• Nenhum resultado encontrado

Nesse trabalho, indivíduos de Astyanax lacustris foram submetidos a diferentes condições ambientais de desenvolvimento com o objetivo de avaliar o efeito da temperatura e do fluxo de água no estabelecimento do fenótipo durante a ontogenia. Os fenótipos morfológicos, osteológicos e a expressão gênica foram comparados entre os grupos amostrados em diferentes estágios ontogenéticos, permitindo inferir respostas plásticas aos sinais ambientais manipulados em laboratório e avaliar a quantidade de variação fenotípica revelada em diferentes condições de desenvolvimento. Os resultados obtidos indicam uma associação entre a quantidade de variação fenotípica revelada e os sinais de temperatura e fluxo de água no ambiente de desenvolvimento, sugerindo interações entre os diferentes componentes ambientais que podem promover diferenças na magnitude das respostas plásticas. Os resultados obtidos tornam evidente que a temperatura do ambiente de desenvolvimento afeta a magnitude das respostas plásticas do fenótipo morfológico desencadeadas por diferenças no fluxo de água, influenciando também as trajetórias ontogenéticas percorridas e potencializando variações nas sequências de ossificação. Adicionalmente, os níveis de expressão gênica de genes associados com o desenvolvimento das estruturas ósseas variaram conforme as condições de desenvolvimento e segundo a janela ontogenética. Os resultados desse trabalho corroboram o potencial do ambiente de desenvolvimento em influenciar a distribuição e a magnitude da variação fenotípica dentro de uma população, como discutido por Sears (2014).

A morfologia externa de indivíduos adultos de Astyanax lacustris provenientes de populações naturais congrega estruturas que variam conjuntamente em uma mesma direção. As variáveis morfológicas que mais contribuem para a variação intraespecífica observada referem-se à altura e largura do corpo e do pedúnculo caudal, à largura da cabeça, e ao comprimento da nadadeira peitoral. Para avaliar se parte dessa variação reflete respostas plásticas decorrentes da condição ambiental experimentada durante o desenvolvimento, larvas dessa espécie com 12 dias pós-eclosão foram submetidas a diferentes condições de desenvolvimento que integraram sinais de temperatura e fluxo de água. Como resultado, observamos que a temperatura durante o desenvolvimento influenciou taxas de crescimento e diferenciação dos indivíduos, corroborando estudos anteriores que relataram taxas mais rápidas em peixes que se desenvolvem em temperaturas mais altas (Koumoundouros et al., 2001, 2009; Chalde et al., 2011;

Dolomatov et al., 2013; Jonsson & Jonsson, 2014). O fluxo de água nas condições de desenvolvimento também afetou as taxas de crescimento e diferenciação, e peixes que se desenvolveram nas condições ambientais com fluxo de água apresentaram taxas mais rápidas de crescimento do que aqueles provenientes de ambientes sem fluxo de água. Tal diferença provavelmente relaciona-se com demandas energéticas de natação e maleabilidade das estruturas ósseas (Peres-Neto & Magnan, 2004; Suniaga et al., 2018). As normas de reação da altura do corpo e altura do pedúnculo em relação ao fluxo de água do ambiente de desenvolvimento também foram influenciadas pela temperatura, e os resultados do presente trabalho apontam um efeito cumulativo resultante do conjunto de diferentes sinais ambientais ao longo do estabelecimento do fenótipo (ver Bonini- Campos et al., 2019).

Assim como demonstrado por Peres-Neto (2004) e Fischer-Rousseau (2010), no presente trabalho os peixes que se desenvolveram em ambiente com fluxo de água apresentaram uma menor altura relativa do corpo ao final do período de manutenção em laboratório, quando comparados com os peixes das condições sem fluxo de água. Esses padrões morfológicos revelados por plasticidade corroboram com o que foi descrito para Salvelinus, nesse grupo os indivíduos que se desenvolveram em ambientes com fluxo de água apresentaram menor altura relativa do corpo quando comparados aos peixes que se desenvolveram em ambientes sem fluxo de água (Peres-Neto & Magnan, 2004) e também para Oncorhynchus, nesses peixes o fluxo de água do ambiente de desenvolvimento afetou significativamente os fenótipos morfológicos revelados, com destaque para os padrões associados às janelas ontogenéticas (Fischer-Rousseau et al., 2010). Também foram observadas diferenças na altura do pedúnculo caudal em relação ao fluxo de água - em temperaturas altas os peixes que se desenvolveram na presença de fluxo apresentaram pedúnculos relativamente mais baixos em comparação com os peixes que se desenvolveram na ausência de fluxo de água, assim como observado por Peres-Neto (2004), enquanto na temperatura baixa as respostas plásticas apresentaram padrão inverso. Essa diferença no padrão dos fenótipos revelados relacionada ao regime térmico do ambiente de desenvolvimento pode indicar uma influência da temperatura sobre as respostas plásticas desencadeadas por outros fatores ambientais durante o estabelecimento do fenótipo.

Além do efeito da temperatura e do fluxo de água nas taxas de crescimento e diferenciação, peixes mantidos em diferentes condições de desenvolvimento diferiram

nas magnitudes de variação existente nos fenótipos morfológicos revelados, um padrão sugerido por Mabee (2000) e Cloutier (2010), sendo a quantidade de variação morfológica incrementada em condições de desenvolvimento com temperatura alta. A partir da análise dos coeficientes de variação, o presente trabalho demonstrou que há maior variação no fenótipo morfológico revelado em temperaturas altas, sendo a temperatura um possível potencializador dos efeitos das respostas plásticas. Adicionalmente, os peixes que se desenvolveram em condições com presença de fluxo de água, tanto em temperaturas altas quanto em temperaturas baixas, apresentaram menor coeficiente de variação quando comparados aos peixes que se desenvolveram em condições sem fluxo de água, indicando que a presença de um sinal ambiental perturbador, como o fluxo de água, pode não apenas direcionar as respostas plásticas, mas também influenciar a quantidade de variação dentro de uma população, produzindo formas mais parecidas entre si quando comparadas aos fenótipos estabelecidos em condições de desenvolvimento sem a presença desse sinal ambiental.

A quantidade de variação também diferiu ao longo das janelas de desenvolvimento, um padrão relatado por Grünbaum (2007), Georga (2010) e Podrabsky (2010), que sugeriram que algumas janelas ontogenéticas seriam mais sensíveis que outras, de forma que o efeito dos sinais ambientais poderia diferir quantitativamente conforme o estágio. Essa ideia pode ser exemplificada levando em consideração o efeito que as condições ambientais de desenvolvimento exerceram no crescimento alométrico dos peixes estudados. Tanto a altura do corpo quanto a altura do pedúnculo caudal apresentaram uma alometria positiva em relação ao tamanho do corpo, mas as inclinações das retas de alometria diferiram entre grupos em determinados estágios. Em algumas janelas ontogenéticas, como entre 33 e 42 DPE, observou-se maior diferença entre as relações alométricas dos fenótipos revelados pelas condições ambientais, enquanto no início do desenvolvimento, aqui representado pelo período entre 21 e 33 DPE, as retas de alometria não diferiram entre si. O mesmo foi observado para a homogeneidade das variâncias: o comprimento do corpo, a altura do corpo e a altura do pedúnculo caudal diferiram na quantidade de variação morfológica dentro de uma condição de desenvolvimento em comparação com as outras, principalmente nos estágios finais do desenvolvimento.

As condições de desenvolvimento também influenciaram as trajetórias ontogenéticas e os tempos de condrificação e ossificação, corroborando as ideias

propostas por Sfakianakis (2004), Cloutier (2010) e Fiaz (2012). Especificamente, peixes que se desenvolveram na condição com Temperatura Alta Com Fluxo de água apresentaram os menores tempos de ossificação para a maioria das estruturas das nadadeiras peitoral, anal, dorsal, caudal e pélvica, enquanto os peixes que se desenvolveram na condição com Temperatura Baixa Sem Fluxo de água apresentaram os maiores tempos de ossificação. Assim como observado por Sfakianakis (2011) em peixes do gênero Pagellus, os indivíduos que se desenvolveram em temperaturas mais altas apresentaram menores tempos de condrificação e ossificação. Adicionalmente, os resultados desse trabalho corroboram com trabalhos anteriores que descrevem mudanças significativas no tempo absoluto de condrificação e ossificação dos elementos ósseos do pós-crânio relacionadas ao fluxo de água do ambiente de desenvolvimento. Os elementos ósseos condrificaram e ossificaram mais cedo nos indivíduos que se desenvolveram em ambientes com presença de fluxo de água, assim como descrito em Salvelinus (Cloutier et al., 2010) e em Danio rerio (Fiaz et al., 2012).

Os peixes que se desenvolveram em diferentes ambientes de desenvolvimento também diferiram nos níveis de expressão de genes relacionados com processos de ossificação e resposta ao estresse mecânico durante o desenvolvimento, um resultado que pode ter forte relação com a variação do fenótipo morfológico e das sequências de ossificação observadas nos peixes da espécie Astyanax lacustris, como sugerido em outras espécies de peixes (McClelland et al., 2006; Hu & Albertson, 2017; Politis et al., 2017). Os resultados do presente trabalho corroboram o que vem sendo discutido atualmente na literatura acerca do efeito da temperatura e do fluxo de água no estabelecimento do fenótipo em peixes de água doce, corroborando que ambos influenciam o fenótipo morfológico, as sequências de ossificação e a expressão gênica ao longo da ontogenia. Nossos resultados também acrescentam à discussão o efeito das condições ambientais na quantidade de variação revelada. É fundamental reconhecer que estas variantes plásticas estariam sujeitas a processos de Seleção em populações naturais, e que esses processos integram a combinação de diferentes sinais ambientais ao longo do estabelecimento do fenótipo com seu efeito nas médias fenotípicas ao longo de várias gerações. Essa complexidade das interações, direções e magnitudes das respostas plásticas são de suma importância na compreensão do papel do ambiente como indutor de variação e a alocação dos processos de desenvolvimento e da

Plasticidade Fenotípica no processo evolutivo (West-Eberhard, 2003; Pfennig et al., 2010; Lofeu & Kohlsdorf, 2015; Hendry, 2016).

A avaliação dos efeitos do ambiente no estabelecimento do fenótipo pode nos ajudar na compreensão de hipóteses evolutivas concebidas dentro das ideias de plasticity-first, respostas plásticas não adaptativas e trajetórias evolutivas guiadas por Seleção Natural (Schlichting & Smith, 2002; Young, 2013; Ghalambor et al., 2015; Levis & Pfennig, 2016). Posicionar o ambiente não apenas como seletor da variação expressa, mas também como indutor de variantes fenotípicas reveladas no desenvolvimento é imprescindível para o entendimento amplo e integrado dos mecanismos e processos evolutivos (West-Eberhard, 2003; Lofeu & Kohlsdorf, 2015). O presente trabalho corrobora a influência do ambiente no surgimento de variantes fenotípicas em Astyanax lacustris, e coloca em foco as diferentes possibilidades intrínsecas do desenvolvimento e suas relações com os sinais ambientais, contribuindo para ampliar e fundamentar empiricamente o arcabouço conceitual na fronteira entre a Biologia do Desenvolvimento, a Ecologia e a Evolução.

Documentos relacionados