito e propensão a planejar) e a ocorrência de inadimplência. Os resultados apontam para a mediação do gerenciamento nessas

relações. Assim, a influência das três características pessoais passa necessariamente pelo gerenciamento das receitas e despesas.

A ocorrência de situações inesperadas ou de impacto nas finanças, denominadas neste estudo de eventos críticos (ocorrência de um ou mais eventos como desemprego, separação conjugal, nascimento de filho, etc.) não parece afetar a gestão das finanças (não há relações com coeficientes significantes). No entanto, existe uma relação direta dessa variável na ocorrência de situações de inadimplência, mas não na capacidade de poupar desses consumidores. O evento crítico é a única variável que apresenta impacto direto na ocorrência de inadimplência e testes de moderação realizados apontam para a independência entre a variável e o gerenciamento na ocorrência de inadimplência. Dessa forma, pode-se supor que mesmo que o consumidor faça um bom gerenciamento das receitas e despesas, a ocorrência de um evento crítico pode afetar sua capacidade de pagamento.

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