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2 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA: DELIMITAÇÃO LEGAL DO INSTITUTO E

2.1 Coisa julgada: visão geral e delimitação legal

2.1.1 Distinção entre coisa julgada material e coisa julgada formal

Ainda que não se trate de uma classificação da coisa julgada – vez que apenas uma o é verdadeiramente47 –, a doutrina costuma distinguir a coisa julgada formal da material

47 Neste sentido, o entendimento de Ovídio A. Baptista da Silva: “Antes de penetrarmos nos problemas atinentes

propriamente à coisa julgada, é necessário advertir que iremos tratar do que a doutrina denomina coisa julgada material, para distingui-la de um conceito próximo, conhecido como coisa julgada formal, que outra coisa não é

com o intuito de verificar a abrangência de seus efeitos. Preliminarmente, importante ressaltar que ambas são institutos típicos da ciência processual, mas não por isso deixam de ser máximas dos preceitos constitucionais de segurança jurídica.

A coisa julgada formal é considerada uma modalidade de preclusão, pois seu efeito é o de tornar imutável, ao longo do processo, certa decisão em razão da inexistência ou perda do prazo de recurso capaz de impugná-la. É a cristalização de um ato decisório no interior de uma relação processual por conta de sua irrecorribilidade.

A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas nela não se exaure48. A coisa julgada material – doravante designada apenas como coisa julgada – opera- se não no campo interno do processo, mas, sim, na sua imutabilidade e indiscutibilidade perante os demais juízos, de modo a vincular, dentro dos limites do instituto, os demais órgãos julgadores ao reconhecimento judicial anteriormente transitado em julgado. Daí retiram-se as diferentes áreas de atuação sobre as quais operam os efeitos da coisa julgada a depender da natureza que se observa, se formal ou material:

Quando se alude à indiscutibilidade da sentença judicial fora do processo, portanto em relação a outros feitos judiciais, o campo é da coisa julgada material, que aqui realmente importa e constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se nota, é

endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro

da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual, ou seja, seus efeitos repercutem fora do processo.49

Esta repercussão extraprocessual decorre da impossibilidade de que uma mesma relação jurídica seja passível de dupla ação da lei, ou seja, de que seja duas vezes disciplinada pela via do processo, o que poderia gerar decisões (e relações jurídicas) conflitantes. A esta proibição atribui-se o brocardo latino bis de eadem re ne sit actio50, a qual, por via de consequência, promove os efeitos positivo e negativo da coisa julgada, a saber:

senão a impossibilidade da alterar-se, na mesma relação processual, o resultado alcançado pela sentença. Trata- se, portanto, de uma forma de preclusão, que cobre a sentença de que não caiba recurso algum. Não se trata de verdadeira coisa julgada, tal como este conceito vem sendo estudado pela doutrina.” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 322)

48 “A estabilidade da decisão no processo em que foi prolatada aparece como pressuposto lógico e indispensável

à configuração do instituto da coisa julgada material, na medida em que apenas após se ter ela tornado imodificável no processo em que foi proferida é que poderá, por via de consequência, também vir a ser imutável e indiscutível perante os demais.” (PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 69)

49 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. Curso de processo civil. v. 2. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 630.

Dessa forma, possível definir que a doutrina, modus in rebus, reconhece à coisa julgada uma qualidade ou virtude impeditiva, vale dizer, cria ela a impossibilidade de que venha a existir novo julgamento envolvendo a demanda apreciada. A isso, denomina-se função ou efeito negativo. Contudo, resulta viável também a circunstância de que um dos litigantes pretenda se valer do que foi decidido em novo julgamento, ou, dito de outra forma, pode ser que um dos demandantes queira fundamentar (substanciar) nova pretensão exatamente na coisa julgada. Essa possibilidade é designada como função ou efeito positivo da coisa julgada.51

Como se observa, a coisa julgada é uma necessidade do Estado Democrático de Direito, pois impossibilita, salvo exceções expressas da lei, que se rediscuta o mérito de certa ação. Se assim não fosse, viabilizar-se-iam novos julgamentos de decisões já decididas aos mandos daqueles que estão no poder, sejam estes do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, situação na qual pairaria estado de incerteza acerca do futuro da relação jurídica anteriormente formada pelo trânsito em julgado da sentença e, eventualmente, até mesmo do passado desta, vez que a desconstituição da coisa julgada pode operar efeitos ex tunc.

Não por menos, ao buscar um estado de certeza, evitando-se a oscilação da relação jurídica, o instituto mostra-se de extrema essencialidade à pacificação social – função precípua do direito processual civil –, pois joga pá de cal à lide processualmente instaurada para lhe dar a resolução justa possível dentro do ínterim processual razoável, blindando-a das oscilações políticas supervenientes.

Assim, sendo um obstáculo ao questionamento do disposto em sentença sem mais recursos oponíveis, imprescindível delimitar a sua área de incidência para averiguar quais os casos nos quais haverá a formação da coisa julgada, bem como em quais situações poderá ser desconstituída a sentença transitada em julgado para que lhe seja dado novo rumo diante da relação jurídica existente entre os litigantes.