• Nenhum resultado encontrado

DG3-P Glicerol Liso PA PA

L- Cisteína Serina

6.1.7 Distribuição e transporte vesicular

A adaptação ao H2O2 durante 30 min alterou os níveis de diversas proteínas envolvidas em processos de distribuição e transporte vesicular em S. cerevisiae. Observou-se uma

125 diminuição de aproximadamente duas vezes dos níveis da proteína Vps4p na fracção da membrana plasmática. Esta proteína é um ATPase do tipo AAA regulada pela proteína Vta1p e é necessária para a manutenção da morfologia e da actividade de transporte endossomal tardio sendo, portanto, importante na distribuição de proteínas para o vacúolo. A Vps4p apresenta estruturas oligoméricas dependentes da hidrólise do ATP, tendo uma estrutura dimérica quando associada a ADP ou quando há ligação a nucleótidos, e uma estrutura decamérica quando ligada ao ATP (Babst et al., 1998). A proteína Vps4p pertence a uma família de proteínas que transportam proteínas ubiquitinadas e que formam complexos endossomais denominados ESCRTs (do inglês,

endosomal sorting complexes required for transport). Os complexos ESCRTs estão

envolvidos na formação dos MVB (do inglês, multivesicular bodies), que fazem parte do sistema endossomal, que coordena o tráfico intracelular entre os vários compartimentos subcelulares, incluindo o Golgi, a membrana plasmática e os lisossomas (Grossmann et

al., 2007). A perda da actividade de ATPase da proteína Vps4p leva à acumulação dos

complexos proteicos ESCRTs nos compartimentos endossomais, comprometendo a via de distribuição dos MVB. Esta proteína é pois uma proteína que desempenha um papel relevante na formação de complexos responsáveis pela eliminação de proteínas ubiquitinadas (Azmi et al., 2006; Piper e Katzmann, 2007).

A proteína Vps4p também está envolvida no transporte vesicular de lípidos (Wang et al., 2005), tendo sido observada a sua interacção com dois membros da família OSH (do inglês, oxysterol-binding protein homologue), as proteínas Osh6 e Osh7, que têm um papel muito relevante no metabolismo e regulação da distribuição de esteróis (Wang et

al., 2005). As proteínas da família AAA, a que pertence a proteína Vps4p, podem regular

o transporte de lípidos pelo controlo da associação/dissociação dos transportadores solúveis dos lípidos (Wang et al., 2005). As proteínas Osh6 e Osh7 interagem com a proteína Vps4p, ficando estas proteínas retidas nas membranas quando a função da Vps4p está alterada. Não é, pois, de estranhar que a proteína Vps4p apresente o seu conteúdo diminuído na membrana plasmática durante a adaptação das células de S.

cerevisiae ao H2O2, pois poderá estar a ser mobilizada para as diferentes estruturas do sistema endossomal que transportam quer os lípidos quer proteínas entre a membrana plasmática e os outros compartimentos celulares. Interessantemente, aos 90 min de adaptação ao H2O2 observaram-se alterações numa das proteínas pertencentes à família OSH – a Kes1p. A proteína Kes1p (ou Osh4p) pertence igualmente à família de proteínas OSH que estão implicadas no transporte de esteróis e desempenham uma função de sensores de esteróis (Fairn e McMaster, 2007). Nas nossas condições experimentais observou-se que aos 90 min de adaptação ao H2O2, a proteína Kes1p apresenta uma diminuição de 2,5 vezes nos seus níveis nas células adaptadas. A proteína Kes1p, bem como outras proteínas da família OSH, estão envolvidas no transporte não vesicular de

126 esteróis da membrana plasmática para o retículo endoplasmático. Actualmente ainda não é claro se este transporte é feito directamente por esta proteína ou por via indirecta, através da regulação dos níveis de fosfoinositóis, já que a inactivação da proteína Kes1p leva ao aumento dos referidos compostos (Fairn e McMaster, 2007; Raychaudhuri et al., 2006). Outro aspecto interessante, relativo à família de proteínas OSH, prende-se com o efeito que estas proteínas têm sobre a regulação dinâmica da actina necessária à endocitose, uma vez que se observa uma despolarização da actina e defeitos na endocitose em estirpes de levedura mutadas para a totalidade da família OSH e ainda efeitos sobre a promoção da polaridade celular via Cdc42p (Fairn e McMaster, 2007; Kozminski et al., 2006).

A proteína Kes1p sobressai da família OSH também por, somente ela, ultrapassar a função essencial da proteína Sec14p. A proteína Sec14p é uma proteína essencial envolvida no transporte de fosfatidilcolina/fosfatidilinositol que, quando ausente, leva à inexistência de transporte vesicular a partir do Golgi. Surpreendentemente, a mutação da proteína Kes1p (que está envolvida numa via não vesicular) obvia o efeito da mutação da proteína Sec14p (que está envolvida numa via vesicular) o que leva a concluir que esta proteína tem, para além das funções já atribuídas, uma função de reguladora específica da proteína Sec14p (Fairn e McMaster, 2007). A proteína Sec14p apresenta ainda alguma homologia com uma proteína de mamífero denominada SPF (do inglês, Supernatant

Protein Factor), que aumenta a epoxidação do esqualeno funcionando como uma

proteína transportadora deste composto (Shibata et al., 2001; Stocker et al., 2002). A proteína Kes1p apresenta então um papel importante na regulação do transporte vesicular no Golgi através da regulação dos níveis de PI-4P (4-fosfato-fosfatidilinositol) neste organelo, sendo que a própria síntese de PI-4P no Golgi é essencial para que a proteína Kes1p se localize neste mesmo organelo (Fairn e McMaster, 2007). Em face de todos estes dados é importante notar que os membros desta família de proteínas e, em particular a Kes1p, estão envolvidos numa grande variedade de processos celulares, que vão desde o transporte vesicular e não vesicular de lípidos à interacção com os fenómenos de polarização localizada. A diminuição observada na proteína Kes1p indica que poderá existir algum feedback negativo no transporte não vesicular, ou mesmo uma alteração ao nível do transporte vesicular de esteróis, como demonstrado pela já referida interacção entre as proteínas Kes1p e Sec14p.

A adaptação durante 30 min aumentou os níveis de uma série de proteínas envolvidas na manutenção estrutural e no transporte de proteínas (Gsp1p, Kar2p e Tom40p) e que, interessantemente, foram encontradas nas nossas condições experimentais, associadas à membrana plasmática de S. cerevisiae. A Gsp1p é um GTPase Ras-like, homólogo da proteína de Ran de mamíferos, e que está envolvida na importação nuclear de proteínas. Para além da manutenção da organização nuclear, a Gsp1p parece estar envolvida no

127 processamento e transporte de RNA (Kadowaki et al., 1993). Trabalho desenvolvido anteriormente (Stochaj et al., 2000) propõe que certos tipos de stress como, por exemplo, o stress oxidativo provocado por H2O2, induzem a libertação da Gsp1p das suas ligações nucleares, promovendo uma alteração no gradiente núcleo-citoplasma da Gsp1p. O H2O2 vai alterar a distribuição celular da Gsp1p inibindo a importação clássica de proteínas para o núcleo. Como se sabe, o stress oxidativo induz a relocalização de várias proteínas com actividade de cinase e de factores de transcrição para o núcleo, de modo a que a célula possa desencadear uma resposta celular a este stress (Jamieson, 1998). Um dos factores de transcrição que é deslocado para o núcleo, após tratamento com H2O2, é o Yap1p, que é necessário à indução de uma série de genes de resposta ao H2O2 como, por exemplo, o gene TRX2. Em células não sujeitas a stress, a proteína Gsp1p tem um papel importante na deslocação citoplasma/núcleo/citoplasma do Yap1p. Quando no núcleo a proteína encontra-se na forma Gsp1p-GTP a qual, juntamente com a exportina nuclear Cmr1p, vai transportar o Yap1p para o citoplasma. Já no citoplasma, para que o complexo anterior liberte o Yap1p, é necessário que se dê a hidrólise GTP/GDP catalisada pelo Gsp1p, originando a forma Gsp1p-GDP. Em condições de stress oxidativo provocado pelo H2O2, a proteína Yap1p vai formar uma ligação persulfureto intramolecular, o que vai impedir a associação do complexo Crm1p-Gsp1p-GTP. Deste modo, o Yap1p acumula-se no núcleo, para poder desempenhar as suas funções de factor de transcrição (Moye-Rowley, 2003). A importância da proteína Gsp1 é reforçada com a observação de alterações nos seus níveis também aos 90 min de adaptação ao H2O2. Contudo, relativamente a esta proteína observou-se um efeito bastante curioso que consiste num aumento dos seus níveis em membranas plasmáticas de células adaptadas ao H2O2 aos 30 min, seguido de uma drástica diminuição desses mesmos níveis aos 90 min (Quadro 36). Este fenómeno está provavelmente relacionado com o facto da proteína Gsp1p estar envolvida em fenómenos de transporte nuclear de proteínas durante a resposta ao H2O2, dado que com a adaptação a este oxidante ocorre uma distribuição da Gsp1p para o citosol sendo que em células controlo esta proteína se encontra maioritariamente no núcleo (Stochaj et al., 2000). Partindo destes dados pode-se colocar a hipótese de que, provavelmente, o fenómeno de importação nuclear é estimulado para tempos mais curtos de adaptação ao H2O2 e que aos 90 min ocorre uma diminuição dos níveis da proteína Gsp1p associada à membrana plasmática, já que a mesma se encontra provavelmente maioritariamente distribuída no núcleo, devido à sua função de importação de proteínas.

Os níveis da proteína Kar2p encontram-se aumentados (aproximadamente 2 vezes) na membrana plasmática das células adaptadas ao H2O2 durante 30 min. A proteína Kar2p é um ATPase essencial envolvido no transporte de proteínas para o retículo endoplasmático (RE) e pertencente à família HSP70 dos chaperones moleculares (Normington et al.,

128 1989; Rose et al., 1989). Assim, a proteína Kar2p desempenha funções de chaperone, actuando no folding de proteínas no RE e desempenhando um papel na exportação das proteínas solúveis do RE. Mesmo tratando-se de um tratamento com doses baixas de H2O2 (150 μM), uma dose em que os níveis de morte celular são baixos (Branco et al., 2004), o stress induzido pela adaptação deverá ser suficiente para provocar problemas na organização estrutural de algumas proteínas, que necessitam de ser reparadas, o que poderá justificar a indução desta proteína.

Também se observou um aumento muito considerável dos níveis da proteína Tom40p (cerca de 4 vezes) após adaptação ao H2O2 durante 30 min. Esta proteína, sem domínios transmembranares, faz parte do complexo TOM, responsável pela importação de proteínas através da membrana externa mitocondrial, estando inserida no complexo de poro que atravessa a membrana mitocondrial, permitindo a importação de proteínas através da membrana mitocondrial (Rapaport e Neupert, 1999). Mais uma vez, a ideia de estarmos perante proteínas classicamente não associadas à membrana plasmática é contrariada por vários estudos (Navarre et al., 2002; Pardo et al., 2000; Delom et al., 2006) onde foi observado claramente e consistentemente, a presença de uma série de proteínas sem domínios transmembranares associadas à membrana plasmática.