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2. ASPECTOS SUBJETIVOS QUE PERMEIAM O ESPAÇO

2.4. Relação Pessoa-Moradia

Uma pessoa pode ser estudada como um ser que percebe, conhece, imagina, sente ou atua, e a moradia vai atuar como um envoltório para o ser humano, acolhendo suas experiências e vivências individuais e coletivas no espaço, lidando com os seguintes contrastes: dentro e fora; familiar e estranho; sagrado e profano; repouso e movimento; privado e público; ordem e caos (DOVEY apud VILLA, 2013).

A relação pessoa-ambiente se torna complexa na medida em que o ambiente de vida do ser humano é um produto de sua criação, e além dos aspectos físicos e biológicos englobam as interações do indivíduo com o espaço, suas percepções e cognições, tendo na psicologia ambiental respaldo científico e o desenvolvimento de métodos que torne o estudo possível.

A moradia passa a ser um reflexo da evolução da civilização representando o estágio tecnológico, o modo como o individuo interage com o ambiente e as peculiaridades de suas relações internas. Nela se sobrepõem vários modos de contabilizar e dimensionar o tempo, acompanhando cada fase de vida do morador e as vivências do ciclo familiar. Além das características materiais e de experiência presente, a moradia guarda o passado por meio de lembranças, memória. Mudanças e detalhes de diferentes usos, gerada pela carga emocional relacionada ao apego ao lugar e seu importante papel de guardar lembranças de tempos remotos.

A psicologia ambiental estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as inter-relações entre a pessoa, o ambiente físico e social, ela reconhece a necessidade de estudar o apego ao lugar. Os espaços cotidianos promovem processos de significação e identificação das pessoas com o ambiente. A residência pode ser considerada um espaço de referência para a construção de um sentido de proteção e segurança, fazendo com que o sujeito imprima sua marca atribuindo novos significados e percepções sobre o lugar.

Segundo Giuliani (2004), o apego ao lugar caracteriza-se pela presença de afetos que as pessoas sentem de diversas maneiras, em relação aos lugares e acontecimentos que vivenciam como também às pessoas que fazem parte destes locais. O autor ressalta a importância de três processos que geram o sentimento de apego, a satisfação da necessidade da pessoa com a predominância de componentes cognitivos e de sua relação funcional com o ambiente; os significados dos lugares em nível simbólico e físico com relação à identidade da pessoa; e por último, o período de residência e familiaridade com ênfase nas questões emocionais, de segurança e bem estar que propicia nas pessoas. As vivências permitem que as pessoas e o ambiente desenvolvam um laço afetivo que diferencia determinado lugar dos demais, a residência atua como um dos principais ambientes no campo do apego ao lugar, pois é nela que os indivíduos passam grande parte da sua existência. Para a apropriação das pessoas nos ambientes, comportamentos específicos como privacidade, identidade e personalização se fazem necessários. Cada pessoa com seu capital cultural distinto personaliza seu espaço a fim de diferenciá-lo.

Para Lee (1977), toda pessoa tem sua percepção relacionada com a área espacial a qual ocupa, suas ações são influenciadas não só pelas espécies de ações que se deseja realizar, mas pelo alcance dos sentidos, o comprimento dos braços e a distância que a voz pode alcançar, o gosto particular absorvido com o paladar, e a percepção individual de cada um pode fazer com que as ações sejam vivenciadas de formas distintas.Uma das principais características da aplicação do conceito de espaço pessoal é que a maioria de suas manifestações é sentida e entendida de forma diferenciada e particular e podem variar conforme os grupos culturais.

Outro conceito abordado por Lee (1977) para estudar o comportamento sócio espacial humano e o de comportamento territorial, para ele território é “uma estruturação do espaço estático (através do qual se movimenta o espaço pessoal) e cujo respeito à pessoa experimenta “certo” sentimento de posse” (p.47). As pessoas tendem a apresentar manifestações de possessividade sobre o seu refúgio, elas se deslocam livremente entre numerosos territórios que se sobrepõem e parecem reconhecer essas invasões. A territorialidade é adquirida e ramificada, certo grau de

espaço é requisito prévio para qualquer atividade humana fazendo com que cada um estabeleça seu próprio território seja ele demarcado ou não.

Quanto mais vivência o indivíduo tem no ambiente, maiores serão os elementos subjetivos que agirão para a ação final do usuário, pois não são apenas os aspectos construtivos do ambiente que determinam o modo como as pessoas se comportam nele. Quanto maior a vivência no local mais as pessoas se sentem familiarizadas e confortáveis naquele lugar, de modo que a percepção acontece de dentro para fora; quando o ambiente é novo, o usuário tem que observar os detalhes em um processo de percepção que ocorre de fora para dentro (ELALI&PINHEIRO, 2013).

Além da apreensão sensorial, envolvendo elementos apreendidos e codificados em nossa memória associados a estímulos sensoriais, a experiência ambiental percorre um processo psicológico diferenciado em cada pessoa. Assimilado pela sensação, depois pela percepção, cognição e memória criando ações em resposta para cada uma delas de acordo com seu capital cultural. Cada etapa de percepção ambiental é condição para a existência da seguinte. O cotidiano de nossas experiências é constituído de diversas reações, desde as mais simples até as mais sofisticadas com a combinação de processos sensoriais, perceptuais e cognitivos se sobrepõem, se combinam ou até mesmo se confundem (ELALI&PINHEIRO, 2013).

Para compreender como os indivíduos interagem e entendem o espaço, mais especificamente o setor de serviço dos apartamentos de alto padrão, é preciso vivenciar o ambiente no seu cotidiano, analisando como ele funciona e como se dão suas correlações sociais. O setor de serviço das habitações é palco de muitas atividades essenciais para a manutenção do habitat doméstico. Quanto maior for a vivência espacial, seja dos donos da casa e da empregada, distintas serão a forma de relacionamento e entendimento do ambiente. Com as observações do dia-a-dia pode-se sugerir que a empregada doméstica entende e utiliza mais o setor de serviço (cozinha / lavanderia / dependência de empregada) do que os donos da casa que usam quando há necessidade e nas folgas da funcionária. Apesar de serem donos do ambiente e agirem como tal, não são eles que lidam e usufruem maior tempo do espaço.

As atitudes que cada indivíduo tem perante o seu espaço, também demonstram e faz entender o que ele espera do mesmo e qual a relação deste com o meio. Para a cozinha gourmet essa dinâmica é diferenciada, uma vez ela seja usada esporadicamente, a empregada tem o dever de fazer a limpeza no dia a dia, nessa cozinha o uso de utensílios e materiais, na maioria dos casos, é restrito e exclusivo dos patrões, o que sugere um comportamento e uma apropriação territorial diferenciada.

Identificar atitudes, analisar comportamentos, sentimento de posse pelo espaço, funcionalidade e apego ao setor de serviços se torna necessário para a pesquisa, pois, através da análise de todos esses fatores, será possível entender a dinâmica espacial e as atitudes intrínsecas ao modo de pensar e agir dos indivíduos e como se dá reflexo dos hábitos, costumes, gostos e modos de vida no âmbito espacial.

Em função da resposta humana procurada e o modo de atuação do pesquisador, Elali e Pinheiro in Villa & Ornstein (2013) desenvolveram alguns métodos e técnicas de pesquisa utilizadas nos seus estudos, sobre as relações pessoais e ambiente amparada pela psicologia ambiental, os quais foram aplicados nesse trabalho. Referente à resposta humana procurada foi feita uma subdivisão em comportamento, sentimento/emoções, percepção/cognição e atitudes/preferências. Com relação aos modos de atuação do pesquisador foram definidas as seguintes funções: agente ativo no registro, podendo ser o pesquisador; distância temporal entre registro e evento, podendo ocorrer antes, durante, ou depois do acontecimento que interessa a pesquisa; elemento registrado, podendo ser verbal e não verbal; e o modo de obtenção da informação que pode ser direto e indireto.

Através da explanação dos aspectos subjetivos que permeiam o espaço e suas inter-relações foi possível elaborar uma metodologia que atingisse os fatores simbólicos e a distinção entre gostos e estilos de vida demonstrados por Pierre Bourdieu. A evolução dos gêneros feminino e masculino enquanto determinantes para entender a dinâmica residencial; e por fim, os aspectos da relação dos indivíduos com a moradia até a criação de métodos para pesquisa no âmbito da psicologia ambiental.

O conceito de poder e status podem ser trabalhados para compreender como os indivíduos de alta renda, mesmo que de forma não intencional, deixam

transparecer através de gestos e comportamentos o poder simbólico dos objetos, gostos e modos de vida como forma de elevação do status social. Com esse estudo será possível entender certas relações com determinados ambientes e o posicionamento com relação a outros.

A relação entre o poder versus o gênero é uma discussão que detém em seu cerne uma herança escravocrata e paternalista que se reflete na dinâmica social atual, onde o pai é o provedor da casa e a mãe a cuidadora do lar. O sentimento do homem e da mulher e as apropriações espaciais distintas serão primordiais para a análise dos resultados obtidos. Para esse estudo específico da classe social de alta renda, a hipótese segundo a qual o homem tem a cozinha gourmet para exibir à sociedade enquanto a mulher ainda tem soberania na cozinha funcional e no restante do setor de serviço, será confirmada ou não em decorrência da análise que será realizada.

Através do estudo sobre pessoa e ambiente foi possível entender que cada indivíduo interage de forma diferente com o espaço em decorrência de sua relação com o mesmo.

3. APLICAÇÃO DA AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO E O SETOR DE SERVIÇO