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É importante iniciar esta discussão com algumas limitações. Houve dificuldade para encontrar estudos que pudessem comparar os achados sobre os dados psicossociais em uma amostra nacional, uma vez que não se conhece outros estudos que tenham analisado registros dos aspectos sociodemográficos e psicossociais de pacientes diagnosticados com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço no Brasil. Se por um lado isso dificulta o diálogo com a literatura, por outro isso aponta o ineditismo dos dados.

Dentre as limitações do estudo, apontam-se inicialmente, o fato de que os registros classificados foram coletados por um número variado de pessoas, incluindo a autora desse estudo e alunos de pós-graduação do serviço de psicologia inserido no ambulatório de oncologia clínica no Hospital de Clínicas. A variação na qualidade de coleta não permitiu, por exemplo, que as categorias fossem mais sofisticadas. Por outro lado, esse fato teoricamente influenciaria o estudo na direção de reduzir a chance de se encontrar associações, o que, portanto, não diminuiria a relevância dos achados encontrados.

Mais um aspecto a ser considerado é que a população estudada não pode ser tomada como representativa do universo total de pacientes diagnosticado com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço atendidos em ambulatórios de oncologia. Ao menos duas razões podem ser apontadas: as características do HC UNICAMP, instituição de alta complexidade, que concentra casos de maior gravidade; em nossa amostra preponderam pessoas com baixa escolaridade, dependentes dos serviços do SUS (indivíduos de classes socioeconômicas médias e altas tem acesso serviços de saúde particulares, e, provavelmente, os desfechos em relação ao diagnóstico e tratamento do câncer poderão ser diferentes). Ainda assim, isso não quer dizer que os achados encontrados não mereçam, por exemplo, futuras investigações e tentativas de replicação em outras amostras.

Outra limitação a ser pontuada é o fato de que o instrumento utilizado não incluiu questões ou instrumentos padronizados referentes ao estado emocional ou qualidade de vida atual dos pacientes. Também não se pode desconsiderar a possibilidade de viés de recordação. O processo de classificar as respostas dos pacientes nos permitiu compreender que o instrumento de coleta de triagem pode ser aperfeiçoado, porém é impossível ultrapassar as suas limitações nesse estudo, uma vez que ele não foi desenhado originalmente para fins científicos e sim clínicos. Índices mais consistentes sobre depressão e estresse ou informações mais pontuais sobre qualidade de vida no momento da triagem poderiam ter sido avaliados por meio de escalas padronizadas e serem usadas inclusive para controlar os demais resultados.

Ainda, uma limitação relevante foi o fato de que as diversas formas de tratamento não foram incluídas como variáveis em nosso modelo. Considerando, porém, que a maioria destes pacientes não realizaram tratamentos experimentais e que o tipo de tratamento é padronizado (conforme descrito anteriormente), consideramos que essa limitação pode ter sido minimizada.

Por fim, deve-se levar em consideração também que informações sobre as características dos tumores foram coletadas de diversas fontes, incluindo checagens no prontuário e informações de outros projetos de pesquisa realizados no mesmo ambulatório, tendo sido incluído, portanto, na análise de sobrevivência, somente os pacientes que dispunham dessas informações. Não é possível afirmar com certeza absoluta se esse recorte de amostra introduz algum viés sistemático. Até onde pudemos coletar informações sobre esses projetos, isso não aconteceu, mas não é factível descartar completamente essa possibilidade.

Em relação às características sociodemográficas de nossa amostra, analisados de forma univariada, os aspectos associados a maior frequência do diagnóstico de carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço, são consistentes com a literatura para as variáveis: sexo masculino, a predominância de adultos, de baixa escolaridade e economicamente inativos.

(Mendenhall et al., 2011). Principalmente as variáveis de faixa etária mais velha e economicamente inativos associaram-se provavelmente a maior gravidade do tumor. Embora a literatura aponte a religiosidade como estratégia de enfrentamento bastante comum para eventos estressores em pacientes oncológicos (Folkman el.al.,1986; Tix et al., 1998), não houve associação em nossa amostra entre frequentar rituais religiosos e apresentar menor risco de mortalidade.

No tocante às associações entre as diversas variáveis psicossociais derivadas do instrumento, algumas pontuações são dignas de nota. Primeiramente, deve-se comentar que um grande número de variáveis psicossociais teve respostas piores associadas, de forma univariadas, ou a perda conjugal ou a ausência do cônjuge. Na análise multivariada ser separado ou viúvo (ter apresentado perda conjugal) mostraram associação independente com relatar dificuldade para lidar com eventos negativos e com o relato de internação psiquiátrica prévia. Essa associação não é surpresa, uma vez que piores desfechos de saúde mental frequentemente estão associados com perda da relação conjugal ou ausência de um(a) companheiro(a).

Em relação à capacidade de realizar atividade prazerosas, embora tenha havido apenas uma tendência de associação (p=0,057), não deixa de ser notável que a única variável próxima de apresentar relevância estatística foi o uso atual de álcool. Isso parece sugerir, nesses casos, que pode haver uma relação entre beber álcool e ter atividades de lazer – ou que o próprio hábito seja a atividade prazerosa. Embora o lazer seja um aspecto da vida que não deve ser negligenciado para os pacientes, a associação com o uso de álcool pode ser potencialmente danosa. Os resultados sugeririam, se confirmados após outros estudos destinados a estudar este tema, que há um espaço de aconselhamento para pacientes que declaram ter atividades de lazer. Não deixa de ser um desafio, é claro, debater de forma ética com o paciente sobre seus riscos e benefícios diante deste hábito.

No caso do relato de estresse prévio nos 6 a 18 meses anteriores ao diagnóstico há alguns comentários interessantes a serem feitos. Em primeiro

lugar, deve-se ter em mente que há grande probabilidade de viés em sua formulação, que deveria ser modificada no futuro. É bastante provável que ela represente mais a ocorrência de situações de estresse recentes do que eventos remotos prévios ao início do CCP. Ainda assim, algumas associações independentes nos chamaram a atenção. Além da ausência de cônjuge, indivíduos não brancos apresentaram chances maiores de fazerem um relato de ocorrência de estresse. Embora não tenhamos variáveis de renda para controle, o nível educacional não explicou o resultado. Isso pode sugerir talvez que indivíduos não brancos estejam, de fato, expostos a maior estresse ou que apresentem maior tendência a comunicar que passaram por estresse para um entrevistador pouco conhecido. Por fim, ainda sobre a variável do estresse, houve o achado algo interessante, embora seja uma tendência com p=0,0053, da associação entre frequentar cultos religiosos e relatar mais estresse. Há uma vasta literatura que aponta que ter uma fé está associado com melhores desfechos em saúde mental. Nesse caso, porém é possível que a procura pelo ritual seja motivada pelo estresse (e a doença) e não contrário. Acreditamos que este é mais um caminho que mereceria melhores investigações.

Em relação à análise de sobrevivência, este estudo apresenta a associação de dados sociodemográficos e psicossociais de pacientes que foram diagnosticados com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço e responderam a uma entrevista semi-dirigida denominada triagem psicológica. A análise dessas respostas mostrou uso atual de álcool (p=0,034; HR=9,6 IC 95% 1,19-77,6) está associado a menor sobrevida, como também apresentar metástase em linfonodo regional (p=0,024, HR=2,49 IC 95% 1,13- 5,51). Além disso, relatar estresse prévio nos seis meses anteriores à entrevista de triagem psicológica demonstrou tendência de associação com maior mortalidade (p=0,085; HR=1,52 IC 95% 0,94-2,46).

O estresse psicossocial pode ser resultante tanto da exposição ao estressor quanto da resposta humana a ele. Assim sendo, há vários fatores relevantes para respostas de estresse em pacientes com câncer (Reiche et. al., 2004). Em nossa amostra, a perda conjugal se mostrou uma variável com associação significativa a maior mortalidade. Isso significa afirmar que o estado

de enlutamento pode ser um fator agravante para menor sobrevivência para essa população. Por outro lado, em nossos achados realizar atividades prazerosas foi associado a menor risco de mortalidade.

Revisões sobre associação entre fatores psicossociais relacionados ao estresse e desenvolvimento e progressão do câncer foram publicadas, mas com resultados diversos. Há hipótese de que, algumas revisões não discriminaram os diversos tipos de estudos. Principalmente estudos retrospectivos estão sujeitos a viés de memória por parte do paciente, portanto, não podem conclusivamente detectar uma associação longitudinal entre os preditores e as variáveis de desfecho. É estabelecido na literatura que pesquisas relacionando fatores psicológicos à doença física, os pacientes geralmente reavaliam suas vidas com base em seu estado de saúde e podem recordar seletivamente sua experiência antes do diagnóstico da doença (Gearssen et. al., 2004).

Em contrapartida, estudos prospectivos forneceram uma base mais abrangente de evidências para associação entre fatores psicossociais relacionados ao estresse e câncer. A associação entre os pacientes com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço e o estresse prévio ao diagnóstico demonstram que as experiências de vida estressantes estão relacionadas à pior sobrevida do câncer e maior mortalidade (Chida, 2008).

As várias categorias do estresse encontradas nesse estudo, como problemas familiares, falecimento de pessoas próximas e problemas financeiros são consoantes com um estudo que apontou que experiência de vida estressante estava associada à pior sobrevida em pacientes com câncer e maior mortalidade por câncer, principalmente ao estresse diário e morte do cônjuge (Chida, 2008). Entretanto, em nosso estudo, a única variável que chegou próxima de apresentar um risco aumentado de menor sobrevida foi o relato de estresse.

Os achados desse estudo sugerem que os pacientes diagnosticados com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço, quando chegam

ao ambulatório de oncologia para triagem psicológica relatam eventos estressantes em seu cotidiano. Acrescenta-se a esse fato o estresse do próprio diagnóstico do câncer, assim como a perspectiva de o tratamento oncológico gerar sofrimento psíquico (Aarstad et al., 2012). Associado a baixa condição socioeconômica e pobre rede de apoio, é comum haver histórico de abuso de álcool. O uso de álcool, além de ser fator de risco para o tipo de tumor mencionado nesse estudo (DeVita,2005) pode gerar danos também à relações familiares, reduzindo drasticamente a rede de apoio no momento do tratamento do câncer (Monteiro, 2016) e como consequência a hipótese desse paciente persistir em uma condição estressante.

Consoante com os nossos achados, o acometimento dos linfonodos regionais revela indicativos prognósticos de cura do tumor diminuída pela metade (Andersen et.al., 2001).

Deve-se considerar também que tanto a doença como o tratamento de tumores na região da cabeça e pescoço afetam consideravelmente a qualidade de vida do paciente. Isso se relaciona ao fato dos pacientes oncológicos experimentarem toxicidades e comorbidades importantes em decorrência ao tratamento. (Wissinger et.al., 2014).

A variável sobre ideação suicida não mostrou associação com maior mortalidade entre os pacientes. Mesmo assim, foi interessante notar a associação do relato de ideação suicida prévia com duas variáveis oncológicas associadas a pior prognóstico da doença: a presença de metástase e o fato do tumor ser de baixo grau de diferenciação. Como grande parte das respostas sobre ideação suicida esteve qualitativamente associada à doença, nos parece particularmente relevante tentar compreender melhor esse fenômeno no futuro, seja com outros estudos, seja com o aperfeiçoamento do instrumento de triagem de forma a usar algum instrumento padronizado para avaliar risco de suicídio, em especial nos pacientes com diagnósticos mais graves.

Sabe-se que uma tentativa de suicídio é fator de risco para nova tentativa. Acrescenta-se o fato do diagnóstico de câncer ser fator de risco para

comportamento suicida. Portanto, nota-se a potencialidade para o risco de suicídio nessa população. Um estudo realizado apontou que pacientes com carcinoma de células escamosas tem maior risco para suicídio entre os sobreviventes de câncer. A questão da qualidade de vida associada a esse tipo de tumor como dor, incapacidade, comprometimento estético e problemas com a imagem corporal, função social, ansiedade, estresse emocional, depressão e desesperança estão todos associados ao suicídio (Henderson et. al.,1997; Semple et al.,2004; Kendal, 2007; Walker, 2008). Assim sendo, parece que o suicídio deve ser tratado com atenção no paciente com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. (Ringash et al., 2015; Nosayaba et., al., 2016).

Sobre a questão da associação do consumo de álcool e a diminuição da sobrevida do paciente de CCECP – algo que apareceu com grande intensidade em nossa amostra – tem sido investigada e permanece controversa. Estudo recente de revisão sobre o tema aponta que poucos estudos relataram nenhuma associação entre consumo de álcool e a sobrevida de pacientes com câncer na região da cabeça e pescoço (Duffy et. al., 2009; Pelucchi et. al., 2011). Por outro lado, outros dez estudos de metanálise envolvendo 2.976 mortes por câncer de cabeça e pescoço apontou que existe a associação de álcool e diminuição da sobrevida ao câncer. Uma questão medológica importante a ser também incorporada em novas versões do instrumento de triagem sugere a necessidade de utilizar critérios de avaliação de ingestão de álcool pelos pacientes, como bebedores casuais e outro grupo de bebedores pesados (Kawakita et. al, 2017).

É bem estabelecido na literatura como fator de risco para o surgimento do carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço o histórico de tabaco (Galbiatti et al., 2013). Em nossa amostra apesar das associações univariadas, não houve associação independente com menor sobrevida ao se fazer uso atual de tabaco, ou seja, relatar no momento da triagem que estava fazendo uso de cigarros. Estudo aponta que além de fatores conhecidos como o estadiamento do tumor, a continuação do uso de tabaco, do ponto de vista clínico, é um fator negativo sobre o prognóstico da doença. E por isso, deve-se

recomendar fortemente que o paciente pare de fumar (Thompson et al., 2011; Kikidis et al., 2012).

Os aspectos clínicos de nossa amostra revelam pacientes com quadros de doença avançado, sendo a classificação do tumor predominantemente em T4 e o estadiamento do tumor nível IV. Esses dados mostram significativa associação com maior mortalidade.

Outro aspecto clínico encontrado foi o relato de dor no momento da triagem, que apontou significativa associação a menor sobrevida em nossa amostra, embora esse efeito tenha desaparecido após o controle. Em um estudo longitudinal da dor perioperatória em pacientes com tumores na região da cabeça e pescoço submetidos à cirurgia sugere que quanto pior é a dor pré- operatória, os pacientes continuam a endossar pior dor no pós-operatório. (Buchakjian et., al. 2017).

Vale comentar que este estudo não foi só de aprendizado acadêmico, mas também na assistência. Como já mencionamos, compreende-se a necessidade de se aplicar instrumentos validados que possam mensurar e sistematizar os dados coletados por meio de critérios de pontos de corte.

Este, porém é um estudo exploratório, feito através da articulação das metodologias de análise de conteúdo e quantitativa para se obter conhecimentos de uma amostra específica, oriunda de um serviço de psicologia inserido em um serviço específico de oncologia clínica. Nossa percepção, após a análise de seus dados, é de que a análise do relato de enfrentamentos e hábitos de vida nos trouxe novos insights e direções a serem exploradas.

6. CONCLUSÕES

Este estudo foi, até onde alcança o nosso conhecimento, a primeira investigação empírica sobre o impacto de variáveis psicossociais colhidas em uma ficha de triagem na sobrevida de pacientes com diagnóstico de carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. Trata-se também de estudo pioneiro em relação a variáveis psicossociais em oncologia no Brasil. Foi possível, através dele, investigar a associação entre estas variáveis e as taxas de sobrevivência destes pacientes.

O estudo permitiu conhecer o horizonte de respostas que os pacientes apresentaram diante de perguntas de natureza psicossocial e quais são as principais preocupações desses pacientes em relação a problemas pessoais, capacidade de lidar com questões cotidianas a vivência de estresse e a história prévia relacionadas a sintomas mentais, como internação e risco de suicídio. Essas variações indicam a presença de questões psicossociais na vida desses pacientes e a sua dicotomização permitiu que estas variáveis fossem incluídas em um modelo de análise de sobrevivência.

Uma vez dicotomizadas, as variáveis psicossociais apresentaram, em alguns casos, taxas de ocorrência que merecem alguma atenção, como o número de pacientes com relato de estresse prévio ou dificuldades de aceitar eventos vitais negativos. O número de pacientes com ideação suicida não resolvida, quase um quinto da amostra, também é relevante. Essas variáveis dicotomizadas apresentaram, em geral, associação com estado civil de separação ou viuvez (perda conjugal), indicando que pacientes viúvos e separados podem estar sujeitos a maiores necessidades de atenção.

Os resultados deste estudo ainda apontam para o fato de que variáveis clínicas do tumor previram maior mortalidade nessa amostra. Destas, no modelo multivariado, somente a classificação de nodularidade apresentou associação com menor sobrevida. Em relação a hábitos de vida, a história de uso de álcool mostrou associação significativa com maior mortalidade de pacientes com diagnóstico de carcinoma de células escamosas de cabeça e

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