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DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS 183 5.1.1 Legislação e normas brasileiras aplicáveis

2.1 A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A CADEIA PRODUTIVA CALÇADISTA

2.1.1 Disposições gerais e definições

A partir da sanção da Lei nº 12.305 (BRASIL, 2010a), ficou instituída no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que abrange todas as pessoas físicas e jurídicas responsáveis direta ou indiretamente pela geração de resíduos sólidos, bem como as que desenvolvem atividades relacionadas à gestão ou gerenciamento de resíduos sólidos.

Essa Lei apresenta as seguintes definições de resíduos sólidos, rejeitos, gerenciamento, gestão integrada de resíduos sólidos, e acordo setorial:

Resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.

Rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.

Gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei;

Gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável.

Acordo setorial: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto (BRASIL, 2010a).

Sobre a definição de resíduos sólidos, é oportuno destacar a observação feita por Ribeiro (2014, p. 110):

[...] o conceito de resíduos sólidos envolve um substrato material, que pode ser sólido, semissólido, gás contido em recipiente e, ainda, líquido, desde que não se caracterize como esgoto sanitário ou outro tipo de efluente que, após tratamento, possa ser coletado na rede pública de esgotos ou lançado em corpos d’água.

Além dessas definições, o artigo 3º da referida Lei contempla, também, várias outras que se torna oportuno destacar.

O conceito de ciclo de vida do produto, por exemplo, engloba as diversas etapas do desenvolvimento do produto, desde sua geração (composição de matérias-primas e processo de fabricação) até o consumo e a disposição final; a coleta seletiva de resíduos sólidos separados de acordo com sua constituição ou composição; a destinação final ambientalmente adequada, que envolve conceitos de reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e aproveitamento energético dos resíduos; a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, em que somente serão destinados a aterros os rejeitos, isto é, depois de esgotadas todas as alternativas economicamente viáveis de tratamento e recuperação dos resíduos.

Embora o conceito de valorização esteja implícito no conceito de destinação final ambientalmente adequada, a Diretiva da Comunidade Europeia apresenta a seguinte definição para as expressões “valorização” e “preparação para reutilização”:

Valorização: Qualquer operação cujo resultado principal seja a transformação dos resíduos de modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, teriam sido utilizados para um fim específico, ou a preparação dos resíduos para esse fim, na instalação ou no conjunto da economia.

Preparação para a reutilização: operações de valorização que consistem no controle, limpeza ou reparação, mediante as quais os produtos ou os componentes de produtos que se tenham tornado resíduos são preparados para serem reutilizados, sem qualquer outro tipo de pré-processamento (PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2008).

A referida Diretiva contempla, também, a hierarquia dos resíduos, que deve ser aplicada enquanto princípio geral da legislação e da política de prevenção e gestão de resíduos: 1º) prevenção e redução; 2º) preparação para reutilização; 3º) reciclagem; 4º) outros tipos de valorização; 5º) eliminação.

Retomando a legislação brasileira, ela apresenta, também, os conceitos de: geradores de resíduos, que contempla tanto pessoas físicas quanto jurídicas que gerem resíduos a partir de suas atividades, incluindo a de consumo; logística reversa, que envolve um conjunto de ações com vistas à viabilização da coleta e restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial para reaproveitamento ou destinação final ambientalmente adequada; e responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, em que toda a cadeia produtiva (fornecedores

de matéria-prima, fabricantes, distribuidores, varejistas, consumidores), bem como os serviços públicos de limpeza são responsáveis por reduzir o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados e por sua destinação e disposição final ambientalmente correta, respectivamente.

O conceito de responsabilidade compartilhada também está explicitado no artigo 5º do Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010 que, diz: “Os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos são responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos” (BRASIL, 2010b). O referido Decreto destaca que essa responsabilidade compartilhada será implementada de forma individualizada e encadeada.

Torna-se oportuno, então, destacar que a cadeia produtiva do couro tem origem na pecuária, área em que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), o Brasil se insere com destaque pelo fato de possuir o maior rebanho bovino comercializável do mundo.

A Figura 1 ilustra a cadeia produtiva do calçado de couro. Os integrantes da cadeia destacados em cinza referem-se aos atores envolvidos diretamente ao mercado interno de comercialização de calçados de couro.

Após a cria e a engorda dos animais, o próximo elemento da cadeia produtiva é a indústria de abate e processamento de carnes, que “participa de forma relevante na atividade econômica brasileira, no tocante ao volume de produção e exportações e a capacidade de geração de empregos, cerca de 500.000 empregos diretos” (DIAS; CASTRO, 2011, p. 39). Segundo dados divulgados pelo IBGE (2012a), em 2011, foram abatidas 28,814 milhões de cabeças de bovinos no Brasil.

Após o abatimento do bovino, o couro é removido e encaminhado à indústria de curtimento, que também é um setor de relevância econômica para o país:

O setor heterogêneo da indústria curtidora do Brasil contando com mais de 800 empresas é formado na sua grande maioria por microempresas familiares, vários curtumes médios e alguns grupos grandes e inclusive pela maior empresa curtidora no cenário mundial (ABQTIC, 2011, p. 6).

Durante o ano de 2011 foram adquiridas 34,140 milhões de peças de couro inteiras de bovino, quantidade 18,5% superior ao total de cabeças abatidas. Essa diferença corresponde a quantidade de animais abatidos em estabelecimentos não inspecionados, cujos couros foram destinados aos curtumes. Em décadas passadas, esse número, que era superior a 30%, vem caindo nos últimos anos devido à maior fiscalização e formalização da cadeia produtiva (IBGE, 2012a).

Figura 1 – Cadeia produtiva de calçados de couro. Fonte: adaptado de Fensterseifer (1995, p. 25).

Após o curtimento, a cadeia produtiva tem sequência nas indústrias de calçados, outro setor de relevância econômica no Brasil. De acordo com Guidolin, Costa e Rocha (2010, p. 148), “No Brasil, a indústria de calçados sempre teve relevância para a economia, com a geração de emprego e renda nos diferentes polos produtivos espalhados pelo país”.

Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (ABICALÇADOS, 2012b), o Brasil está organizado em polos produtores de calçados espalhados em diversos

estados, dentre os quais se podem destacar: o estado do Rio Grande do Sul, com intensa produção de calçados e artigos de couro, tendo como principais polos os localizados no Vale do Rio dos Sinos, no Vale do Paranhana, e na Serra Gaúcha; os polos calçadistas no estado do Ceará, que se especializaram na fabricação de chinelos, sandálias e sapatos de plástico ou borracha; e os polos do estado de São Paulo, localizados na região de Birigui, especializados em calçados infantis, na região de Jhau, especializados em sapatos femininos, e na região de Franca, conhecida como a maior fabricante de calçados masculinos do país.

Em síntese, a estrutura do setor calçadista no Brasil, conforme dados divulgados pela Abicalçados (2012b), é constituída por uma grande variedade de fornecedores de matéria- prima, máquinas e componentes. Além disso, é constituída, também, por indústrias calçadistas distribuídas da seguinte forma: em torno de 2.400 indústrias de componentes, mais de 800 empresas especializadas no curtimento e acabamento do couro, cerca de 130 fábricas de máquinas e equipamentos e 7.830 fábricas de calçados, das quais 31% produzem calçados de couro.