• Nenhum resultado encontrado

3.1 Gestão das finanças domésticas

3.1.2 Gerenciamento das receitas e despesas

Como forma de controlar as finanças no ambiente doméstico, os consumidores procuram gerenciar suas receitas e despesas. Esse gerenciamento pode resultar em um saldo negativo fazendo com que o consumidor tenha dificuldade em arcar com todos seus compromissos ou pode apresentar um saldo positivo que possibilite a ele fazer alguma reserva de recursos para o futuro.

Fazendo-se uma analogia entre a forma como as empresas gerenciam suas finanças e como os indivíduos o fazem no ambiente doméstico, surge o conceito de orçamento familiar. A elaboração do orçamento familiar é parte importante do processo de gerenciamento.

Estudos relacionados ao orçamento familiar têm origem no início do século XX, devido aos esforços da Bureau of Labor Statistics em mapear o padrão de consumo das famílias norte-americanas (JOHNSON; ROGERS; TAN, 2001). Estes estudos são mais aprofundados e frequentes na área de microeconomia do que na área de marketing, em que poucos são os avanços neste tema. Em economia a principal

questão tem sido os trade-offs que os consumidores fazem ao escolher entre o consumo imediato e o consumo no futuro (DU; KAMAKURA, 2008).

Mesmo considerando sua importância, constatam-se poucos estudos empíricos de marketing relacionados ao orçamento familiar (DU; KAMAKURA, 2008). No Brasil a exceção são os trabalhos de Silva (2004) e Silva, Parente e Kato (2009). De maneira geral, estudos na área de marketing trazem poucas discussões sobre as razões da composição dos orçamentos familiares, a maneira como as famílias organizam e como controlam seus orçamentos. No entanto, seria importante para a área de marketing entender os trade-offs que as famílias fazem ao alocar seus recursos entre as diferentes categorias de consumo em um orçamento permitindo prever como essas alocações mudam em resposta a alterações no preço e renda e como essas diferenças nas preferências entre os consumidores levam a diferentes padrões de consumo (DU; KAMAKURA, 2008).

Ernst Engel publicou ainda em 1847 um artigo que tratava da relação entre renda e os gastos familiares. Essa relação passou a ser conhecida como a já clássica “Lei de Engel”, que atesta que à medida que a renda cresce: a) o gasto com alimentação relativo à renda total decresce, b) as proporções de gastos com vestuário e habitação mantêm-se aproximadamente constantes e c) a proporção do gasto em educação, recreação e outros serviços também crescem (KIRSTEN, 1985).

Ao tratar de orçamentos familiares, a renda é considerada um fator importante de influência nos gastos do domicílio. Para Matsuyama (2002) as diferenças de renda domiciliar constituem o fator determinante da expansão ou não da variedade de compra de bens de uma família. Enquanto o desejo (ou necessidade) de consumo de bens e serviços é amplo ou ilimitado, os recursos para adquiri-los têm limite. Para Redmond (2001) os recursos, compostos pela renda familiar, suas poupanças e dívidas definem os limites para o consumo.

Em um orçamento, os recursos econômicos são oriundos da renda individual ou familiar. Renda é definida como o dinheiro proveniente tanto de salários e remunerações quanto de recebimentos de juros e assistência social (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005). Assim, a escolha de um produto ou serviço é fortemente influenciada pela situação econômica do consumidor e depende de sua renda disponível (nível e estabilidade), suas economias e bens, suas dívidas e

compromissos, sua capacidade de endividamento e sua atitude quanto a gastar ou poupar.

A limitação de recursos econômicos perante o caráter ilimitado das necessidades (e desejos) força as famílias a distribuírem sua receita entre determinados consumos e em quantidades restritas (PINTO; FREDES; MARINHO, 1983). Essas decisões de alocação da renda constituem o orçamento familiar. A alocação de despesas e receitas em contas na constituição de um orçamento, seja ele formal ou apenas mental, tem forte impacto nas decisões de compra dos consumidores (THALER, 1985, HEATH; SOLL, 1996).

Como as oportunidades de consumo mudam constantemente, é improvável que um orçamento pré-definido aloque a quantia exata de recursos para as oportunidades que surjam de fato posteriormente. No entanto, para que um orçamento funcione como mecanismo de controle, ele deve ser ao menos um pouco inflexível, evitando que o consumidor redistribua recursos de forma errônea e comprometa toda sua situação financeira. Essa inflexibilidade pode prejudicar a maximização da satisfação de curto prazo que pode não ocorrer frente às oportunidades de consumo (HEATH; SOLL, 1996).

O nível de renda é um limite importante que influencia a composição do orçamento. Famílias mais pobres investem seus recursos na satisfação das necessidades mais básicas: comer e, em menor escala, morar e vestir. À medida que aumentam os recursos disponíveis, o consumo de alimentos cresce em quantidade e qualidade, até chegar-se a um limite máximo, a partir do qual se estabiliza, fazendo com que famílias de maior poder aquisitivo gastem em alimentos um percentual cada vez menor de sua renda (PINTO; FREDES; MARINHO, 1983). Da mesma forma, enquanto as famílias de menor renda comprometem grande parte da sua receita com as despesas de moradia, as de maior poder aquisitivo, especialmente as proprietárias de imóveis, têm despesas em percentuais relativamente constantes de seus recursos (PINTO; FREDES; MARINHO, 1983). No caso de gastos em roupas, automóveis e artigos de luxo, estes aumentam consideravelmente com a renda, até um limite superior bastante alto. Finalmente, a poupança aumenta dramaticamente com a renda, e nunca declina (SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001).

Para Silva (2004) o nível de renda influencia a forma como as famílias consomem, uma vez que cada categoria de despesa torna-se mais ou menos relevante na composição do orçamento conforme a progressão da renda familiar. As despesas em alimentação, habitação, transporte, saúde e vestuário são consideradas as mais básicas de uma família e representam os recursos financeiros não discricionários, presentes em todos os orçamentos familiares, principalmente nas famílias de renda inferior. Em contrapartida, as principais categorias de despesa discricionária são as relacionadas à aquisição de móveis e eletrodomésticos, educação, lazer e recreação e aquisição de veículos. Desta forma, a discricionariedade aumenta com o próprio progresso da renda familiar.

Considerando orçamento familiar como sendo o planejamento financeiro das famílias, é possível identificar dois componentes: o planejamento e o controle de gastos frente a uma determinada receita. De acordo com o modelo de tomada de decisão apresentado por Blackwell, Miniard e Engel (2005) o consumidor percorre sete etapas durante o processo de tomada de decisão. Dentre essas etapas, fazem parte do planejamento da compra as etapas anteriores ao consumo: busca de informações e avaliação das alternativas. Do ponto de vista dos orçamentos, o planejamento também leva em conta as alternativas para o pagamento do produto ou serviço (à vista ou a prazo) e decisões sobre o momento para a aquisição (imediato ou postergado). Já o controle pós-consumo está mais voltado para o rastreamento das despesas e a comparação com o que foi planejado e com a receita disponível.

Para a composição do orçamento, o indivíduo ou a família procura equilibrar suas receitas com suas despesas, gastos com consumo, poupança, etc. Alterações nos níveis de renda, nos preços dos produtos e serviços ou nas necessidades da família podem gerar um desequilíbrio no orçamento, sendo necessária a readequação à nova realidade.

Assim, indivíduos com melhor gerenciamento das suas receitas e despesas têm mais condição de evitar situações onde não possam arcar com todas as dívidas diminuindo o risco de ficarem inadimplentes. O pensamento recorrente nas despesas, dívidas e contas acentua o controle, uma vez que o indivíduo tem mais

oportunidades de refletir sobre suas decisões de compra. Com base nessa reflexão, é possível formular as seguintes hipóteses:

H2 O gerenciamento das receitas e despesas tem relação negativa com a ocorrência de situações de inadimplência.

H2a O gerenciamento das receitas e despesas tem relação positiva com a poupança.

Documentos relacionados