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O atual estudo objetivou avaliar e comparar o comportamento do sistema cardiovascular de indivíduos cardiopatas e não cardiopatas, após serem submetidos à cirurgia bucal com infiltração de anestésico local associado a vasoconstrictor tipo adrenalina. Para tanto foram levados em consideração parâmetros cardiovasculares como freqüência cardíaca, saturação de oxigênio no sangue, pressões arteriais sistólica e diastólica, número de extrassístoles ventriculares e número de alterações do segmento ST.

Na presente pesquisa pôde ser observado que no grupo dos pacientes cardiopatas houve decréscimo da freqüência cardíaca, nos tempos observados, (FCi = 74, FCt = 70, FCf = 68) havendo redução de 6 batimentos por minuto (bpm) entre os registros iniciais e finais. De maneira estatisticamente significante, houve diferença em relação à freqüência dos pacientes saudáveis, já que tal parâmetro apresentou elevação de 4,5 bmp entre as medições iniciais e finais (FCi = 83,5, FCt = 85,5, FCf = 88). Semelhante ao que foi verificado, a avaliação de pacientes coronariopatas submetidos à infiltração de lidocaína 2% associada a epinefrina 1: 100000 mostrou um decréscimo na freqüência cardíaca de 4 bpm (CONRADO 2007). Este estudo mostrou ainda, através de ecocardiograma com Doopler, que a fração de ejeção o ventrículo esquerdo sofreu aumento após a cirurgia. Este dado é importante já que a isquemia cardíaca, quando presente, promove a diminuição na fração de ejeção e não o seu aumento.

Em contraposição ao que foi verificado na pesquisa em evidência, a infiltração de lidocaína 2% contendo epinefrina 1:100.000 em pacientes saudáveis e hipertensos desencadeou aumento na freqüência cardíaca de 3 a 4 batimentos por minuto, em ambos os grupos analisados (CHAUDHRY, 2011). Resultado semelhante foi verificado mediante a administração de 1,8 ml de lidocaína 2% com epinefrina 1:80.000 em pacientes portadores de doenças cardiovasculares. Observou-se um aumento de 5,1 % na freqüência cardíaca apenas 2 minutos decorridos da infiltração anestésica (NIWA et. al., 2001).

A administração de lidocaína 2% associado à epinefrina 1:80.000 em pacientes submetidos a transplante cardíaco desencadeou um aumento na frequência, após 10 minutos decorridos da infiltração, que diferiu significativamente tanto dos pacientes saudáveis submetidos ao mesmo anestésico, quanto dos pacientes transplantados infiltrados com prilocaína 3% com 0,03UI/ml de felipressina (MEECHAN, 2002).

Em estudo comparando parâmetros cardiovasculares de pacientes saudáveis, submetidos à anestesia com lidocaína 2% isolada ou com lidocaína 2% associada à epinefrina 1:100.000, foi observado que a frequência cardíaca apresentou um discreto aumento em

ambos os grupos após 3 minutos decorridos da infiltração. Com o decorrer do tempo foi notada diminuição progressiva da frequência após 15, 30 e 60 minutos de mensurações, também de maneira equivalente nos dois grupos de pacientes avaliados. Tal pesquisa demonstrou que em todos os tempos registrados, a concentração plasmática de adrenalina foi maior no grupo dos pacientes que receberam a lidocaína isoladamente. Sugeriu-se, portanto, que a liberação endógena de catecolaminas em decorrência da anestesia mais superficial e menos eficiente, foi reflexo do estímulo doloroso nos pacientes que não foram submetidos ao uso de vasoconstrictor (MERAL, 2005).

É importante ressaltar que muitos dos pacientes cardiopatas fazem uso de beta bloqueador como medicamento anti-hipertensivo de primeira linha, portanto a ação seletiva destes fármacos sobre os receptores adrenérgicos beta 1 contribui para limitar os efeitos da adrenalina na força de contração e frequência cardíaca (BADER; BONITO; SHUGARS, 2002).

Em nossa pesquisa pôde-se observar que a saturação de oxigênio manteve-se estável no período inicial e transoperatório, nos dois grupos de pacientes, cujas medianas variaram de 97,5 para 98,0 nos pacientes cardiopatas, e mantiveram se constantes (mediana = 98) nos pacientes saudáveis. Na mensuração final foi identificada diferença significativa entre os dois grupos, havendo uma diminuição do valor no G1 (96,0) em relação ao G2 (98,0).

O padrão ventilatório de alguns pacientes cardiopatas pode ser anormal, como é o caso dos pacientes que possuem insuficiência cardíaca. Uma pesquisa realizada em 2010 observou que todos os pacientes analisados (n = 5) apresentaram eventos de dessaturação tanto durante o sono quanto durante a vigília, com a saturação de oxigênio no sangue variando de 71% a 100% (FERNANDES, 2010). Como não houve padronização das cardiopatias no grupo 1 é esperado que haja uma variabilidade considerável na saturação basal de O2, fato que pode ter

contribuído para a diferença estatisticamente significante encontrada, tanto entre os grupos 1 e 2, quanto dentro do próprio grupo dos cardiopatas.

A análise da pressão arterial sistólica permitiu observar um aumento, em ambos os grupos, entre as medições iniciais e transoperatórias, cujos valores das medianas variaram de 137 para 151 nos pacientes cardiopatas e de 128 para 133 nos pacientes normotensos, sem representar significância estatística. Foi constatada, no período transoperatório, diferença significativa entre os grupos avaliados. De maneira semelhante ao observado pela presente pesquisa, outro estudo demonstrou maior aumento na pressão sistólica de pacientes cardiopatas (4 mmHg) em relação aos pacientes não cardiopatas, no transoperatório entretanto a diferença não foi considerada estatisticamente significante (BADER; BONITO; SHUGARS,

2002). Em nossa pesquisa houve uma diminuição da pressão sistólica final em relação à pressão transoperatória, verificada em ambos os grupos, não havendo diferença significativa entre eles.

A avaliação interna dos grupos permitiu observar que nos pacientes cardiopatas, houve pequeno aumento da pressão arterial sistólica entre as medições iniciais (mediana = 128) e transoperatórias (mediana = 133) sem, entretanto, corresponder a alguma significância. Um estudo conduzido com 11 pacientes normotensos submetidos à exodontia com infiltração de lidocaína, contendo epinefrina 1:80.000, também evidenciou um aumento na pressão sistólica ocorrido durante a cirurgia, sendo considerado de significância estatística (variação superior a 10 mmHg). Em contrapartida, diferentemente da presente pesquisa, verificou aumento também significante da frequência cardíaca, com variação equivalente a 10 bpm (NAKAMURA et al., 2001).

Corroborando com a perspectiva evidenciada em nosso estudo, pesquisa que avaliou o comportamento cardiovascular de 17 pacientes saudáveis, submetidos à infiltração de anestésico local sem vasoconstrictor (mepivacaína 3%) ou à lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000, mostrou ausência de diferença significativa entre as pressões sistólicas mensuradas no pré-operatório, até os 10 primeiros minutos de cirurgia (FERNIEINI et al., 2001).

Não foi constatada diferença significativa nos valores da pressão diastólica do G1, nos três tempos registrados. Entretanto a análise interna no grupo dos pacientes cardiopatas permitiu evidenciar diferença significativa entre as mensurações iniciais e finais.

Considerando que o grupo 1 apresentava variabilidade de cardiopatias e sua maioria era composta por pacientes com doença cardíaca hipertensiva, pode-se compreender a presença de significância interna entre os tempos analisados, com relação às pressões sistólica e diastólica.

A presença de extrassístoles ventriculares foi significativamente maior no grupo dos pacientes cardiopatas, em todos os tempos analisados. Tal resultado era esperado, visto que havia expectativa de pouco ou nenhum episódio arrítmico nos pacientes saudáveis. A avaliação para amostras repetidas em ambos os grupos demonstrou que não houve diferenças significativas, levando-se em consideração os períodos iniciais, transoperatórios e finais, além da média diária de extrassístoles. Após a instalação do monitor holter em pacientes cardiopatas, estudo comparou a presença de alterações eletrocardiográficas entre as 02 primeiras horas após a anestesia local (mepivacaína 3% sem vasoconstrictor) e as 22 horas restantes. Diferentemente do obtido em nosso trabalho, a referida pesquisa demonstrou que

todas as alterações eletrocardiográficas ocorreram nas primeiras duas horas decorridas da infiltração anestésica (BLINDER; SHEMESH; TAICHER, 1996).

Não observamos, em nenhum dos indivíduos analisados, quaisquer alterações do segmento ST. Em uma avaliação feita com 54 pacientes coronariopatas, dos quais 27 foram submetidos à infiltração de mepivacaína 2% associada à epinefrina 1:100.000, e 27 receberam administração de mepivacaína 3% sem vasopressor, foi observada a ocorrência de 3 episódios isquêmicos (depressão do segmento ST) de discreta magnitude, apenas no primeiro grupo. Embora não tenha havido episódios isquêmico nos pacientes que não receberam vasoconstrictor, não houve diferença estatística entre os grupos (CONRADO, et al., 2007).

O atual estudo mostrou haver diferença significativa entre os dois diferentes grupos no que concerne ao volume anestésico utilizado, ao tempo cirúrgico e à dor relatada pelos indivíduos. Por se tratar de um grupo de cardiopatas, os pacientes do G1 não poderiam ser submetidos a infiltrações excessivas de anestésico local, visto que a literatura aponta o uso de 2 tubetes de lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 como sendo uma dosagem segura (CONRADO, et al., 2007). Como o limite de uso anestésico em pacientes não cardiopatas era maior, foi possível realizar procedimentos cirúrgicos mais complexos, duradouros e, portanto, mais sujeitos a estímulos dolorosos.

As cirurgias no grupo dos pacientes cardiopatas foram, em sua maioria, mais rápidas (mediana = 30) e a complexidade dos procedimentos também foi menor, depreendendo menor uso de anestésicos por procedimento (mediana = 2,25). Dos oito pacientes incluídos no grupo apenas um foi submetido à exodontia de terceiros molares (elementos 28 e 38); um paciente foi submetido à biópsia excisional em tecido mole (vestíbulo maxilar) e outro paciente à biópsia incisional em tecido duro (parede anterior da maxila); os demais cinco foram submetidos à exodontias simples com uso de fórceps variando de 1-6 exodontias.

No grupo de pacientes não cardiopatas seis indivíduos foram submetidos à exodontia dos terceiros molares, variando de 1-4 extrações por procedimento. Os outros dois pacientes remanescentes foram submetidos à exodontia de dentes erupcionados, com o uso de fórceps. O aumento da complexidade dos procedimentos refletiu no maior tempo cirúrgico e no aumento do volume anestésico utilizado, cujas medianas foram equivalentes a 55 e 5, respectivamente.

O tratamento odontológico é, por natureza, associado ao estresse, provocando a liberação endógena de catecolaminas, até mesmo um dia antes do procedimento, em pacientes muito ansiosos (BRAND et al., 1995). A literatura relata que o fato de sentar no equipo odontológico pode elevar a frequência cardíaca em até 12 batimentos por minuto, e que o ato

de conversar com o cirurgião dentista sobre o problema odontológico pode aumentar as pressões sistólica e diastólica em 5 a 6 mmHg (BRAND; ABRAHAM-IMPIJN, 1996).

Em nosso estudo, apesar de os pacientes cardiopatas estarem relacionados a menores níveis relatados de dor (mediana = 2) do que os pacientes saudáveis (mediana = 6,5), os primeiros mantiveram a frequência cardíaca significativamente mais baixa do que os últimos, no trans e pós-operatório, além de apresentarem pressão sistólica elevada, durante a cirurgia.

Após avaliação de 60 pacientes por meio da escala da ansiedade proposta por Corah, verificou-se que os indivíduos portadores de um nível exacerbado de ansiedade apresentaram uma elevação média de 12 mmHg na pressão sistólica, e de 10 mmHg na pressão diastólica, no período compreendido entre o pré-operatório e até 10 minutos decorridos da infiltração anestésica. Contudo, tais valores não representaram diferença estatisticamente significante e não nos permite inferir que a ansiedade é determinante para a variação pressórica (GOULART et al., 2012).

Durante alguns dos procedimentos cirúrgicos foi necessária a infiltração adicional de anestésico, geralmente mediante queixa de persistência de dor, por parte dos pacientes. As cirurgias executadas nos indivíduos cardiopatas estavam relacionadas a um menor volume de anestésico utilizado, como exposto anteriormente, entretanto em quatro dos oito pacientes operados houve necessidade de administração anestésica além dos 0,04 mg de epinefrina (2 tubetes de lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000) (MALAMED, 2001). Em nenhum dos casos a quantidade de anestésico utilizado ultrapassou os 3 tubetes. Apesar de ter sido identificado aumento das pressões sistólicas e diastólicas no grupo 1, não houve correlação entre o volume de anestésico infiltrado e a variação pressórica dos pacientes. Tampouco pôde ser observada correlação entre a presença de extrassístoles ventriculares e depressões do segmento ST com a quantidade de anestesia aplicada.

Com a crescente variedade e uso de medicamentos, por parte da população, as interações medicamentosas são assunto digno de atenção especial. A literatura relata que as interações mais significativas e bem documentadas estão associadas aos antidepressivos tricíclicos, os beta bloqueadores não seletivos, alguns anestésicos inalatórios e a cocaína (NAFTALIN; YAGIELA, 2002).

Os antidepressivos tricíclicos atuam no sistema nervoso central e periférico, inibindo a receptação de neurotransmissores na fenda sináptica, deixando-os livres para interagir mais efetivamente com seus receptores e, portanto, aumentando seu efeito fisiológico. Entretanto alguns vasoconstrictores presentes nos anestésicos locais (epinefrina, levonordefrina) passam pelo mesmo processo de receptação na fenda sináptica, podendo ter sua ação potencializada

nos indivíduos que fazem uso de tais antidepressivos. Isso poderia levar a aumentos na pressão sanguínea ou provocar arritmias. (NAFTALIN; YAGIELA, 2002; BROWN; RHODUS, 2005).

Tanto os beta bloqueadores seletivos, quanto os não seletivos minimizam a estimulação cardíaca pela adrenalina, entretanto somente os não seletivos inibem a dilatação dos vasos na musculatura esquelética, deixando a atividade vasoconstrictora dos receptores alfa adrenérgicos sem oposição, o que pode gerar aumento da pressão sanguínea e bradicardia reflexa (NAFTALIN; YAGIELA, 2002; BROWN; RHODUS, 2005; BADER; BONITO; SHUGARS, 2002).

Alguns anestésicos inalatórios usados em anestesia geral, como o halotano, podem suscitar eventos arrítmicos nos pacientes. Recomenda-se restringir em 14 ml a infiltração anestésica de uma solução contendo epinefrina, na concentração 1:100.000, considerando um paciente do sexo masculino de 70 Kg. A cocaína é uma substância ilícita que age como estimulante, inibindo a receptação de alguns neurotransmissores, incluindo a epinefrina, comumente usada em anestesia local. Desse modo, há o risco de importante estimulação adrenérgica, podendo desencadear aumento da pressão sanguínea, infarto do miocárdio e morte súbita (NAFTALIN; YAGIELA, 2002).

Em nosso estudo, no grupo dos pacientes não cardiopatas, apenas um indivíduo fazia uso diário de medicamentos (hipoglicemiante e anticoncepcional oral). Dentre os pacientes cardiopatas as medicações de uso diário eram principalmente anti-hipertensivos (8 pacientes), estatinas (3 pacientes), hipoglicemiantes orais (2 pacientes), antidepressivo tricíclico (1 paciente), ansiolíticos (1 paciente), antiepiléptico (1 paciente), antipsicótico (1 paciente). Dos medicamentos citados como detentores de potenciais interações com os vasoconstrictores podemos citar o Carvedilol 12,5 mg (2 pacientes) e o Propanolol 40 mg (1 paciente), que possuem ação beta bloqueadora não seletiva e a Amitriptilina 25 mg (1 paciente), que é um antidepressivo tricíclico.

De acordo com classificação de doenças cardiovasculares proposta pela Organização Mundial de Saúde, em colaboração com a World Heart Organization, foi observada no grupo 1 uma variedade de cardiopatias: seis pacientes possuíam o diagnóstico de doença cardíaca hipertensiva (cinco apresentaram hipertensão arterial sistêmica e um apresentou doença arterial obstrutiva periférica), um paciente apresentava doença cardíaca reumática (estenose valvar aórtica) e um paciente possuía doença cardíaca isquêmica (coronariopatia) com histórico de instalação de stent (MENDIS; PUSKA; NORRVING, 2011). Não houve, em

nenhum dos grupos, surgimento de sintomas cardiovasculares indesejados em decorrência do procedimento cirúrgico realizado.

No documento HAROLDO ABUANA OSORIO JÚNIOR (páginas 35-42)

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