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Discussões preliminares sobre o uso de casos

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Capítulo IV – MÉTODO PARA ANÁLISE

4.1 Discussões preliminares sobre o uso de casos

Não é preciso levantar justificativas rigorosas para reconhecer as lacunas diante de escolhas pautadas apenas por uma, digamos, “caseficação” de competências e habilidades. De um lado, isolar variáveis e desprezar contextos diferentes na tentativa de “replicar possibilidades” podem representar um erro grosseiro; de outro, ignorar diferentes caminhos pouco explorados e seguir por “trilhas seguras” nos afastam da serendipidade – um termo de origem inglesa frequentemente associado à inovação e que, segundo Mario Bunge (2007, p. 192, tradução nossa), é um “descobrimento acidental, boa sorte em termos cognitivos”, ainda que a importância dada a esse tipo de acaso não deva “ser exagerada, pois provavelmente um investigador que não está preparado não vai notar o excepcional”98.

Pode parecer uma visão simplória e pouco relevante, mas o fato é que, se, quando confrontada, a visão corporativa que valoriza exemplos chamativos carece de argumentos, o que deve ser considerado em uma pesquisa baseada em casos, mesmo sendo um instrumento construído e aprimorado a cada nova utilização? Especialmente no contexto das apropriações tecnológicas no Jornalismo, onde o que se vê na Web “não é exatamente o que se esperava” no final dos anos 1990: enquanto pesquisadores apresentam novas questões, “os ativos das novas tecnologias são, em grande parte, ignorados ou pelo menos implementados em um ritmo muito mais lento do que tinha sido anteriormente sugerido em redações” (STEENSEN, 2009, p. 1, tradução nossa)99

. Uma das principais referências no método, o cientista social Robert K. Yin (2009) acredita que essa visão pode estar na confusão entre “estudo de caso como ensino e pesquisa”. Ao contrário da ação de um professor em sala de aula (ou em prospectos de um profissional de comunicação), na qual os casos podem ser deliberadamente alterados para demonstrarem um ponto particular, “todo pesquisador que adota estudos de caso deve trabalhar duro para relatar todas as evidências adequadamente” (YIN, 2009).

O trabalho pioneiro de Kathleen M. Eisenhardt (1989), em consonância com o de Robert K. Yin, apresenta uma outra justificativa plausível para a elaboração de

98

Versão original: “Serendipia: descubrimiento accidental; buena suerte en temas cognitivos. Su importancia no debe exagerarse, pues probablemente un investigador que no esté preparado no advertirá lo excepcional”.

99

Versão original: “The assets of new technology are for a large part ignored or at least implemented at a much slower rate than had been earlier suggested in online newsrooms”.

inferências a partir de uma seleção consistente de ocorrências – ações em torno de uma ideia que pode ser definida como “caso”:

Há momentos em que pouco se sabe sobre um fenômeno e nos quais as perspectivas atuais parecem inadequadas, pois ou há pouca comprovação empírica, ou uma entra em conflito com a outra ou com o senso comum. Às vezes, serendipidades em um estudo teórico sugerem a necessidade de uma nova perspectiva. Nessas situações, a construção de teoria a partir de um estudo de caso é particularmente apropriada, pois ela não se baseia em literatura anterior ou em evidências empíricas anteriores (EISENHARDT, 1989, p. 548, tradução nossa)100.

A visão da autora se encaixa com a problemática envolvendo a indexação e a recuperação de informação jornalística em bases de dados estruturadas por metadados, o que bastaria para justificar essa escolha. Seu artigo, no entanto, faz referência a pesquisas voltadas à compreensão de organizações. Até por conta disso, dentro das Ciências Sociais Aplicadas, a área de Administração utiliza estudos de caso para a elaboração e discussão de teorias. Também é nessa área que as críticas ao método são mais frequentes.

Um estudo conduzido por pesquisadores europeus em bases de artigos publicados em dez revistas influentes na área (GIBBERT; RUIGROK; WICKI, 2008) revelou inquietação com o volume de estudos preocupado com a validação de seus próprios conceitos e processos metodológicos, em detrimento a questões externas e generalizações. Em uma abordagem parecida, pesquisadoras do Rio Grande do Sul avaliaram especificamente trabalhos publicados nos anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (OLIVEIRA; MAÇADA; GOLDONI, 2009). Elas evidenciaram a inexistência de elementos capazes de indicar rigor na realização dos estudos, notadamente lacunas entre coleta e resultados, entre outras lacunas que subentendem ausência de entendimento em relação aos conceitos básicos do método. Tal preocupação é semelhante à de Martins (2008, p. 10), que enumerou deficiências consideradas sérias em um grande número de pesquisas orientadas por esse método: “análises intuitivas, primitivas e impressionistas, não

100

Versão original: “There are times when little is known about a phenomenon, current perspectives seem inadequate because they have little empirical substantiation, or they conflict with each other or common sense. Or, sometimes, serendipitous findings in a theory-testing study suggest the need for a new perspective. In these situations, theory building from case study research is particularly appropriate because theory building from case studies does not rely on previous literature or prior empirical evidence”.

conseguindo transcender a simples relatos históricos, obviamente muito afastados do que se espera de um trabalho científico”.

Campomar (1991, p. 97) observava o aumento (e as fraquezas) de trabalhos calcados com esse método na Administração – na mesma medida em que estimulava sua utilização “sem se intimidar por possíveis preconceitos” –, bem como identificava sua presença na área da Educação. Nesse contexto, a confusão entre o uso de casos para ilustrar afirmações ou a coleta e validação de dados sem sistematizações claras aumentam a quantidade de “não estudos de caso”. Não seria incorreto afirmar que as razões de sua escolha possam ser fundamentadas por limitações de recursos, dificuldade de acesso aos objetos de pesquisa, custos e tempo de duração da investigação. Também podem ser influenciadas por uma falácia: a do “método ser mais fácil, próprio para iniciantes”. Além de menosprezar o rigor que o método exige, o descuido nesse processo representa um problema ainda mais grave para uma proposta de pesquisa: o isolamento.

Ao não situar seu estudo na discussão acadêmica mais ampla, o pesquisador reduz a questão estudada ao recorte de sua própria pesquisa, restringindo a possibilidade de aplicação de suas conclusões a outros contextos, pouco contribuindo para o avanço do conhecimento e a construção de teorias. Tal atitude frequentemente resulta em estudos que só têm interesse para os que dele participaram, ficando à margem do debate acadêmico (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 639).

Na visão de Meyer (2001), tais críticas exigem que o pesquisador evidencie a justificativa para a escolha do método, bem como seus processos de condução – ou seja, que torne explícitas as balizas usadas para a coleta e análise de dados. Mesmo distante dos problemas de pesquisa comuns à Administração, o mesmo cuidado se aplica ao Jornalismo, ainda mais se lembrarmos da “universalidade do fenômeno, a complexidade das teorias, a multiplicidade dos autores e a diversidade de metodologias” (MACHADO, 2010, p. 22).

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