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2. ASPECTOS SUBJETIVOS QUE PERMEIAM O ESPAÇO

2.3. Discussões acerca da relação homem x mulher no ambiente

Os estudos de gênero sempre levantaram importantes discussões sobre a relação natureza-cultura, trabalho-família, público-privado, dominação-submissão entre homens e mulheres nos mais diversos contextos sociais. Gênero é o modo de dar significado às diferenças produzidas socialmente, extrapolando as distinções anatômicas e biológicas do sexo (SARTORI, 2004).

A categoria sexo foi substituída por gênero com o objetivo de sublinhar o caráter social, econômico e político das diferenças entre homens e mulheres. A intenção era desnaturalizar as formas sexuadas de subordinação e abrir um leque de estudos para nele incluir todos os aspectos da vida feminina, inclusive aquelas pertinentes à história dos homens (CARVALHO, 2008, p.19).

As funções exercidas pela mulher perante a família estiveram associadas durante muito tempo à reprodução social e cultural: coube a ela cuidar dos filhos e da casa. Já os estudos de gênero procuravam demonstrar que se tratava de polos articulados dentro de uma rígida posição hierárquica que desqualificava as atribuições públicas e o poder informal das funções femininas exercidas no âmbito formal (CARVALHO, 2008).

Segundo Freyre (2004), a sociedade patriarcal do inicio da colonização foi marcada pela exploração da mulher pelo homem. Com uma diferenciação exacerbada dos sexos, o homem tinha toda a liberdade, maior oportunidades e contatos diversos, enquanto a mulher ficava restrita ao serviço doméstico, ao contato com os filhos, as amas e aos escravos. A mulher patriarcal no Brasil era responsável pela coordenação de todas as atividades domésticas, seu lazer era restrito a ida a igreja e as festas religiosas.

A cultura material, atuando de forma associada às ações, sentidos e aos valores, oferece condições de visibilidade da relação entre objetos domésticos e formação de identidades sociais diferenciadas pelo gênero. No caso masculino, esta relação entre objeto e corpo acontece de acordo com o princípio da auto referência no que diz respeito às necessidades pessoais, físicas e intelectuais. Para as mulheres esta mesma relação é caracterizada pela baixa capacidade de individualização e a forma extensiva de apropriação do espaço doméstico. Portanto:

Os dois formatos de identidade de gênero estão associadas funções sociais, padrões corporais, sentidos, valores e ações igualmente diversas (CARVALHO, 2008, p.25).

A ordem masculina sempre se remeteu ao universo de trabalho. Indo além dos limites da casa, sua figura sempre esteve relacionada ao progresso da cidade. As publicidades do início do século XX demonstravam imagens de homens no escritório de bancos e empresas e, no âmbito doméstico, suas atribuições demonstravam prestígio, dando destaque para os escritórios domésticos. Os objetos masculinos dentro da casa refletiam a espacialidade e temporalidade da casa, fazendo referência a uma dimensão nacional. Já a imagem feminina estava presente de forma difusa em toda a casa, era de sua responsabilidade todas as atividades domésticas.

A síntese corporal entre a mulher e os objetos domésticos acontece de uma forma específica, diferente da masculina [...]. Essa forma diferenciada de interação implica funções igualmente diferenciadas para a mulher no ambiente doméstico. A presença feminina está em cada objeto da casa, não apenas manutenção, mas no arranjo de objetos no espaço, nas matérias-primas escolhidas, na educação dos empregados (CARVALHO, 2008, p. 105).

Portanto, a imagem do homem e da mulher no espaço doméstico era distinta: enquanto a mulher predominava em toda a casa, o homem possuía ambientes restritos e relacionados com símbolos de prestígio e superioridade social. É na casa e na ação de seus usuários que pode se estabelecer o “gênero do espaço”, do objeto e do próprio corpo. Segundo Carvalho (2008), a natureza do gênero se dá por meio da ação corporal e a forma de viver e perceber o mundo que está impregnada de determinantes sexuais. As representações de gênero transcendem o espaço

formal, para integrar a constituição da identidade dos personagens no próprio momento de suas ações.

A fragilidade da mulher e a imponência e superioridade do homem são aspectos históricos que estiveram intrinsecamente inseridos nos pensamentos e posturais sociais dos indivíduos. Desde a escolha de um cardápio até o mobiliário, tinham função de distinção entre homens e mulheres, para os homens alimentos fortes e suculentos, para as mulheres os frágeis e leves.

No início do século XX a mulher era obrigada a trabalhar gerenciando os empregados e supervisionando as tarefas. O sistema doméstico era formado por um conjunto de regras que visavam estabelecer uma regularidade no trabalho das esposas, filhas e empregadas. Havia uma rotina composta por uma sequencia de atividades, das quais faziam parte atividades de manutenção, produção de objetos de decoração, preparação de alimentos e reprodução dos saberes domésticos e tais atividades eram entendidas como treinamento e disciplinamento.

As relações sociais são marcadas pela questão do gênero, regulando as relações entre homens e mulheres, permeando as relações de poder através das convenções culturais e sociais da sociedade. Historicamente, a sociedade contempla modelos de famílias em que homens e mulheres exercem papéis diferentes. Por vários séculos a mulher foi vista como frágil e incapaz, determinando sua maneira de pensar e de agir. Esta identidade foi elaborada historicamente de acordo com o sistema de dominação vigente (SANTANA, 2010).

Segundo Santos (2009), a valorização da figura feminina no lar vem à tona com o inicio do movimento moderno no país. O crescimento da industrialização aliadas ao desenvolvimento tecnológico deu uma nova dinâmica no espaço doméstico e as mulheres passaram a ser alvo de destaque nos anúncios publicitários da época. Os novos produtos, materiais e eletrodomésticos precisavam ser vendidos e a forma de entrarem no lar foi através das cozinhas.

A mulher entrou no mercado de trabalho por necessidade econômica e de concretização pessoal, em resposta ao impulso pela igualdade difundido pelo movimento de mulheres nos anos 1960 e 1970. A aquisição de direitos políticos e civis foram alvo das reinvindicações dos movimentos feministas, com um ideal de sociedade igualitária (SANTOS, 2009).

O lugar da mulher na sociedade mudou. Houve a democratização da vida sexual, a diminuição da distância entre os papéis: masculino e feminino, a entrada em massa da mulher no universo do trabalho e tantas outras coisas que revolucionaram a situação tradicional homem/mulher. No século XXI não se vê a extinção das diferenças sexuais, entretanto, depois de séculos de dominação cultural masculina, a mulher vem assumindo, cada vez mais, lugar de destaque (SANTANA, 2010).

A mulher contemporânea trabalha fora, cuida dos filhos, administra a casa e o marido. Seu salário é extremamente importante na renda familiar e ela não mais é vista como frágil e a eterna dona de casa. Como passa a maior parte do tempo no trabalho, ela designa uma empregada doméstica para realizar tarefas como: preparação de alimentos, limpeza da casa, lavagem de roupa e todas as demais atividades em uma residência; ou deixa os filhos na creche e limpa sozinha, ou divide o trabalho doméstico com o marido. Portanto, o ato de cozinhar e realizar todas as tarefas domésticas não é mais exclusivo e voltado somente para a esposa.

Novos formatos familiares geram mudanças no campo da habitação. O aumento no número das separações e a diminuição do tamanho médio da família fizeram com que se processasse uma alteração de papéis, devido, muitas vezes, a ausência do chefe (sendo ele pai ou mãe). Uma das principais alterações é a redistribuição da autoridade familiar. O aumento do número de mães trabalhando fora de casa e contribuindo, em muitas vezes, da mesma forma que o pai para o sustento da família põe em cheque a estrutura familiar nuclear, baseada na tradicional divisão sexual do trabalho (TRAMONTANO, 1998). Para a pesquisa será considerado o modelo tradicional, casal com filhos.

O gênero reforça e determina fatores da vida cotidiana dos sujeitos através da construção de valores, ideologia, práticas e comportamentos. O espaço doméstico se mostra um ambiente de grandes possibilidades, permitindo pensar e criar formas diversas de atuação capaz de influenciar o desenvolvimento de novas práticas e novos hábitos para os homens. Nos dias de hoje não se pode afirmar a existência de “homens donos de casa”, assim como de “mulheres donas da casa”, pois esta denominação não altera e alarga suas imagens e representações acerca do ambiente doméstico como um lugar de homens e mulheres. O comportamento masculino tem demonstrado uma maior flexibilização em suas ideias, posturas e

concepções, movidos por diferentes contextos e atingindo de forma distinta os sujeitos e o espaço.