• Nenhum resultado encontrado

5.1 – Carga tributária: elevada magnitude associada a alocação desfavorável aos investimentos

O grande aumento da carga tributária no Brasil só se deu a partir de 1994, com o início do período FHC, como vemos no gráfico abaixo. Isso se deveu aos “efeitos colaterais” do controle da inflação, pois esse controle exigiu uma política de juros elevados durante todo o período e não havia mais espaço para que o orçamento do governo (incluindo juros) se financiasse via endividamento adicional sem que houvesse descontrole inflacionário. Assim, esse financiamento passou a utilizar-se cada vez mais de recursos arrecadados via tributação.

1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 t

Gráfico 11: Evolução da carga tributária total no Brasil (% PIB) – dados de 1970- 2003

No modelo apresentado no capítulo 4 observou-se que há evidência estatística de um impacto negativo do aumento da carga tributária sobre as taxas de investimento no Brasil pós-1994.

Este trabalho, no entanto, não sugere com isso que o governo deva adotar uma política de diminuir abruptamente o valor da carga tributária para estimular investimentos, pois isso faria com que o país voltasse a ter déficits primários e colocaria em risco a estabilização da economia conquistada desde o plano Real e uma perspectiva de se conquistar uma trajetória de crescimento de longo prazo. A análise da composição e dos tipos impostos neste capítulo é feita para obter um melhor entendimento de qual seria a raiz do impacto negativo dessa carga tributária sobre os investimentos. Isso facilita verificar se a alocação dos impostos atual poderia ser de alguma forma melhorada para incentivar investimentos, mesmo que a magnitude dessa carga tributária ainda permaneça elevada por algum tempo.

Nesse sentido, levantou-se a composição da carga tributária brasileira e pode-se observar que há uma distribuição da carga tributária desfavorável aos investimentos, com peso excessivo sobre o setor produtivo, o que reduz a competitividade brasileira.

A tabela 15 abaixo mostra que, além do forte aumento da carga tributária desde o início do plano Real (1994), a alocação dos tributos brasileiros é desfavorável aos investimentos. A alocação é bastante desigual e muito pesada em tributos sobre bens e serviços, pesando muito pouco a tributação sobre o patrimônio e a renda.

Natureza da Receita

% PIB % do total % PIB % do total % PIB % do total % PIB % do total % PIB % do total % PIB % do total Tributos sobre comércio exterior 0.7 2.9% 0.41 1.7% 0.39 1.6% 0.52 1.7% 0.81 2.6% 0.52 1.4% Tributos sobre bens e serviços 10.67 43.5% 9.04 37.1% 10.95 45.5% 15.43 51.8% 14.74 46.5% 16.96 47.2%

ICMS 4.87 19.9% 5.29 21.7% 6.41 26.6% 7.33 24.6% 6.97 22.0% 7.83 21.8% IPI 2.19 8.9% 1.4 5.8% 2.21 9.2% 2.22 7.5% 1.67 5.3% 1.28 3.6% IOF 0.94 3.8% 0.86 3.5% 0.16 0.7% 0.69 2.3% 0.5 1.6% 0.29 0.8% COFINS (ex-Finsocial) 0.57 2.3% 1.1 4.6% 2.56 8.6% 3.17 10.0% 4.39 12.2% PIS/PASEP 0.64 2.7% 1.07 3.6% 0.97 3.1% 1.1 3.1% IPMF/CPMF 1.06 3.6% 0.82 2.6% 1.49 4.2% ISS 0.26 1.1% 0.29 1.2% 0.33 1.4% 0.43 1.4% 0.6 1.9% 0.55 1.5% outros 2.41 9.8% 0.63 2.6% 0.1 0.4% 0.07 0.2% 0.04 0.1% 0.03 0.1%

Tributos sobre patrimônio 0.27 1.1% 0.21 0.9% 0.12 0.5% 0.39 1.3% 0.94 3.0% 1.06 3.0%

IPTU 0.25 1.0% 0.2 0.8% 0.07 0.3% 0.21 0.7% 0.43 1.4% 0.51 1.4%

IPVA 0 0.0% 0 0.0% 0.05 0.2% 0.18 0.6% 0.46 1.4% 0.5 1.4%

outros 0.02 0.1% 0.01 0.0% 0 0.0% 0 0.0% 0.05 0.2% 0.05 0.1%

Tributos sobre a Renda 3.01 12.3% 4.76 19.6% 5.15 21.4% 4.8 16.1% 6.36 20.0% 7.35 20.5%

IR 3.01 12.3% 4.76 19.6% 4.94 20.5% 3.83 12.9% 5.67 17.9% 6.24 17.4%

CS 0.0% 0.0% 0.21 0.9% 0.97 3.3% 0.69 2.2% 1.11 3.1%

Tributos sobre a Mão-de-obra 7.44 30.3% 7.36 30.2% 6.55 27.2% 7.32 24.6% 7.83 24.7% 8.74 24.3%

Previdência 4.66 19.0% 4.91 20.2% 4.63 19.2% 4.82 16.2% 5.36 16.9% 6.15 17.1% FGTS 2.32 9.5% 2.01 8.3% 1.41 5.9% 1.78 6.0% 1.79 5.6% 1.6 4.5% outros 0.46 1.9% 0.44 1.8% 0.51 2.1% 0.72 2.4% 0.68 2.1% 0.99 2.8% Demais 2.43 9.9% 2.56 10.5% 0.92 3.8% 1.31 4.4% 1.05 3.3% 1.27 3.5% Total 24.5 100.0% 24.3 100.0% 24.1 100.0% 29.8 100.0% 31.7 100.0% 35.9 100.0% 1980 1984 1989 1994 1999 2004

A participação do segmento de tributos sobre bens e serviços nitidamente aumentou na década de 90 (vide tabela 15 acima) e encontrava-se em 2004 em um patamar de 47,2% do total arrecadado. Dentre os principais impostos que compõem esse grupamento, com base no total arrecadado em 2004, estão: ICMS (21,8% do total), COFINS (12,2% do total), CPMF (4,2% do total), IPI (3,6% do total) e PIS/PASEP (3,1% do total). A cumulatividade desses impostos e o peso que eles trazem ao setor produtivo é prejudicial ao estímulo dos investimentos e também à eficiência da economia como um todo, já que estimulam a verticalização de operações produtivas, o que acaba por se transformar em menor concorrência, e também distorcem a formação de preços relativos na economia.

O principal imposto do país em termos de arrecadação é um imposto sobre valor adicionado e estadual, o ICMS (21,8% do total). Assim, esse imposto é regido por leis subnacionais (estaduais), o que dificulta muito sua harmonização e acaba gerando “guerras fiscais” entre os estados na competição por investimentos. Além disso, os diferenciais de alíquotas entre os estados facilitam esquemas de sonegação em diversos setores da economia.

Em contrapartida, a tributação sobre o patrimônio, apesar de ter aumentado significativamente no período pós-plano real em função do controle inflacionário, passando de 0,5% do total arrecadado em 1989 para 1,3% em 1994 e 3% em 1999 e em 2004, ainda é extremamente baixa em relação à arrecadação total.

A arrecadação sobre a renda também se mantém estagnada em um patamar próximo a 20% do total arrecadado nos últimos anos, valor ainda baixo se comparado ao de países desenvolvidos, em que a arrecadação sobre a renda chega a atingir 50% do total de impostos.

Certamente haveria espaço para uma arrecadação melhor distribuída, pesando menos sobre o setor produtivo e mais sobre patrimônio e renda.

O nível de sonegação fiscal em termos de IR sobre pessoas físicas no Brasil ainda é muito elevado, principalmente entre as classes mais altas, e a tributação do patrimônio é irrisória.

Além disso, a eliminação de cumulatividade de impostos sobre bens e serviços com a criação de um sistema mais simples facilitaria o controle da arrecadação, reduziria custos administrativos e permitiria diminuição de sonegação no próprio setor produtivo, permitindo assim uma redução da carga tributária nesse segmento em particular.

Nas tabelas 16 e 17 a seguir mostra-se que de fato há maior tributação sobre patrimônio e renda em países mais desenvolvidos, em contrapartida de uma menor tributação sobre bens e serviços, medida que desonera a produção:

Tabela 16: Comparativo de cargas tributárias entre países por natureza de receita – valores em % do PIB

General Government (inclui governo central, estados e municípios) valores em % PIB de cada país

País Ano Carga Trib. Total SocialPrev.

Carga excluída Prev. Soc. Imposto sobre propried. Imposto sobre renda Bens e Serviços Comércio Internacio- nal Outros EUA 2003 25.76 7.03 18.73 3.08 11.03 4.43 0.19 Canadá 2003 34.33 5.74 28.59 3.51 15.47 8.54 0.24 0.83 Austrália 2003 30.9 0.4 30.5 2.74 16.86 8.52 0.72 1.66 Áustria 2002 45.3 16.57 28.73 0.55 13.41 12.58 2.19 Bélgica 2002 47.81 16.74 31.07 2.87 16.93 11.14 0.13 Finlândia 2003 44.5 12.12 32.38 1.05 17.37 13.93 0.03 França 2003 45.27 18.45 26.82 4.34 10.27 11.11 0.01 1.09 Alemanha 2003 41.38 18.57 22.81 0.79 11.49 10.53 Itália 2000 42.54 12.72 29.82 0.91 14.2 12.79 1.92 Luxemburgo p 2003 42.56 12.9 29.66 1.59 15.05 12.97 0.05 Holanda 2003 39.78 15.52 24.26 1.79 9.83 12.31 0.24 0.09 Portugal 2001 35.99 11.92 24.07 0.51 9.54 13.26 0.76 Espanha p 2002 35.86 13.35 22.51 2.49 10.33 9.69 Dinamarca 2003 49.8 2.73 47.07 1.82 29.17 15.86 0.22 Noruega 2003 43.88 9.93 33.95 0.51 20.09 13.18 0.12 0.05 Suécia 2002 50.59 15.42 35.17 1.42 17.77 12.98 3 Suíça 2001 29.99 7.66 22.33 2.71 12.67 6.71 0.24 Inglaterra 2003 36.58 7.79 28.79 1.79 13.25 13.33 0.42 África do Sul p 2003 27.73 0.62 27.11 1.99 14.11 9.58 0.58 0.85 Hong-Kong 2002 9.32 .... 9.32 1.48 5.76 1.93 0.06 0.09 Thailândia p 2003 17.43 0.77 16.66 0.33 5.6 8.74 1.9 0.09 República Tcheca 2003 38.26 16.07 22.19 0.56 9.91 11.28 0.43 0.01 Polônia 2002 33.19 13 20.19 1.35 6.37 11.65 0.49 0.33 Rússia 2003 30.81 8.34 22.47 1.43 7.79 9.8 3.41 0.04 Irã p 2003 11.76 3.52 8.24 0.32 2.89 0.98 2.93 1.12 Israel 2002 40.38 7.74 32.64 3.1 13.68 13.85 0.28 1.73 Chile 2003 19.35 1.46 17.89 0.73 4.41 11.27 0.64 0.84 Bolívia 2003 19.33 2.37 16.96 3.03 1.81 10.77 0.94 0.41 Costa Rica 2003 21.26 7.35 13.91 0.62 3.36 8.87 1.03 0.03 El Salvador 2003 13.73 2.31 11.42 0.28 3.33 6.6 1.21 Brasil 2004 35.9 6.15 29.75 1.06 7.35 16.96 0.52 3.86

Tabela 17: Comparativo de cargas tributárias entre países por natureza de receita – valores em % da carga total excluída a previdência social

General Government (inclui governo central, estados e municípios) % da carga total ex-previdência

País Ano Carga Trib. Total Carga excluída Prev. Soc. Imposto sobre propried. Imposto sobre renda Bens e Serviços Comércio Internacio- nal Outros Total EUA 2003 25.76 18.73 16% 59% 24% 1% 0% 100% Canadá 2003 34.33 28.59 12% 54% 30% 1% 3% 100% Austrália 2003 30.9 30.5 9% 55% 28% 2% 5% 100% Áustria 2002 45.3 28.73 2% 47% 44% 0% 8% 100% Bélgica 2002 47.81 31.07 9% 54% 36% 0% 0% 100% Finlândia 2003 44.5 32.38 3% 54% 43% 0% 0% 100% França 2003 45.27 26.82 16% 38% 41% 0% 4% 100% Alemanha 2003 41.38 22.81 3% 50% 46% 0% 0% 100% Itália 2000 42.54 29.82 3% 48% 43% 0% 6% 100% Luxemburgo p 2003 42.56 29.66 5% 51% 44% 0% 0% 100% Holanda 2003 39.78 24.26 7% 41% 51% 1% 0% 100% Portugal 2001 35.99 24.07 2% 40% 55% 0% 3% 100% Espanha p 2002 35.86 22.51 11% 46% 43% 0% 0% 100% Dinamarca 2003 49.8 47.07 4% 62% 34% 0% 0% 100% Noruega 2003 43.88 33.95 2% 59% 39% 0% 0% 100% Suécia 2002 50.59 35.17 4% 51% 37% 0% 9% 100% Suíça 2001 29.99 22.33 12% 57% 30% 1% 0% 100% Inglaterra 2003 36.58 28.79 6% 46% 46% 0% 1% 100% África do Sul p 2003 27.73 27.11 7% 52% 35% 2% 3% 100% Hong-Kong 2002 9.32 9.32 16% 62% 21% 1% 1% 100% Thailândia p 2003 17.43 16.66 2% 34% 52% 11% 1% 100% República Tcheca 2003 38.26 22.19 3% 45% 51% 2% 0% 100% Polônia 2002 33.19 20.19 7% 32% 58% 2% 2% 100% Rússia 2003 30.81 22.47 6% 35% 44% 15% 0% 100% Irã p 2003 11.76 8.24 4% 35% 12% 36% 14% 100% Israel 2002 40.38 32.64 9% 42% 42% 1% 5% 100% Chile 2003 19.35 17.89 4% 25% 63% 4% 5% 100% Bolívia 2003 19.33 16.96 18% 11% 64% 6% 2% 100% Costa Rica 2003 21.26 13.91 4% 24% 64% 7% 0% 100% El Salvador 2003 13.73 11.42 2% 29% 58% 11% 0% 100% Brasil 2004 35.9 29.75 4% 25% 57% 2% 13% 100%

Fonte: International Monetary Fund. Government Finance Statistics Yearbook, 2004

Nos Estados Unidos, por exemplo, a tributação sobre patrimônio e renda somou em 2003 14.11% do PIB, o equivalente a 75% da carga tributária total excluída a carga previdenciária, e a carga sobre bens e serviços atingiu 4,43% do PIB, o equivalente a 24% da carga total ex-previdência. Em contrapartida, no Brasil a carga sobre patrimônio e renda ainda é muito limitada e somou em 2004 apenas 8,41% do PIB, o equivalente a 28% da carga total ex-previdência, enquanto a carga sobre bens e serviços somou 16,96% do PIB, o equivalente a 57% da carga total ex-previdência. O gráfico abaixo ilustra o posicionamento do Brasil em termos de distribuição da carga tributária entre (patrimônio + renda) versus bens e serviços. Criamos um índice que mede a razão da carga tributária arrecadada da renda e patrimônio pela carga tributária arrecadada de oneração sobre bens e serviços.

Índice de (carga trib patr + renda)/(carga trib bens e serv.) 0.00 0.50 1.00 1.50 2.00 2.50 3.00 3.50 4.00 H ong- K ong Irã p EUA A u st rá lia Su íç a C anadá Di n a m a rc a Bé lg ic a Áf ri ca d o Su l p N or uega Su é ci a E spanha p F in lândia Franç a Lu xem bur go p Israe l Itália A le m anha In glat e rr a Áu st ri a H o landa Rú ss ia R epú blic a T chec a P or tugal T hailâ ndia p P o lônia E l S al vador Bra si l C h ile Bo lív ia C o st a R ica

Gráfico 12: Índice que mede relação entre a participação da carga tributária sobre produção em relação à carga tributária sobre patrimônio e renda

Fonte: elaboração do autor

O Brasil está em nível próximo a Chile, Bolívia e Costa Rica nessa distribuição, mas tem uma alocação menos favorável se comparada à de outros países emergentes como Israel, África do Sul e El Salvador. Isso mostra que de fato há ainda muito espaço para avançar em termos de aumento da participação de tributação em patrimônio e renda no Brasil em porcentagem da arrecadação total como contrapartida de desonerar o setor produtivo.

Tudo o que foi anteriormente comentado refere-se à sempre debatida e necessária reforma tributária no Brasil, que ainda não ocorreu nos moldes necessários à melhoria significativa do sistema tributário. É importante destacar que esse tipo de reforma é extremamente complexo e de difícil implementação, por exigir aprovação legislativa que necessita de grande coalizão política. Como é muito difícil que a

unificação de impostos e exclusão da não cumulatividade mantenha, em um momento inicial, condições de arrecadação compatíveis com gastos para todas as unidades da federação (união, estados e municípios), alguns interesses serão feridos a princípio nesse processo. É exatamente isso que dificulta muito a coalizão política anteriormente citada. Assim, os projetos de reformas tributárias acabam sendo de tal forma mutados em seu processo de aprovação legislativa que, ao final, pouco ou nada contribuem para o objetivo maior que seria reduzir o peso tributário sobre o setor produtivo e melhorar a progressividade da tributação (maior peso sobre os indivíduos de maior renda e patrimônio).

Há ainda a questão do peso também elevado da tributação sobre as folhas de pagamento (salários) – FGTS e previdência somaram 21,6% do total arrecadado em 2004. Isso cria uma grande cunha entre o custo do trabalhador para a empresa e o salário que este recebe, incentivando a informalização das relações trabalhistas e, com isso, desestimulando investimentos no setor formal e reduzindo a base de arrecadação desses tributos. A solução desse problema é ainda mais complexa, pois envolve a questão do financiamento previdenciário e seu equacionamento. Há um trade-off claro nessa questão que deve ser analisado pela sociedade, em especial pelo Congresso: o benefício para as atividades produtivas e conseqüentemente para o emprego formal da redução dessa carga tributária sobre as empresas vis-à-vis o problema de reduzir o amparo governamental aos idosos e deficientes, que são os beneficiários da previdência. O fato é que, em médio prazo, a questão previdenciária terá que ser equacionada, dado que hoje a previdência é crescentemente deficitária. Nesse momento, seria interessante e apropriado já envolver na discussão a questão tributária acima exposta.

5.2 – Gastos do governo: evolução recente mostra aumento de gastos não produtivos em contrapartida de redução de gastos produtivos

Conforme foi discutido na seção anterior, a carga tributária brasileira vem crescendo desde 1994 e sua alocação é desfavorável aos investimentos, com peso grande sobre o setor produtivo, o que tem afetado negativamente os investimentos privados. A questão a ser discutida nesta seção é como vêm evoluindo os gastos governamentais como contrapartida dessa volumosa arrecadação.

O gráfico 13 a seguir tem exatamente esse intuito: -5% 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Invest público Não_Infra Invest público Infra Gastos com Previdência Despesas Financeiras totais Consumo Governo Gasto Total

Carga tributária total NFSP Ajustes

Gráfico 13: Evolução dos gastos do governo no Brasil por natureza de gasto – 1995- 2003

Fonte: elaboração com autor, com base em dados coletados no IPEAdata

Pode-se ver do gráfico 13 acima que os gastos do governo com despesas financeiras de dívida (interna + externa) cresceram consideravelmente desde 1995 como porcentagem do PIB, passando de 1,82% do PIB em 1995 para 3,4% do PIB em 2003. Tais gastos são por definição gastos não produtivos.

As despesas com previdência como porcentagem do PIB também foram crescentes, passando de 6.3% do PIB em 1995 para 7.9% do PIB em 2003. Isso demonstra o desequilíbrio da estrutura previdenciária brasileira, problema que também necessita ser atacado com relativa urgência, pois as perspectivas são que esse segmento drene cada vez mais caixa arrecadado pelo governo à medida que a população brasileira está se tornando mais velha e a porcentagem de idosos e aposentados vai aumentando na população total. Como já foi mencionado anteriormente, gastos previdenciários são também gastos não produtivos.

Já os gastos de investimentos totais do governo caíram consistentemente como porcentagem do PIB, passando de 4.2% do PIB em 1995 para 3.09% em 2003. Mas o ponto mais relevante é que os gastos que foram reduzidos mais drasticamente foram os investimentos em infra-estrutura, que passaram de 1.32% do PIB em 1995 para 0.33% do PIB em 2003. Já os investimentos públicos que não são em infra- estrutura praticamente não sofreram alteração, passando de 2.88% do PIB em 1995 para 2.76% do PIB em 2003. O gráfico 14 abaixo ilustra de forma mais clara essa tendência: 0.00% 0.50% 1.00% 1.50% 2.00% 2.50% 3.00% 3.50% 4.00% 4.50% 5.00% 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Invest público Não_Infra Invest público Infra Invest público Não_Infra Invest público Infra

Gráfico 14: Evolução dos investimentos do governo em infra-estrutura e não infra- estrutura no Brasil – 1995-2003

Fonte: elaboração do autor, com base em dados coletados no IPEAdata

Cabe aqui a ressalva de que o processo de privatização da década de 90 privatizou muitas empresas estatais dos setores de energia elétrica e telecomunicações. Mas o argumento que se coloca é que mesmo assim os investimentos em infra-estrutura no Brasil não foram suficientemente cobertos pelo apetite do investidor privado, haja visto o racionamento de energia ocorrido em 2001 e os gargalos atuais que o país enfrenta do ponto de vista de escoamento de produção para exportações, sem mencionar a possibilidade de um novo racionamento de energia para 2008/2009

colocada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) dada a paralisação de investimentos em geração nos últimos anos.

O fato é que investimentos públicos em infra-estrutura foram os mais prejudicados com o aumento de gastos não produtivos principalmente em despesas financeiras de dívida pública e despesas com previdência. Vale destacar que, como foi mostrado empiricamente no capítulo 3, seriam exatamente os investimentos públicos em infra-estrutura que trariam maiores benefícios em termos de ganhos de produtividade para a economia do país podendo incentivar maiores investimentos privados, ao contrário de investimentos públicos que não são em infra-estrutura que, de acordo com os resultados do capítulo 3, causam crowding-out dos investimentos privados.

6 – CONCLUSÕES

Através dos modelos empíricos anual de 1970-2003 e trimestral de 1995(1) - 2004(3) foi possível obter evidências empíricas que subsidiam uma

resposta para a questão principal deste trabalho, o porquê da não recuperação das taxas de investimento após o controle inflacionário alcançado com o plano Real.

O modelo anual de 1970-2003 permitiu obter evidências empíricas que corroboram a chamada hipótese de infra-estrutura, ou seja, o fato de haver o crowding-in de investimentos públicos em infra-estrutura sobre investimentos privados. Além disso, esse modelo mostrou que os demais investimentos públicos têm efeito de crowding- out sobre os investimentos privados, de coeficiente superior ao do efeito de crowding-in dos investimentos públicos em infra-estrutura. Isso explica porque a maioria dos estudos empíricos na área para o Brasil, que não desagregam os dados de investimentos públicos entre aqueles que são em infra-estrutura e os que não são, obtêm normalmente apenas o efeito de crowding-out total. Esse resultado é importante na defesa do argumento de que há um impacto negativo nas taxas de investimento devido à evolução recente dos gastos do governo no Brasil, que mostram um aumento relativo de participação em gastos pouco ou não produtivos em contrapartida de uma redução relativa de gastos produtivos, especialmente uma redução relativa dos investimentos públicos em infra-estrutura.

O modelo trimestral com dados do período pós-plano Real (1995(1)-2004(3)) encontrou evidências empíricas significantes para alguns dos possíveis “candidatos” levantados como explicadores da não recuperação das taxas de investimento.

Foram encontradas fortes evidências empíricas de um impacto negativo da carga tributária sobre a taxa de investimentos com uma lead de um trimestre, o que traz à tona o argumento de que os agentes teriam algum grau de antecipação do aumento da carga tributária, reduzindo com essa antecipação seus investimentos. Isso faz sentido, na medida em que notícias de aumento de alíquotas ou criação de novos impostos normalmente são antecipadas ao mercado em relação à sua efetiva entrada em vigor.

Encontrou-se também evidências de um forte impacto negativo do aumento do custo do preço relativo dos bens de capital, medido como a razão entre deflator da

formação bruta de capital fixo e o deflator do PIB, sobre as taxas de investimento em relação ao PIB. Isso mostra que esse preço relativo manteve um amento no período de 1995-2004 (apesar de não tão pronunciado quando o aumento verificado na década de 80) impactando negativamente os investimentos. O aumento do preço relativo dos bens de capital no período 1995-2004 pode ainda estar ligado a estruturas de oligopólios em setores relevantes da economia brasileira que levariam a preços mais elevados e a ineficiências de produtividade.

Houve também evidência do efeito positivo da maior utilização de capacidade industrial sobre as taxas de investimento, o que explicaria um caráter fortemente pró- cíclico da economia brasileira em que os investimentos seriam maiores em momentos de maior utilização da capacidade instalada existente. Sendo assim, a manutenção de um nível de ociosidade média relativamente elevado durante o período de 1995-2004 também seria um dos motivos da não recuperação das taxas de investimento. Desde o início de 2005 essa ociosidade diminuiu drasticamente, o que leva a crer que isso possa ser um impulsionador recente para as taxas de investimento.

Um ponto importante a se destacar é que, tanto no modelo anual de longo prazo quanto no modelo trimestral com dados recentes (pós-plano Real), foi encontrada evidência empírica do efeito negativo da taxa de juro real sobre os investimentos privados e totais, mas de magnitude muito pequena quando comparada aos efeitos anteriormente descritos.

Outro ponto em comum dos resultados das duas formulações é a obtenção de evidência para o efeito de inércia forte nos investimentos, com resultados bastante significativos e de magnitudes relevantes para as variáveis de investimento com uma defasagem.

Há ainda o fato de que a variável de inflação foi significativa no modelo anual mais longo, mas perdeu significância estatística no modelo com dados trimestrais mais recentes, no período de estabilização macroeconômica pós-plano Real.

Finalmente, dada a forte evidência empírica do efeito negativo da carga tributária sobre os investimentos, fez-se um levantamento de caráter comparativo entre as cargas tributárias de diversos países no que diz respeito à natureza de incidência dos impostos arrecadados, separando entre impostos sobre bens e serviços

(produção) e impostos sobre patrimônio e renda. O levantamento mostra que o Brasil é um dos países com maior peso de arrecadação sobre o setor produtivo (57%) e peso muito pequeno sobre patrimônio e renda (29%), ao contrário de países como os EUA, em que a arrecadação sobre patrimônio e renda é a parcela mais representativa (chega a 73%). Assim, defende-se o argumento de que além da magnitude elevada da carga tributária brasileira, sua alocação é desfavorável aos investimentos privados, pesando muito sobre o setor produtivo e incentivando a informalidade.

Neste trabalho foram obtidas evidências empíricas para alguns fatores que consideramos fundamentais para explicar a não recuperação das taxas de investimento pós-1994, mesmo com o controle inflacionário desde então e com o tripé macroeconômico básico - câmbio flutuante, superávit primário consistente e inflação controlada - desde 1999. Mas não é intuito desse trabalho esgotar todas as possibilidades de explicação para essa evidência dos investimentos, até porque as possibilidades de explicação possíveis são muitas. Novas evidências empíricas de outras possíveis variáveis explicativas seriam tema para uma extensão deste trabalho.

Documentos relacionados