• Nenhum resultado encontrado

Interpretando conjuntamente os resultados da caracterização biofísica e das comunidades vegetais com os obtidos na análise da evolução da diversidade funcional podemos constatar que apesar de existirem ilhas com diferentes características ambientais, e de se terem identificado cinco grupos florísticos, a diversidade funcional apresentou um padrão de evolução comum nas diferentes ilhas no período de tempo analisado. Este padrão corresponde com um aumento da diversidade funcional nos primeiros anos apos o enchimento da albufeira (2001-2005), verificando-se posteriormente uma estabilização ou mesmo um decréscimo no período 2005-2012.

O aumento da diversidade funcional na fase inicial parece estar associado com a imigração e instalação de espécies com atributos funcionais distintos das anteriormente existentes. De facto, a alteração das características físicas do habitat induzida pelo enchimento da albufeira mudou os filtros ecológicos, sendo estes permeáveis a novas espécies que começam a colonizar estes ecossistemas emergentes (Myers & Harms 2009). Concretamente, a presença de água em torno das ilhas propicia o desenvolvimento de um gradiente de variabilidade na disponibilidade hídrica (Cornwell & Ackerly 2009) criando condições de habitabilidade para espécies higrófitas.

Entre os atributos funcionais que adquiriram relevância nas comunidades dos habitats emergentes, encontram-se aqueles que estão associados aos tipos de vetores de dispersão, nomeadamente à dispersão pela água, que antes não existia. A hidrocoria é reconhecida como um dos principais mecanismos de dispersão que permitem a colonização e estabelecimento das espécies nos sistemas fluviais (Nilsson et al. 2010). Em meios lênticos, esta pode funcionar isoladamente ou em combinação com o vento, sobretudo a pequenas distâncias e em períodos temporais curtos (Sarneel et al. 2014). No presente estudo, os atributos funcionais associados aos mecanismos de dispersão estiveram relacionados com a variável distância à margem. No entanto, é de salientar que, em períodos de tempo mais prolongados, surgem outros mecanismos com um papel importante no sucesso da colonização nomeadamente o êxito na germinação ou a predação (Sarneel et al. 2014). Outros atributos que também revelaram alguma aderência com as condições ambientais impostas pelo declive existente nas diferentes ilhas foram o tipo fisionómico (arvores, arbustos, herbáceas), tipo de folhas e o peso das sementes. Em maiores declives encontram-se predominantemente espécies lenhosas com frutos pesados e folhas coriáceas enquanto as espécies herbáceas e higrófitas surgiram no extremo oposto do gradiente. Este resultado é consistente com o trabalho de (Liu et al. 2013) que encontraram uma menor

proporção de herbáceas associadas a maiores declives e elevação em albufeiras. As áreas com maiores declives e elevação são potencialmente sujeitas a maior stress hídrico impondo que as espécies que as colonizem tenham atributos funcionais associados à eficiência no uso da água e recursos.

A entrada de novos atributos funcionais nas comunidades implicou aumentos na diversidade funcional mas nem sempre esteve relacionada com o aumento da riqueza em espécies. De facto, a diversidade funcional e a riqueza surgiram em extremos opostos dos gradientes impostos pelas duas variáveis que assumiram maior significado na análise. A riqueza de espécies apresentou-se associada a menores distâncias à margem e a menores declives enquanto a diversidade funcional apresentou o padrão oposto. Este resultado é consistente com outros estudos realizados em albufeiras que concluíram que o declive e configuração do terreno podem direta ou indiretamente afetar a riqueza específica mas não a diversidade funcional (Liu et al. 2013). Concretamente, maiores declives encontram-se normalmente associados a uma menor riqueza de espécies em albufeiras devido à estreita faixa riparia que se mantem neste tipo de margens limitando o numero de espécies que as podem colonizar (Luken & Bezold 2000).

Relativamente à evolução temporal, o principal resultado do presente estudo foi a constatação de um padrão comum na tendência da diversidade funcional ao longo do tempo em que se levou a cabo a monitorização. Este padrão consistiu num aumento da diversidade funcional nos primeiros anos apos o enchimento da albufeira, seguido de uma estabilização ou mesmo decréscimo nos valores da diversidade funcional no período ate 2012. Noutros ecossistemas emergentes (braços isolados) construídos na planície de inundação do rio Ebro (Espanha) foi observado um incremento na diversidade funcional (de macroinvertebrados aquáticos) no período apos a construção devido ao aumento de heterogeneidade de habitats (Gallardo et al. 2012). Este aumento da diversidade chegou mesmo a superar os valores encontrados no ecossistema natural muito embora o estudo se tenha referido apenas a observações no decorrer do primeiro ano (Gallardo et al. 2012). No caso do presente estudo, para além do aumento de heterogeneidade ambiental, a perturbação associada à criação dos novos habitats poderá ter facilitado a instalação de espécies (Davis et al. 2000), uma vez que níveis intermédios de perturbação podem aumentar as oportunidades de recrutamento para as espécies imigrantes numa fase inicial de colonização (Myers & Harms 2009; Seifan et al. 2012).

No entanto, quando interpretamos os resultados, é preciso contextualizar o estudo no longo prazo. Num caso de estudo na China, apos 35 anos da construção de uma barragem, a limitação da conectividade com os ecossistemas a jusante fez com que o banco de

sementes que contribuiu para a colonização das margens da albufeira fosse composto principalmente por espécies provenientes dos ecossistemas a montante. Isto sugere que a dispersão de sementes mediante hidrocoria foi limitada para a colonização das margens da albufeira por plantas (Liu et al. 2009) e que, a longo prazo, a barragem constituiu uma barreira para os propágulos que circulam a nível da bacia hidrográfica (Merrit et al. 2010) podendo implicar numa redução da diversidade funcional. Para além dos fatores que limitam a dispersão, outros fatores ambientais e bióticos poderão condicionar o sucesso das comunidades que se estabelecem no longo prazo (Tilman 1985).

A continuação do estudo a longo prazo é fundamental para perceber as trajetórias de mudança dos ecossistemas e para identificar, após a expectável diminuição/estabilização da diversidade funcional, quais as espécies que conseguiram instalar-se com sucesso e persistir para poder utiliza-las em processo de restauro (White & Stromberg 2010). Perceber a dinâmica da diversidade funcional torna-se essencial para determinar a capacidade de resposta da comunidade para acomodar a perturbação e melhorar a resiliência do ecossistema (Elmqvist et al. 2003). O facto de a diversidade funcional ter apresentado um padrão comum de variação entre as diferentes ilhas indica que pode ser um indicador válido para a gestão de ecossistemas. As medidas tradicionalmente utilizadas na monitorização de comunidades (diversidade de espécies), podem não ser suficientes para capturar os diferentes aspetos da funcionalidade do ecossistema e portanto da sua resiliência e capacidade de manutenção de serviços essenciais para a sociedade (Mori et al. 2013). O presente estudo permitiu revelar no médio prazo o estado de desenvolvimento da colonização nos novos habitats criados pela constituição de uma albufeira. Com base nos diferentes filtros ecológicos do habitat emergente, evidenciaram-se os atributos funcionais que prevalecem em diferentes condições, mostrando no espaço de tempo estudado o padrão de evolução da diversidade funcional existente nas diferentes ilhas. Os resultados obtidos, fundamentados por outros estudos apresentados, mostram que a abordagem funcional utilizada pode acrescer informação relevante para o acompanhamento e gestão de ecossistemas, nomeadamente para os que se encontram sob forte pressão humana.

Documentos relacionados