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Um conjunto de dados tem demonstrado um possível efeito da HDL de atenuar a lesão de I/R em modelos animais. Esse efeito, no entanto, pode ser influenciável pela característica fenotípica da HDL. De fato, recentemente, nosso grupo de pesquisa demonstrou clinicamente e em modelo ex vivo que a HDL de paciente com infarto do miocárdio não gera benefício durante a reperfusão miocárdica e pode mesmo aumentar a extensão da lesão miocárdica (56). Essa tese de doutorado buscou evidenciar o fenótipo ideal da HDL para a proteção miocárdica contra a lesão de I/R.

Nossos resultados comprovaram que o pós-condicionamento isquêmico com a infusão de partículas de HDL saudáveis nos minutos iniciais da restauração do fluxo coronariano, reduz consideravelmente os danos causados pela lesão de I/R miocárdica e melhora o desempenho hemodinâmico avaliado pela função sistólica do ventrículo esquerdo. Esses dados estão de acordo com os resultados de outros grupos de pesquisa que avaliaram o efeito da HDL total nativa e reconstituída após a isquemia em modelo ex vivo e in vivo (19, 51). Outros estudos em modelo animal de IM também observaram benefícios terapêuticos com HDL infundida antes (57, 58) ou durante a isquemia (53). Ainda, outro estudo mostrou que a utilização de HDL também preveniu a lesão de I/R em rim de ratos in vivo (59). A preservação da função sistólica do ventrículo esquerdo é isoladamente o achado mais relevante pela potencial associação com a mortalidade após evento coronariano agudo (60).

Nosso estudo foi o primeiro a demonstrar que a reperfusão coronariana com partículas de LDL obtida de indivíduos saudáveis não diminui a lesão de I/R comparado com as partículas de HDL e ao controle. A infusão de LDL gerou um resultado similar com infusão de PBS (controle). Além disso, também não observamos mudança na função sistólica e no fluxo coronariano após reperfusão com LDL.

Para identificar qual fenótipo de HDL foi responsável por tal cardioproteção, nós fracionamos as partículas de HDL total e isolamos cinco subclasses distintas de HDL. Cada subclasse de HDL foi avaliada individualmente durante os minutos iniciais da reperfusão coronariana. Nós identificamos duas subclasses de HDL responsáveis pela atenuação da lesão de I/R miocárdica, HDL 3C e 3B. Ambos os subtipos de HDL diminuíram entre 30 e 25% a dimensão do infarto em corações de ratos Wistar e melhoraram a função sistólica do VE em comparação as outras

subclasses e ao grupo controle. Esse foi o primeiro estudo a evidenciar qual subclasse de HDL é mais eficiente em reduzir os danos causados pela lesão de I/R miocárdica. Corroborando com nossos achados, os resultados de um recente estudo mostraram que pacientes que continham maior concentração basal de HDL3 apresentaram menor lesão miocárdica periprocedimento após intervenção coronária percutânea, e a concentração se associou inversamente com a lesão miocárdica (61). Ainda, as análises de dois grandes estudos o Jackson Heart e o a coorte Framingham Offspring com um total de 4932 pacientes revelaram que as HDL3, menores e mais densas, são as responsáveis pela associação inversa entre a HDL- C e o risco cardiovascular (62). Vários estudos que avaliaram a funcionalidade da HDL tem evidenciado que as menores partículas de HDL são as responsáveis pela maioria das funções antiaterogênicas da HDL, incluído atividade anti-inflamatória, antioxidante e na vasodilatação (27). No entanto as maiores partículas de HDL são mais eficientes em realizar efluxo de colesterol devido aos seus ligantes mais eficientes e a conformação da ApoA-I que facilita o efluxo de colesterol (63). Essas evidências sugerem que no cenário fisiológico as proporções saudáveis de subclasses de HDL mantêm uma importante homeostase antiaterogênica. A quantificação da proporção das subclasses de HDL e a avaliação da capacidade funcional das partículas representam maior precisão em estimar o risco de desenvolvimento de doença coronariana comparado a HDL-C.

Nós também observamos que a HDL total aumentou o fluxo e diminuiu a resistência coronariana ao final de 7 min de reperfusão. Essas duas variáveis que refletem a vasodilatação, foram associados com a diminuição do tamanho de infarto. De fato, estudos clínicos mostram que a diminuição do fluxo coronariano e o aumento da resistência estão relacionados com o agravamento do IM (64). As HDL 3C e 3B também foram capazes de diminuir a resistência coronariana ao final de 7 minutos de reperfusão. A HDL 3C aumentou o fluxo coronariano em relação as outras subclasses e ao grupo controle. Naturalmente, a proteção nessa contingência é esperada pela função primordial da vasodilatação que é aumentar o fluxo de sangue e garantir que as células recebam oxigênio, glicose, lípides e outros nutrientes (65). Como a vasodilatação arterial é mediada principalmente pela produção endotelial de NO, buscamos verificar se o efeito da HDL se relacionava à produção de NO. Para tal, verificamos se as subclasses de HDL também aumentaram a biodisponibilidade de NO no efluente coronariano durante a

reperfusão. Nossos resultados mostraram que as menores partículas, as subclasses de HDL 3C e 3B respectivamente, aumentaram potentemente a concentração de NO em 1 e 5 minutos da reperfusão no efluente coronariano. Esses resultados confirmam que a vasodilatação coronariana foi induzida pela síntese de NO estimulada pelas subclasses 3C e 3B, e que esse aumento na concentração de NO se associou inversamente com o tamanho de infarto.

Um recente estudo demonstrou que as partículas menores e mais densas de HDL induziram uma forte vasodilatação em anéis de aorta de coelho na presença de LDL oxidada(25). Eles concluíram que o conteúdo de S1P, mais abundante nas subclasses 3C e 3B em ordem de magnitude (Tabela 2), foi responsável pela síntese de NO em células endoteliais e na aorta de coelho (25). Além disso, um grupo de pesquisa evidenciou que uma das principais causas da disfuncionalidade da HDL na DAC foi devido a perda de S1P pelas partículas em decorrência do estresse oxidativo gerado pela doença crônica(66). Eles verificaram que as partículas de HDL-DAC continham 4-5 vezes menos S1P que as HDL saudáveis e que as menores partículas foram as mais afetadas. Em decorrência dessa baixa quantidade de S1P as HDL não foram capazes de ativar vias protetoras e gerar vasodilatação. Entretanto, após o enriquecimento dessas partículas com S1P endógeno ou reconstituído, as HDL retomaram com suas funções protetoras, principalmente a função de vasodilatação (66).

Baseado em nossos achados em relação a síntese de NO pelas subclasses de HDL na lesão de I/R, nós buscamos testar tal efeito separadamente em células endoteliais coronarianas humanas in vitro e verificar se o efeito é dependente do conteúdo de S1P nas subclasses de HDL. Para tal abordagem nós utilizamos antagonistas dos receptores S1P1 e S1P3 envolvidos na via de sinalização do NO. Nosso grupo mostrou que o pool das menores HDLs, as subclasses 3B e 3C, induziram ~4 vezes mais a síntese de NO em células endoteliais comparado com o pool de HDL maiores. Esse aumento na síntese de NO pela HDL 3B e 3C foi reduzido em ~67% com a utilização dos antagonistas de S1P1 e S1P3 separadamente. No entanto, nós observamos que o bloqueio da ativação da eNOS conferida apenas com a utilização do inibidor do receptor S1P1. Com a utilização de ambos os antagonistas, nós verificamos que o conteúdo de S1P nas HDL menores e mais densas foram responsáveis por cerca de 70% do efeito vasodilatador e que possivelmente a ApoA-I foi o agente responsável pelos 30% da vasodilatação

restante. Prontamente foi demonstrado na literatura que a S1P foi responsável por 60% do efeito vasodilatador em modelo animal e que o restante foi resultado da ligação entre ApoA-I e SRB1 (20, 21). Estudos também evidenciaram que a S1P é mais abundante e prevalente em partículas de HDL menores. A concentração pode ser 2-3 vezes maior que em partículas maiores de HDL (Tabela 1) (25, 67).

A utilização do pool de HDL 3B e 3C durante a reperfusão coronariana reduziu cerca de 35% o tamanho de infarto. Como a vasodilatação arterial é mediada principalmente pela produção endotelial de NO, buscamos distinguir o papel vasodilatador da NO daquele relacionado à proteção celular direta. Para comprovar a importância do NO induzido pelas HDL 3B e 3C na lesão de I/R, nós inibimos a síntese de NO e mostramos que a cardioproteção foi abolida. Nós também utilizamos hidralazina em conjunto com L-NAME com o intuito de manter o fluxo coronariano apesar da inibição da síntese de NO, mas novamente não observamos benefício na área de infarto pelas HDL 3B e 3C. Testamos então o bloqueio da cascata GC/PKG, alvo da ação do NO para desencadeamento da proteção aos cardiomiócitos, e verificamos que mesmo produzindo NO não houve benefício na reperfusão com HDL 3B e 3C. Esses dados indicam que a cardioproteção conferida pela HDL 3B e 3C não só resulta da vasodilatação, mas da ativação da cascata GC/PKG nos cardiomiócitos mediada pelo NO. De fato, a fosfolamban, um substrato da PKG que aumenta a sua atividade, promove a redução de cálcio no citoplasma e inibe a abertura do MPTP reduzindo morte celular pela inibição da apoptose (15). Além desse efeito, o NO produzido durante a lesão de I/R pode agir como um potente agente antioxidante, diminuindo espécies reativas de oxigênio e aumentando a restauração de enzimas antioxidantes como a glutationa, a catalase e a superóxido dismutase. Foi demostrado que doadores de NO agem diretamente na inflamação, diminuindo o TNF-alfa substancial, NF-kb, a AP1 e consequentemente a apoptose (38).

Na investigação das vias cardioprotetoras desencadeadas pelo pool de HDL 3B e 3C na lesão de I/R no modelo ex vivo, nós não encontramos diferenças significantes na ativação da via de sinalização NO/PKG avaliado pela fosforilação da VASP após 7 minutos de reperfusão. Esse achado é contraditório com a perda da proteção miocárdica quando bloqueamos a GC com ODQ. Nossa principal hipótese da não ativação dessa via de sinalização cardioprotetora foi o curto tempo para a fosforilação do substrato da PKG. Estudos têm mostrado efeito na ativação da VASP

na serina 239 após 30 min de reperfusão (52, 68). Esta hipótese será verificada pelo nosso grupo em um conjunto de experimentos com 30 minutos de reperfusão.

Nesse curto período de reperfusão, no entanto, nós observamos que o pool de HDL 3B e 3C foi capaz de ativar a via Akt/GSK3β, aumentando em mais de 100% sua ativação quando comparado ao grupo controle. Apoiando nossos resultados em modelo ex vivo, nós também simulamos o efeito da lesão de I/R através de hipóxia e reoxigenação isoladamente em cardiomiócitos. Nós observamos que o tratamento com o pool de HDL 3B e 3C nos 10 minutos iniciais de reoxigenação também aumentou acentuadamente a produção de NO nos cardiomiócitos. Além disso após 18h de reoxigenação os cardiomiócitos tratados com HDL 3B e 3C apresentam viabilidade celular 3 vezes maior que no grupo basal. Esses achados foram comprovados com o aumento da atividade da eNOS e o aumento da fosforilação do sítio de inibição da proteína pró-inflamatória GSK3β na serina 9.

Esses achados do efeito da HDL em cardiomiócitos estão de acordo com os resultados de Rong e colaboradores (69); estes autores observaram proteção contra morte celular via Akt/ GSK3β em hipóxia e reoxigenação (69). É importante ressaltar, baseado em diversos estudos em modelo de I/R (15, 29, 70, 71), que a via Akt/GSK3β gera uma potente proteção mitocondrial na inibição da abertura do MPTP e consequente inibição de morte celular. Em paralelo, um estudo evidenciou a ativação da Akt via SRB1 pela HDL diminuiu a morte por necrose em cardiomiócitos no cenário de hipóxia-reoxigenação (72).

Por fim, provavelmente pelo conjunto de efeitos nas vias GC/PKG e Akt/ GSK3β, observamos que a reperfusão com HDL 3B e 3C aumentou a preservação da função mitocondrial, conforme experimentos de taxa de consumo de O2 pelas

mitocôndrias. Nossos resultados mostraram que a HDL 3B 3C leva a um aumento na função da respiração mitocondrial dependente do complexo-I e que a síntese de NO foi necessária para essa função.

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