• Nenhum resultado encontrado

6. Discussão

Agregando as informações recolhidas dos casos de estudo analisados no capítulo 3 e da análise de resultados da experiência do capítulo 5, parte-se para a resposta às duas questões de investigação deste estudo.

6.1 Qual é a experiência de ler uma narrativa linear impressa e

uma narrativa digital interativa?

Através das respostas dos participantes, podemos observar que nem todos se referem a ambas as narrativas. No entanto, algo aparece como ponto comum. Os indivíduos que já possuíam hábitos de leitura previamente à realização da experiência, parecem referir mais frequentemente sentimentos positivos quanto à narrativa linear impressa, bem como mencionam mais aspetos sobre a mesma. São também estes os que preferem a narrativa linear impressa.

Por outro lado, este tipo de resultado vem suprir uma lacuna na literatura relativamente à criação de narrativas digitais interativas a partir de narrativas lineares, já que um padrão de um determinado nível de descontentamento foi identificado. Este padrão pode ser utilizado para futuras investigações a nível de separação de indivíduos de uma amostra entre aqueles que já possuem hábitos de leitura e entre os que não leem regularmente, de forma a sinalizar diferenças entre estes tipos de indivíduos e aumentar a satisfação para com narrativas digitais interativas criadas a partir de narrativas lineares.

De modo geral, a experiência de ler uma narrativa linear aparece como uma leitura que os participantes consideram como mais “segura” para leituras mais técnicas. Isto poder-se-á dever ao facto de os participantes terem tido mais contacto com leituras lineares aquando da sua formação escolar, considerando que em Portugal ainda não se utilizam métodos interativos de uma forma geral para o ensino, em especial para o ensino da literatura. Deste modo, outros estudos a nível da utilização de livros técnicos para a criação de narrativas digitais interativas poderão enriquecer o conhecimento sobre o tema.

Já a experiência de ler uma narrativa digital interativa parece relacionar-se mais com a experiência de jogar um jogo. Para muitos participantes, isto significa que a narrativa se encontra mais simplificada ou que efetivamente fornece um maior envolvimento por parte do usuário. Este sente uma maior necessidade de participar na construção da história, consequentemente mantendo-se mais atento aos detalhes da mesma. Assim, a narrativa digital interativa parece

fomentar também a compreensão do texto. Estes resultados encontram-se de acordo com os vários estudos referidos anteriormente relativos à exploração de narrativas digitais interativas, apesar de nesses estudos não se ter criado essas narrativas a partir de narrativas lineares.

No entanto, a existência da possibilidade de participação na história aparece como um fator negativo para aqueles que não gostam de realizar decisões e/ou preferem um texto mais tradicional. Este resultado surge como essencial para a compreensão dos fatores que influenciam a possível utilização de narrativas digitais interativas por parte da população.

Existiu ainda a sugestão de se criar uma narrativa digital interativa que criasse uma experiência mais semelhante à de ler um livro, como possuir páginas para virar, por exemplo. Esta sugestão poderá ser utilizada no futuro para estudos que procurem explorar as características necessárias à narrativa digital interativa de forma a atrair também leitores assíduos de livros.

Por outro lado, parece que a existência de mais do que um final para a história poderia aumentar a sua eficácia. No entanto, convém frisar que os participantes que fizeram esta sugestão conheciam o conto na sua forma linear, quer tenham lido o mesmo antes ou após a experimentação. Isto indica-nos que este fator não seria determinante caso a narrativa linear não fosse conhecida.

Relativamente à história presente na narrativa digital interativa, esta parece não ser sentida com muitas alterações em relação à história da narrativa linear impressa. Apesar de a sensação ser diferente e poder existir um maior ou menor agrado quanto à mesma, parece realmente que os utilizadores conseguem retirar os mesmos significados de um e outro formato. Este resultado é essencial na medida em que fornece ainda mais valor a narrativas digitais interativas, especialmente a nível do ensino da literatura.

Em conclusão, os resultados mencionados encontram-se de acordo com aqueles analisados no caso de estudo realizado por Lorenzini, Evangelista e Carrozzino (2016). Este constatou que, apesar do envolvimento e entretenimento se encontrar aumentado através da narrativa digital interativa, a nível da compreensão do texto em si, alguns participantes preferem um texto corrido, especialmente para textos mais breves, como é o caso do conto, utilizado no presente estudo, e o caso da fábula que foi utilizada por estes autores.

6.2 Faz sentido construir narrativas digitais interativas a partir de

narrativas lineares com o objetivo de aumentar o consumo de

literatura?

Todos os resultados da presente investigação apontam para uma resposta positiva, que faz sentido a construção de narrativas digitais interativas a partir de narrativas lineares com o objetivo de aumentar o consumo de literatura.

De facto, no que concerne as potencialidades de narrativas digitais interativas criadas a partir de narrativas lineares (textos literários), parece existir uma concordância geral entre os

6. Discussão

participantes. Inclusivamente para aqueles que não apreciaram tanto a narrativa digital interativa, esta pode trazer benefícios para o aumento de hábitos de leitura e para a propagação da exploração de textos mais clássicos.

Este resultado possui uma importância acrescida na medida em que, apesar da existência de vários estudos sobre narrativas digitais interativas, poucos são os que referem a sua criação através de narrativas lineares ou textos literários.

Existindo então esta potencialidade, o uso de narrativas digitais interativas, quer para o ensino da literatura, quer para uma exploração por entretenimento de textos literários, poderá ser utilizado e otimizado de forma a alcançar a população que usualmente não teria interesse em tais textos.

Indo mais longe, considerando o mundo digital atual, esta poderá ser a oportunidade decisiva para a manutenção da leitura, em especial de textos mais antigos e obras que usualmente não seriam selecionadas pelos possíveis leitores.

Ainda, considera-se que este tipo de narrativas ligadas à tecnologia, que obrigam a uma maior participação por parte do utilizador poderão realmente potenciar a leitura sobretudo por gerações mais jovens e em especial por crianças.

No entanto, mesmo a nível de outras faixas etárias, os participantes consideram que as narrativas digitais interativas possuem grande potencialidade pelo fator acrescido de entretenimento e envolvimento. Assim, através destas características, considerou-se que o elemento interativo pode também permitir um maior e mais eficaz foco por parte do utilizador. Este fator encontra-se de acordo com o que já foi referido anteriormente e volta a demarcar o quão as narrativas digitais interativas poderão contribuir no futuro para uma maior ânsia na exploração de textos literários.

Estes resultados encontram-se também de acordo com as conclusões de Vosmeer, Sandovar e Schouten (2018), que referem precisamente o fator do entretenimento e foco como grande vantagem do fator da interatividade. Os autores referem ainda que com a presença de outros elementos de multimédia, como o som, pode-se aumentar ainda mais a eficácia destas caraterísticas, já que, na sociedade atual, uma grande dificuldade relativamente à leitura e outros meios mais tradicionais de storytelling encontra-se na dificuldade em bloquear elementos externos que dificultam a concentração do leitor numa só atividade. No entanto, considerando que o presente estudo se concentra apenas no fator interatividade, um estudo comparativo utilizando outros elementos de multimédia seria necessário para confirmar a hipótese.

6.3 Outras considerações

Tal como o caso de estudo mencionado de Lugrin, Cavazza, Pizzi, Vogt e Andre (2010), também se observou com sucesso um envolvimento ativo por parte dos participantes, bem como um nível de contentamento geral satisfatório relativamente à narrativa digital interativa,

independentemente da preferência do tipo de narrativa. Considerando este contentamento, mesmo aquando da experimentação de um conto tão antigo e complexo como “O Mistério da Árvore”, consegue-se concluir que o uso de narrativas digitais interativas para a exploração de textos portugueses (ou de outras nacionalidades) antigos pode constituir uma mais-valia para que estes sejam mais conhecidos pela população.

Considerando a riqueza literária, especialmente a nível do panorama português, este estudo vem, de forma inédita, explorar sensações e potencialidades para com uma nova área tecnológica, que começa agora a ser cada vez mais explorada, especialmente noutros países como é o caso do Brasil.

Assim, parece ser de elevado interesse apostar em narrativas digitais interativas de forma a conseguir alcançar um público mais amplo no que toca a textos literários. Para além da sua potencialidade para escolas, é importante referir o lado do entretenimento. Isto encontra-se remarcado pelo facto das aplicações exploradas nos casos de estudo terem sido criadas pela mesma empresa. Mais estudos são necessários, de forma a abrir novas portas e a criar boas práticas de criação de narrativas digitais interativas a partir de narrativas literárias lineares, já que de momento nem todas as possibilidades se encontram exploradas.

Ainda, a nível da forma como o presente estudo foi construído, podemos discutir a utilidade dos diferentes grupos pelos quais os participantes da amostra foram divididos. Como era antecipado, o facto de se conhecer anteriormente o conto influenciou a forma como os participantes viam a narrativa digital interativa, a forma através da qual estes interagiram com a mesma, assim como as suas respostas às questões da entrevista. Os dados parecem indicar que a narrativa digital interativa é mais eficaz para histórias não conhecidas anteriormente. Da mesma forma, existe uma maior possibilidade da não exploração total da narrativa digital interativa, já que alguns indivíduos se sentem influenciados a seguir o caminho que lhes parece mais aproximado da história que já conhecem.

Por outro lado e estranhamente, os participantes deste estudo não são utilizadores assíduos de narrativas digitais interativas no seu dia-a-dia, algo que não seria esperado tendo em conta que estes são alunos da área da tecnologia. No entanto, este resultado pode ter-se devido à própria definição de narrativa digital interativa. Equaciona-se que muitos participantes não compreendam até que ponto utilizam este tipo de narrativas no seu dia-a-dia, especialmente quando se inclui jogos sérios. Ainda assim, apenas menos de metade (31,3%) refere que raramente utiliza narrativas digitais interativas. Além disto, tornando este tipo de narrativas como algo de fácil acesso, através da sua inclusão em aplicações de smartphone, por exemplo, poder-se-ia observar um aumento do consumo deste formato de narrativa. No entanto, mais estudos são necessários para a comprovação destas premissas.