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2 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA: DELIMITAÇÃO LEGAL DO INSTITUTO E

2.2 Ação rescisória: visão geral e delimitação legal

2.2.5 Prazo de decadência da ação rescisória e o início de sua contagem

A ação rescisória, como instrumento excepcional que é, não pode ser manejada a bel-prazer das partes. Devem-se respeitar as suas hipóteses de cabimento, bem como os requisitos de sua admissibilidade, nestes incluso o prazo para sua propositura.

O artigo 495 do CPC/1973 prevê que “o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”112. Como se vê, o termo é exato, mas há uma problemática quanto ao momento em que se iniciaria o fluxo do prazo decadencial, pois o trânsito em julgado de certos capítulos pode ocorrer antes do que outros, por sua não recorribilidade113. A incerteza quanto ao início do prazo deu azo a

111 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 13. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 205-206.

112 Destaque-se que há outras previsões de prazo em leis esparsas que não vêm ao caso no estudo proposto, tal

como ocorre na Lei n° 6.739/1979, que em seu artigo 8°C prescreve o prazo de 8 anos para ação rescisória de processos que digam respeito à transferência de terras públicas rurais.

precedentes colidentes entre duas das mais importantes cortes de uniformização do ordenamento pátrio, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A Súmula n° 401 do Superior Tribunal de Justiça sintetiza o ideário com o qual está esposado: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Entendendo contrariamente, o Supremo Tribunal Federal, por meio da sua Súmula n° 514114, aduz que o termo inicial do prazo decadencial ao qual se sujeita o direito à rescisão é o momento do trânsito em julgado do provimento rescindendo, sendo que recursos inadmissíveis não interfeririam no prazo.

A fim de se solucionar esta problemática, criou-se outra. O CPC/2015115 determina, em seu artigo 975, que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”. Portanto, privilegiou-se, na nova codificação, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, esta opção do legislador é extremamente criticada por gerar uma incongruência sistemática entre o momento de formação da coisa julgada – que pode ocorrer ao longo do processo – e o nascimento do direito à ação rescisória – que ocorre apenas com o trânsito em julgado da última decisão do processo. A problemática é exposta de forma clara por Fredie Didier Jr.:

O CPC adotou uma postura dúbia em relação ao prazo para a ação rescisória. [...]

Diante da redação do caput do art. 975 do CPC, a discussão, agora, passará a ser outra: há mais de um prazo, um para cada coisa julgada, ou o prazo é único?

O art. 975 do CPC fala em 'última decisão proferida no processo'. Esse trecho pode ser interpretado como a última decisão entre todas as decisões que podem ser proferidas no processo - na linha do que o STJ entendia -, ou como a última decisão sobre a questão que se tornou indiscutível pela coisa julgada - a decisão que substituiu por último (art. 1.008, CPC).

A valer a primeira interpretação, o prazo para a ação rescisória contra a decisão parcial seria indefinido, pois seu início dependeria do final do processo - enquanto o processo não terminasse, sempre seria possível propor ação rescisória contra qualquer coisa julgada parcial que se tenha formado durante a litispendência. Essa interpretação é, claramente, um atentado contra a segurança jurídica. Situações consolidadas há muitos anos poderiam ser, surpreendentemente, revistas.

[...]

114 Súmula n° 514 do Supremo Tribunal Federal: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em

julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”.

115 Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão

proferida no processo. §1° Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense. §2° Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. §3° Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

Se há coisa julgada parcial, há possibilidade de execução definitiva desta decisão; se o credor não promover a execução dentro do prazo prescricional, há prescrição intercorrente (art. 924, V, CPC). A coisa julgada parcial faz disparar, em desfavor do credor, o início do prazo prescricional, mas não faria disparar, em desfavor do devedor, o início do prazo decadencial para propor a ação rescisória? O credor passa a ter um prazo para executar e o devedor, um prazo indefinido para propor a ação rescisória. Essa situação é, claramente, uma ofensa ao princípio da igualdade.116

Em que pesem as opções oferecidas por Fredie Didier Jr., legem habemus. Constata-se que a norma foi suficientemente clara e seria inviável interpretá-la de outra forma senão aquela anteriormente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de vilipêndio da mens legis. Desta forma, deve-se entender pelo início do prazo decadencial ao momento em que for proferida a última decisão no processo.

Além desta, outras importantes novidades encontram-se nos parágrafos do respectivo artigo. A uma, se o prazo decadencial expirar em férias forenses, recesso, feriado ou outro dia que não haja expediente, restará prorrogado até o dia útil subsequente. A duas, a contagem do prazo nos casos de ação rescisória fundada em descoberta de prova nova ou, quando proposta pelo Ministério Público, em existência de simulação ou colusão entre as partes terá início, respectivamente, com a descoberta da prova nova, limitando-se o prazo a 5 (cinco) anos da prolação da última decisão judicial, e da ciência pelo parquet da simulação ou colusão.

Ante todo o exposto no capítulo, estabeleceram-se parâmetros que relacionam a coisa julgada (segurança jurídica), a ação rescisória (processo civil) e o tempo que lhes é pertinente. A partir destas abordagens pode-se construir as estruturas para se resolver o questionamento que justifica o presente trabalho: teria a ação rescisória uma função de igualar o entendimento de uma decisão transitada em julgado que esteja em desacordo com o da jurisprudência? É o foco do próximo capítulo.

3 AÇÃO RESCISÓRIA POR MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA