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2.2 DISFAGIAS

2.2.2 Disfunção Cognitiva

O conceito de disfunção cognitiva é abrangente (dificuldade de pensar, concentrar, de falar, lembrar), e nem sempre com definição precisa. Em termos gerais pessoas com alterações cognitivas estão sujeitas a apresentar maior dificuldade ao executar um ou mais tipos de atividades mentais do que o indivíduo com capacidade mediana. A maioria das alterações cognitivas têm como base algum tipo de disfunção biológica ou fisiológica do indivíduo (RAIT

et al., 2005; MARTIN et al., 2008).

A existência de disfunção cognitiva nos doentes com ataxia espinocerebelar degenerativa apesar de ser um conceito recente foi descrita em sete tipos de AECs (1,3,8,13,17,19,21,). Entretanto, o conjunto de investigações realizado neste domínio, aponta para a existência de disfunções

cognitivas específicas nos doentes com doença degenerativa do cerebelo (BUGALHO et al., 2006; TEIVE, 2009). Segundo Teive & Arruda (2009), a disfunção cognitiva, ocorre em uma parcela considerável de AECs, particularmente na doença de Machado - Joseph (AEC 30), que é a forma de AEC mais comum encontrada no mundo.

Estudos isolados apontam que a doença cérebrovascular seria também um fator de risco para perdas cognitivas mínimas. Pacientes em pós-acidente vascular cerebral e aqueles com demência podem não apresentar as habilidades cognitivas para reconhecer ou compreender o risco da disfagia orofaríngea presente (PETERSEN, 2005; FREITAS et al., 2007).

A correlação entre essas mudanças neuropatológicas com os sintomas cognitivos é bem estabelecida. Portanto, alterações nas habilidades cognitivas, devem ser consideradas no atendimento dos pacientes, uma vez que é um fator de risco para a evolução da disfagia orofaríngea. As alterações fonoaudiológicas incluem amplo espectro de distúrbios de comunicação e de deglutição que contribuem para a perda da funcionalidade e independência nesses sujeitos (FREITAS et al., 2007).

Fatores cognitivos como a atenção, agitação e o déficit de memória interferem na introdução e no progresso da ingestão oral, fazendo com que pacientes que possam apresentar alterações nessas funções necessitem de via alternativa de alimentação por mais tempo e/ou mudanças no volume e consistências da dieta.

Em estudo realizado por Padovani et al., 2008, mostrou que os pacientes com acometimento neurológico apresentaram piores resultados na avaliação da deglutição e na possibilidade de alimentação por via oral, sendo que muitas dessas alterações estiveram relacionadas ao quadro cognitivo- comportamental. Concluiram que as alterações neurológicas e, principalmente, os déficits nas habilidades cognitivas causados pela lesão devem ser considerados na avaliação da função de deglutição e no gerenciamento da disfagia, uma vez que esses são fatores de risco para aumento da freqüência e gravidade deste distúrbio.

Gomes (2001) avaliou 123 pacientes com diagnóstico de doença cerebrovascular complicada por disfagia orofaríngea e encontrou como um dos fatores preditivos de pneumonia de aspiração o rebaixamento cognitivo em 57

(99,7%) pacientes sendo que destes 21(58,3%) apresentaram pneumonia por aspiração. Furkim (2003) avaliando clinica e videofluoroscopicamente doentes com paralisia cerebral do tipo tetraparética espástica também encontrou que o rebaixamento cognitivo foi um fator de risco para as penumonias aspirativas de repetição. A cognição preservada, o estado de consciência parecem ser aspectos importantes para que o indivíduo se defenda de possíveis aspirações traqueobrônquicas de alimentos, saliva ou secreções.

Em especial na demência, é descrito a piora da função da deglutição concomitantemente à deterioração intelectual, inciando na maioria das vezes na fase intermediária da doença. Isso faz com que as refeições sejam cada vez mais prolongadas, tornando a fase oral da deglutição lentificada e inadequada. Com a evolução da doença, a disfagia orofaríngea agrava-se, sendo indicada uma via alternativa de alimentação, visando minimizar os riscos de aspiração de alimentos, o que é frenquentemente causa de morbidade e mortalidade (JORGENSEN, 2007; ROMERO, 2008).

Estudos realizados com oito pacientes com doença de Alzheimer com queixa de disfagia orofaríngea e que foram analisados pela videoendoscopia da deglutição, revelaram que esses sujeitos apresentaram acúmulo excessivo de alimento tanto em região de valéculas epiglóticas como em recessos piriformes. De todas as consistências testadas, a que apresentou mais acúmulo foi na consistência pastoso em 100% dos casos, seguido do líquido em 87,5% e na consistência sólido em 62,5% dos casos, podendo o acúmulo variar de leve a severo (GURGEL et al., 2008).

Em estudo realizado por Freitas et al., (2007) para Investigar o número de pacientes com disfagia orofaríngea atendidos no Núcleo de Atendimento Domiciliar Interdisciplinar (NADI), definindo seu grau, bem como a investigação das habilidades cognitivas dos mesmos, mostrou que dos 153 pacientes avaliados, 64% apresentaram disfagia orofaríngea e 52% alteração de linguagem. Dos que apresentaram disfagia orofaringea 32% apresentaram disfagia discreta, 18% disfagia discreta a moderada e 18% disfagia moderada a grave. Quanto às habilidades cognitivas, 64% dos pacientes apresentaram alterações de memória, orientação e julgamento. Concluem que a alta porcentagem de pacientes com disfagia orofaríngea, alteração de linguagem e habilidades cognitivas comprometidas levam os profissionais a ostentar a

necessidade de intervenções preventivas e mantedoras da funcionalidade, com a participação da família e cuidadores, para que não haja aparecimento de pneumonia, que é um risco para a saúde do idoso, principalmente aqueles com diagnóstico de demência.

2.2.3 Distúrbios do Movimento

2.2.3.1 Coreia

A coreia consiste em movimentos involuntários, irregulares, espasmódicos conhecidos como “movimentos de dança”, de breve duração e sem sequência definida, que ocorre devido à disfunção dos corpos estriados que afetam principalmente as extremidades do corpo e da face (CAMPOS et

al., 2002).

A atetose é o fluxo contínuo de movimentos lentos, sinuosos, de contorção, geralmente nas mãos e nos pés. A coreia e a atetose podem ocorrer simultaneamente (coreoatetose) devido à lesão ocorrida na região dos ganglios basais do cérebro (BARRATT-BOYES, 1990).

A coreia pode estar presente em três dos diversos tipos de ataxia espinocerebelar AECs (1,2,26). Os sintomas incluem a perda generalizada de tônus, movimentos espasmódicos ou contorcidos anormais na região facial e/ou no tronco e extremidades; protrusão da língua, movimentos oculares aleatórios, inexistentes durante o sono (ROBINSON & SAMIELS, 1988). Colaborando com as consequências do impacto na função da deglutição desses distúrbios motores tem-se o estudo de Henrique (1999) que avaliou videofluoroscopicamente a deglutição de pacientes com paralisia cerebral do tipo coreoatetósica e encontrou como padrão a grave instabilidade cervical e incoordenação da fase oral, complicando muito a situação alimentar.

Alguns destes sintomas favorecem o surgimento da disfagia orofaríngea nesses indivíduos, pois a língua atua como base na organização do alimento e como êmbolo de pressurização durante a ejeção. Na coréia, devido à presença dos movimentos involuntários e irregulares, o comprometimento de sua função motora, principalmente quanto à coordenação dos movimentos com as outras estruturas envolvidas, causa redução de pressão da ejeção, o que compromete ainda mais a sua eficiência. Desse modo, o alimento pode acumular tanto em cavidade oral quanto em cavidade faríngea, ocasionando neste segundo caso alterações na ausculta cervical durante ou após a deglutição (COSTA, 1998).

2.2.3.2 Distonia

A distonia é decorrente de uma disfunção no cérebro que ocorre no gânglio da base. Esta síndrome está presente em quatro tipos de AECs (1,2,3,6). As síndromes distônicas são caracterizadas por espasmos musculares involuntários que produzem movimentos repetitivos ou posturas anormais, alguns músculos contraem de forma excessiva e involuntária produzindo movimentos e posturas distônicas (FAHN, 1984; DEFAZIO et al., 2004, TEIVE, 2005).

Estas são classificadas de acordo com a etiologia, idade de início, distribuição ou localização. Quanto à localização pode ser classificada em: focal (quando afeta apenas uma região do corpo), segmentar (quando duas ou mais regiões contíguas são afetadas) e multifocal (quando duas regiões, ou mais, não contíguas são afetadas ou generalizadas) (FABIANI, 1999; RIEDER

et al., 2002).

As distonias apresentam diferentes tipos de localização, podendo estar associadas à distonia de músculos faciais, laríngeos e faríngeos. Quando a distonia atinge a musculatura do pescoço denomina-se distonia cervical (DC). O acometimento focal da musculatura laríngea caracteriza a distonia laríngea, por contração inapropriada dos músculos cricoaritenóideos posteriores durante a fala.

Os espasmos apresentados pela distonia podem afetar os lábios, a boca, a língua e a mandíbula. O paciente normalmente apresenta dificuldade para abrir e/ou fechar a boca, mastigar, deglutir alimentos e articular as palavras. Ocorre ainda contração involuntária do complexo de músculos das pregas vocais, resultando em adução inapropriada, a fala apresenta timbre metálico. A voz encontra-se áspera, falhada, tenso-estrangulada, com interrupções na sonoridade, sussurrada; em conseqüência, o paciente com o progresso da doença pode desenvolver disfagia orofaríngea (BLITZER & BRIN, 1991; TEIVE et al., 2001; GODEIRO-JUNIOR, 2008).

A disfagia orofaríngea nos pacientes com distonia cervical não é facilmente percebida. Entretanto, quando são avaliados por videofluroscopia são observados 75% de casos com alterações de deglutição, de grau leve a moderado, em alguns casos compensado por manobras do pescoço e cabeça enquanto deglutem. Alguns pacientes previnem o efeito de movimentos súbitos do pescoço fixando a cabeça ou mudando a posição para anteroflexão durante a deglutição. Uma explicação para a disfagia orofaríngea ocorrida nesses pacientes é a posição anormal do pescoço, levando à assimetria da deglutição no período transitório; outra seria uma causa neurogênica, lentificando o início da deglutição (HORNER et al., 1993; ERTEKIN et al., 2002; CAMARGO et al., 2008 ).

Camargo et al., (2008) para identificar os aspectos clínicos e a resposta à toxina botulínica A (TxBA), avaliaram 81 pacientes com DC guiados pela eletroneuromiografia, a qual revelou que apenas dois pacientes apresentaram disfagia orofaríngea. Os autores concluíram que fatores como o baixo índice de disfagia orofaríngea na população avaliada podem estar relacionados a um maior número de pontos de aplicação botulínica nos músculos da farínge ou em ambos esternocleidomastóideos o que pode reduzir a incidência de disfagia orofaríngea.

2.2.3.3 Mioclonia

A mioclonia tem sido descrita como ocorrência de movimentos mioclônicos e distônicos com expressão isolada de uma condição neurológica

de caráter hereditário. São movimentos fugazes de excitação ou de relaxamento muscular que acarretam uma contração rápida e sincronizada dos músculos envolvidos. Os espasmos mioclônicos podem afetar a maioria dos músculos simultaneamente. Caracteriza-se por apresentar crises generalizadas de contrações musculares repentinas, incontroláveis e involuntárias de um músculo ou de um grupo muscular, com presença de demência progressiva (ALVES et al., 1994; QUADROS et al., 2000).

Em casos mais extremos, a mioclonia pode distorcer o movimento, alterando a marcha, movimentos involuntários do palato, músculos da língua e a faringo-laringe e que podem estar presentes nos períodos de tensão emocional e algumas vezes podem ser inibidos por esforço pessoal do paciente; a capacidade de comer e de falar encontra-se limitada e pode resultar em disfagia orofaríngea. Em geral esses sintomas ocorrem em pacientes com doenças degenerativas e no caso da ataxia espinocerebelar ela está presente em quatro tipos: AECs (2,19,24,26) (FABIANI et al., 2000; TEIVE, 2004).

A mioclonia palatal (MP), atualmente definida como tremor palatal (TP), é caracterizada clinicamente por contrações rítmicas e involuntárias dos músculos do palato mole que podem acometer a faringe, a laringe, a musculatura facial, os músculos supra-hióideos, o diafragma e os músculos intercostais. Pode ser de dois tipos: tremor palatal sintomático (TPS) e o tremor palatal essencial (TPE). Pode acometer indivíduos jovens que apresentam outros distúrbios neurológicos, e está associada a lesões do núcleo cerebelar ou do tronco cerebral, embora possa ser idiopática (MACKINNON, 1968; DEUSCHL et al., 1990).

O TPS acomete o músculo levantador do véu palatino por lesão na via denteador-rubro-olivar, clinicamente os movimentos involuntários são evidenciados na porção posterior do palato mole, devido a esse acometimento. No TPE o acometimento ocorre quando há o envolvimento do músculo tensor do véu palatino, sem lesão orgânica e este acometimento promove movimentos principalmente na sua porção palatal anterior. Clinicamente, exames de nasofibrolaringoscopia podem revelar contrações musculares rítmicas acometendo o palato mole, a faringe e a laringe e na palpação cervical, discretas elevações da laringe também podem ser observadas (DEUSCHL & HALLETT, 1994; MARTINS et al., 2003).

O TP não tem relação com a respiração ou o pulso, mas pode ser interrompido durante a fonação, a deglutição, manobra de Valsalva, a inspiração profunda e o ato de prender a respiração na inspiração. Em alguns casos as contrações rítmicas do palato mole, especialmente em sua porção anterior, podem cessar momentaneamente com a abertura excessiva da boca (MACKINNON, 1968; FITZGERAL, 1984; MARTINS et al., 2003).

O TP sintomático é acompanhado por um quadro clínico vasto corroborando para o desenvolvimento da disfagia orofaríngea por estar diretamente ligada a estruturas fonoarticulatórias. A disfagia orofaríngea pós- lesão cerebral é frequentemente associada à MP, mas a correlação entre esses dois sintomas ainda não é claro (DEUSCHL et al., 1990; SANCHEZ et

al., 2000; GOOSSENS et al., 2004).

Em estudo realizado por Goossens et al., (2004) com o objetivo de verificar a relação entre a MP e disfagia após lesão cerebral, por meio de exames clínico, radiológico e por videoendoscopia da deglutição, revelou que nos três casos, nos doze pacientes avaliados, a MP estava associada à diminuição da elevação laríngea e faríngea ocasionando aspiração levando a disfagia orofaríngea. Os autores concluíram que a disfagia pós-lesão de tronco cerebral é por vezes associada à MP e, em alguns casos, provavelmente há uma relação entre a MP e a deglutição desses pacientes.

2.2.3.4 Parkinsonismo

O parkinsonismo caracteriza-se pela degeneração dos neurônios pigmentados da substância negra, localizados nos gânglios da base cerebral, cujos sintomas resultantes refletem a depreção do neurotransmissor dopamina. Entretanto, outras aréas e estruturas podem estar acometidas durante o desenvolvimento da doença, mesmo fora do sistema nervoso central, dando ao parkinsonismo um caráter complexo e multissistêmico. Apresenta etiologia genética hereditária e pode ser do tipo autossômica dominante ou autossômica recessiva. Nas AEC pode manifestar-se em cinco tipos de AECs

(2, 3, 7, 17, 26). Manifesta-se em doentes mais jovens, por volta dos 35 anos de idade com evolução lenta e progressiva (MARTTILA & RINNE, 1981; COLCHER & SIMUNI, 1999).

Os distúrbios que acometem o parkinsonismo envolvem as estruturas responsáveis pela produção da fonoarticulação e deglutição. À medida que a doença progride, o paciente vai apresentando lentidão e rigidez das extremidades e o controle da posição da cabeça e do tronco podem interferir com a capacidade do paciente de alimetar-se, o que ocasiona a disfagia (KNOPP et al., 2002; YAMADA et al., 2004).

A deglutição torna-se passiva, o doente passa apresentar dificuldades na preparação e formação do bolo alimentar, a mastigação se torna lenta e ineficaz para líquidos e especialmente para alimentos sólidos, dificultando a deglutição e trazem importantes complicações ao quadro clinico como: o aumento do risco de penetração e aspiração laringotraqueal; desnutrição; complicações pulmonares; desidratação e desconforto ao se alimentar. No parkinsonismo a fala encontra-se mais lenta, mais baixa e menos precisa na articulação e necessita de maior esforço para se comunicar (KNOPP et al., 2002; LOGEMANN, 2007; FURKIM & SACCO, 2008).

2.2.3.5 Rigidez muscular e espasticidade

As definições utilizadas para rigidez muscular e espasticidade amplamente reconhecidas são:

“A rigidez muscular é definida como a razão entre a mudança na tensão

do músculo por unidade de mudança no seu comprimento, quando é alongado sem a presença de atividade contrátil” (BLACKBURN et al., 2004).

¨A espasticidade é uma alteração motora caracterizada por hipertonia e

hiper-reflexia, secundárias a um aumento de resposta do reflexo de estiramento, diretamente proporcional a velocidade de estiramento muscular¨ (LANCE, 1984; BARNES et al., 2003).

A espasticidade é uma das situações clínicas que mais impõe dificuldades ao processo de reabilitação, visto que impede a mobilização do músculo ou grupo muscular onde está instalada. Pacientes que apresentam doença degenerativa com a evolução do quadro tendem apresentar rigidez e espasticidade muscular, os movimentos voluntários tornam-se mais lentos, afetando cabeça, tronco e membros o que corrobora para o aparecimento da disfagia orofaríngea e disartria (LIANZA et al., 2001).

Furkim, Behlau, Weckx, em 2003, realizaram um estudo com crianças que apresentavam como diagnóstico paralisia cerebral tetraparética espástica. Foi avaliada 32 crianças por meio de avaliação clínica e videofluoroscópica da deglutição com ênfase na aspiração traqueal. O resultado mostrou importante comprometimento da fase oral. Na fase faríngea a aspiração, a incompetência velofaríngea e o resíduo em recessos faríngeos foram os achados mais encontrados. A aspiração predominou para líquidos, antes e durante a deglutição. Na avaliação clínica e na videofluoroscopia, a hiperextensão cervical foi à anormalidade postural mais encontrada.

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