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Resolução de Conflitos em Contextos de Educação Infantil Bilíngue

Capítulo 3: Argumentando, Colaborando e Transformando para resolver conflitos

3.3 Discussão dos Resultados

Nesta seção, discuto os resultados obtidos por meio da interpretação e análise dos dados, realizados neste capítulo, com o objetivo de responder as perguntas de pesquisa propostas na Introdução desta dissertação. Para auxiliar na discussão que será realizada neste capítulo, retomo as perguntas de pesquisa:

1.Trabalhar com resolução de conflitos em contextos de educação infantil bilíngue pode promover ações colaborativas? Como?

2. De que forma as ações dos alunos refletem a relação com o trabalho feito com a professora?

Com o intuito de responder ambas perguntas de pesquisa, relaciono alguns conceitos primordiais ao embasamento desta dissertação aos dados interpretados no Capítulo 3.

O primeiro conceito que gostaria de discutir é a concepção vygotskyana de que todas as funções no desenvolvimento infantil aparecem duas vezes, primeiramente no campo social e, em segundo lugar no nível individual (Vygotsky, 1930/1984). Os excertos 1 a 7 demonstram, que todas as resoluções de conflito foram realizadas primeiro em colaboração com a educadora (nível social), em seguida, os artefatos mediadores utilizados na resolução do conflito são internalizados pelos sujeitos, o que se torna visível quando eles os exteriorizam, agindo colaborativamente entre si sem necessitar da intensa intervenção da educadora. Ainda, as ações e estruturas linguísticas internalizadas pelas crianças mostram suas apreensões da voz da educadora, de forma que as crianças se apropriam triplamente dos signos do meio escolar: das línguas, dos valores e das formas sociais de comportamento que, após interiorizadas, passam a funcionar como formas de pensamento individual.

O segundo conceito que gostaria de discutir é a Zona de Desenvolvimento Proximal instalada e presente na resolução de todos os conflitos apresentados. Os

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conflitos do início do ano de 2010 necessitaram de uma intervenção mais intensa da educadora que, muitas vezes, teve que sugerir modelos de resolução de conflitos para, futuramente serem ampliados e construídos coletivamente a partir desta e de outras experiências vivenciadas. Assim, os conflitos foram resolvidos em colaboração com a educadora, visando expandir as possibilidades imediatas das crianças. Nesta zona, foram compartilhados sentidos, significados, linguagens e valores de forma que cada participante pôde, aos poucos, se apropriar destes dados sociais e internalizá-los, passando para o nível da consciência. Ainda é interessante ressaltar que os conflitos ocorridos no final do ano de 2010, são resolvidos muito mais em colaboração com os próprios colegas do que com a educadora, uma vez que as crianças tiveram a oportunidade de vivenciar muitos conflitos e suas resoluções ao longo do ano e já constituíram um repertório para ser recriado em interação com os demais membros do grupo.

A internalização de instrumentos mediadores como métodos culturais de raciocínio comportamento cultural e das línguas, que passam a agir como planejadoras da atividade da criança também é evidenciada na interpretação dos dados, uma vez que ao longo do ano as crianças passam a utilizar formas primeiramente sociais de resolução de conflitos para antecipá-los, preveni-los ou resolvê-los com autonomia.

A concepção de linguagem como instrumento constitutivo do homem ao mesmo tempo que é artefato mediador de suas relações também pode ser observada a medida que as crianças passaram, ao longo do ano, a utilizar as línguas para influenciar o comportamento dos outros, além de planejarem suas próprias ações. O uso das línguas contribuiu para a constituição bilíngue dos indivíduos, que através da exposição ao meio bilíngue e a vivências de conflitos e suas resoluções nas duas línguas, apropriaram-se simultaneamente das línguas e dos valores do ambiente escolar, internalizando estes signos culturais como forma social de comportamento. Assim, em colaboração com a educadora e os colegas, as crianças aprenderam e construíram o significado de ser no mundo.

Seguindo os preceitos de que assim como o homem se constitui na linguagem e pela linguagem (Bakhtin, 1981), os alunos envolvidos nos conflitos mostram terem internalizado alguns instrumentos básicos (linguísticos e atitudinais

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como forma de pensamento) para resolverem algumas pequenas disputas do cotidiano escolar, instrumentos estes que participam de suas constituições como sujeitos agentes no mundo.

Para responder especificamente a primeira pergunta é necessário, primeiramente, entender a forma da intervenção escolhida pela professora- pesquisadora. A intervenção realizada na forma de enunciados geradores de tensão visa à sensibilização das crianças e a possibilidade de reflexão e ação sobre o problema proposto. A resposta não é dada pronta para as crianças, mas os conflitos são resolvidos de forma colaborativa por meio de resoluções co-construídas. Desta forma, espera-se que as crianças consigam repetir/reproduzir estas experiências anteriores, uma vez que as ações sociais e valores vivenciados estão, aos poucos, sendo internalizados, apropriados por elas e fazendo parte de suas constituições como sujeitos.

A categoria da ação transformadora retrata, de maneira geral, ações colaborativas. Ao observarmos os excertos apresentados, analisados e interpretados no Capítulo 3 desta dissertação, todos eles possuem, em algum momento, a ação transformadora, realizada por uma das crianças envolvidas no conflito, evidenciando, assim, a obtenção de ações colaborativas devido ao trabalho realizado com resolução de conflitos.

A categoria da ação transformadora ressalta os valores ou ações sociais que foram ou estão sendo internalizados pelo sujeito envolvido no conflito. Conforme mencionado, a intervenção da professora-pesquisadora não é realizada de forma autoritária mas de forma argumentativa e colaborativa. Considerando as crianças como coresponsáveis da resolução dos conflitos, promove-se o espaço para a reflexão e , uma vez conscientes e capazes de se colocarem no lugar do outro, a colaboração surge de forma espontânea e natural. Para responder, especificamente, à segunda pergunta de pesquisa faz-se necessário compreender a hierarquia escolar, uma vez que esta organização influencia a ações das crianças. Apesar da professora não se comportar de forma autoritária, as crianças de dois anos veem no adulto uma figura de referência, de modelo a ser seguido e/ou copiado. A obediência, embora em nenhum momento seja exigida aos alunos por parte da professora, é um dado implícito ao ambiente escolar, principalmente em

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turmas de mini maternal, como a turma na qual esta pesquisa foi realizada. Assim sendo, existe um grande desejo das crianças de agradar a professora e de receber elogios desta figura. Este fator pode ser muito favorável ao que tange as ações colaborativas. Por exemplo, ao ver um colega ser elogiado por realizar uma determinada ação (colaborativa), este elogio torna-se objeto de desejo das demais crianças que, para obtê-lo, imitarão a ação daquele colega.

Nota-se também que muitas das ações realizadas pelas crianças sem a intervenção das educadoras refletem o trabalho mediado, uma vez que elas exteriorizam os valores, instrumentos linguísticos e ações sociais que internalizaram. É importante ressaltar que as experiências vividas no ambiente escolar são (foram) fundamentais para a internalização destes valores e para a formação de suas consciências. Segundo Vygotsky “para crianças muito pequenas, pensar é lembrar” (VYGOTSKY, 1934/1987), desta forma, se as crianças não tivessem experienciado os conflitos e suas resoluções com a mediação da professora, não conseguiriam encontrar soluções que não fossem instintivas, pois não teriam de que se lembrar. Assim, o ambiente escolar bem como as ações sociais nele realizadas se tornam constitutivos das crianças, de suas consciências e de suas personalidades.

O excerto 5 é um grande exemplo de como o trabalho com resolução de conflitos mediado pela professora é refletido também nas ações não mediadas por ela. Neste excerto, cujo conflito central se dá devido à disputa de brinquedo, a professora-pesquisadora se mantém distante apenas observando a interação entre as crianças. Mesmo sem a intervenção da professora, os alunos envolvidos se mostram capazes de utilizarem a argumentação como artefato mediador para tentar resolver a disputa e, no decorrer da argumentação, mostraram-se capazes de alternar turnos, conferir valor ao enunciado do outro, expressar desejos, demonstrar entendimento e apresentar justificativas para suas ações. Levando em conta que o primeiro recurso comumente utilizado por crianças desta faixa etária é a ação em si (pegar o objeto de desejo, ignorando os demais participantes da atividade, inclusive a pessoa que está segurando o objeto do desejo) ou o choro, a mordida ou outra ação instintiva, a autonomia alcançada por estas crianças para a resolução de conflitos comuns ao cotidiano escolar é grandiosa. Além disso, quando Bruno escolhe se manifestar em língua inglesa, dizendo “Can I play?”, fica evidente que o aluno se

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apropriou tanto da linguagem quando da ação social que apresenta deste contexto, elucidando sua constituição bilíngue.

Este mesmo excerto também evidencia o trabalho realizado pela educadora nas ações não mediadas por ela. A Zona de Desenvolvimento Proximal se torna clara ao passo que a aluna Mariana, em colaboração com seus colegas e utilizando as línguas como artefato mediador do conflito, auxilia três colegas na resolução de uma disputa. Além de colaborar na expansão das possibilidades imediatas de seus colegas, a aluna colabora na construção de instrumentos linguísticos para serem utilizados naquela situação, compartilhando seu conhecimento social internalizado com os demais colegas.

Ao compararmos o excerto 5, retirado de uma gravação realizada em novembro de 2010 ao excerto 1, retirado de uma gravação de março deste ano e que coincidentemente envolve os mesmos participantes, evidencia-se o grande desenvolvimento de Mariana e Bruno. No primeiro excerto, as crianças estão centradas em seus desejos e desconhecem instrumentos linguísticos que possam mediar a situação conflituosa, recorrendo a ações instintivas, impulsivas e a recursos como choro, gemido e grito. No quinto excerto, a argumentação se mostra presente como artefato mediador da disputa, além do diálogo ocorrer nas duas línguas, ressaltando também a constituição bilíngue dos indivíduos que conhecem não somente variadas maneiras de se expressar linguisticamente, mas diferentes maneiras de ser “eu”. Além disso, o quinto excerto diferencia-se grandemente do primeiro no que diz respeito à intervenção da educadora, que passou de intensa (no excerto 1) para superficial (excerto 2), elucidando o grau de autonomia alcançado pelas crianças em resolver conflitos colaborativamente. A cena de fundo do excerto 5 em que Mariana, Olivia e Rogério brincam juntos compartilhando brinquedos ainda serve para exemplificar que as ações colaborativas foram apreendidas pelos sujeitos, e se tornaram constitutivas deles.

Conforme pôde ser observado na análise e interpretação dos dados e brevemente resumido neste capítulo, ao trabalhar colaborativamente com a resolução de conflitos com crianças de dois anos de idade, em fase de formação das funções mentais superiores (Vygotsky, 1930/1984), os conceitos de colaboração e solidariedade bem como as práticas argumentativas como forma de reflexão e

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negociação são internalizados e passam a ser características constitutivas destes sujeitos, fazendo parte de suas consciências. Desta maneira, este trabalho contribui para a formação de um agente crítico (transformador) e colaborativo.

Respondendo às perguntas de pesquisa propostas na Introdução desta dissertação, o trabalho com resolução de conflitos neste contexto de educação infantil bilíngue promoveu ações colaborativas ao mesmo tempo em que a argumentação como artefato mediador possibilitou que as crianças internalizassem simultaneamente as línguas e os valores do meio escolar, colaborando em suas constituições como sujeitos crítico-reflexivos.

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