• Nenhum resultado encontrado

Divórcio parental: o vínculo construído com as figuras primordiais e com os

Capítulo III O divórcio parental: o cessar do casamento e o contínuo da

1. Divórcio parental: o vínculo construído com as figuras primordiais e com os

Hoje em dia, observam-se novos padrões relacionais no interior das famílias, em que o significado das relações ganha ênfase e os papéis divergem, adquirindo relevância o afeto e amor não só no seio familiar como também no que se refere ao próprio casal (Pereira & Arpini, 2012; Wagner & Levandowski, 2008; Wagner, Ribeiro, Arteche, & Bornholdt, 1999).

O casamento encarado na contemporaneidade enquanto resultado do amor entre dois indivíduos, ao invés do ―contrato de interesses‖, propicia maiores expectativas do casal, e por conseguinte, uma menor tolerância e permissividade face a condutas que não correspondem ao esperado. Neste sentido, pode considerar-se o surgimento frequente do divórcio como a valorização de uniões matrimoniais bem-sucedidas, que promovam bem-estar e harmonia entre o casal, em vez de casamentos ―suportados‖ por interesses e ―bem-estar social‖ (Féres- Carneiro, 1998, 2003). Todavia, dificuldades de fecundidade no seio do casal, traições, personalidades divergentes, papéis inconciliáveis, monotonia e saturação da rotina, alterações familiares, insatifação sexual, falta de amor, maus tratos físicos e psíquicos (Amaro, 2006), a inserção da mulher no mundo do trabalho (e consequente protagonismo profissional) e o término do estigma social (Giddens, 1997) são também fundamentos impulsionadores do divórcio.

O divórcio ou separação conjugal é visto como uma transição familiar similar a outras crises provenientes no ciclo familiar, representando uma crise acidental (Peck & Manocherian, 1995; Straube, Gonçalves, & Centa, 2003). Este acontecimento complexo promove transformações, incitando uma nova organização do sistema familiar, todavia perante o término da relação conjugal, a família enquanto instiuição persiste (Cano, Gabarra,

20

More, & Crepaldi, 2009; Carter & McGoldrick, 1995; Cerveny, 2002). A separação conjugal, é, assim, considerada a maior ruptura do ciclo vital da família, destabilizando todos os que se encontram envolvidos (Carter & McGoldrick, 1995; Romaro & Oliveria, 2008).

Ansiedade, stress, mágoa e tristeza são emoções e sentimentos, geralmente, despoletados numa fase inicial da separação pelos filhos de famílias divorciadas (Souza & Ramires, 2006). De acordo com Ramires (2004), este período persiste, comummente, por cerca de um ano, começando, posteriormente, a surgir uma diminuição da ansiedade e um maior bem-estar.

De acordo com Hines (2007) e Kelly e Emery (2003) durante o primeiro ano da separação parental, os jovens do sexo masculino apresentam mais problemáticas comportamentais do que as adolescentes do sexo feminino. Este facto poderá ser justificado pela perda que ocorre, frequentemente, na cultura ocidental da figura masculina no seio familiar diante de uma situação de divórcio em que os filhos ficam a viver com as suas mães (Hetherington & Kelly, 2002; Storken, Roysamb, Moum, & Tambs, 2005).

O contato menos frequente com a figura paterna propicia uma diminuição do relacionamento dos adolescentes com esta mesma figura. Moura e Matos (2008) num estudo cujo objetivo consistia em analisar a alteração da qualidade da vinculação às figuras parentais de acordo com a configuração familiar de 310 adolescentes, entre os 14 e os 18 anos de idade, observaram que os adolescentes provenientes de famílias divorciadas evidenciaram uma menor qualidade do laço emocional e ansiedade de separação unicamente para com a figura paterna comparativamente com os jovens de famílias intactas. Denotando-se, assim, que quando o pai sai de casa, o divórcio poderá promover uma quebra no relacionamento com a figura paterna (Moura & Matos, 2008; Sobolewski & Amato, 2007).

Ainda que, provalvelmente, essa seja uma das maiores alterações, não é unicamente essa a mudança na vida dos filhos cujos pais se separaram, ocorrendo também outras transformações significativas no seu dia-a-dia, nomeadamente: a mudança de casa, localização geográfica, a escola e perdas de amigos (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999).

A gravidade e durabilidade das consequências da separação parental presentes nos filhos encontram-se subordinadas a um conjunto de fatores protetores no âmbito individual, relacional, contextual e demográfico que circunscreverão o nível de resiliência destes indivíduos (Amato, 2001). Adolescentes resilientes prosseguem num desenvolvimento saudável perante acontecimentos como o divórcio, revelando uma maior responsabilidade, maturidade, autoconfiança e autoestima comparativamente com alguns jovens que não vivenciaram o mesmo acontecimento familiar (Amato, 1993, 2001; Kelly & Emery, 2003).

21 Como foi exposto no capítulo anterior, a constituição de uma base segura por parte das figuras parentais para com os seus filhos auxilia no desenvolvimento do processo resiliente dos adolescentes, tornado-se, assim, igualmente importante no que se refere à adaptação e superação dos jovens face ao divórcio parental (Amato, 2001; Dunn, 2004; Hack & Ramires, 2010; Ramires, 2004).

Hack e Ramires (2010, p. 94) salientam que ―(…) de modo geral (…) o divórcio parental passa a ser um fator de risco para os filhos, caso tenha se consolidado um afastamento entre eles e as figuras parentais. A sensação de abandono e desamparo cria uma situação de vulnerabilidade, propiciando o aparecimento ou a potencialização de desajustes. Porém, é preciso acrescentar que em muitos casos a fragilidade nos relacionamentos entre pais e filhos já é constatada muito antes do divórcio.‖ Neste sentido, o relacionamento existente entre pais e filhos baseado no carinho e segurança auxiliará no ajustamento saudável a este processo de divórcio parental (Hack & Ramires, 2010), porque ―tais mudanças tomarão como referência os modelos representacionais do ambiente e do self, estando alicerçadas nas interações vivenciadas‖ (Souza & Ramires, 2006, p. 39). Por sua vez, figuras parentais que demonstrem indisponibilidade promovem um vazio incondicional nos adolescentes (Mota, 2008).

Perante a separação do casal torna-se pertinente o contínuo das relações entre ambas as figuras parentais com os seus filhos, perseverando-as mesmo após o rompimento conjugal, sendo que a relação entre pais e filhos não termina (Brito, 2007; Dowling & Gorell Barnes, 2008; Féres-Carneiro, 1998; Souza, 1999).

A importância do contínuo destes vínculos familiares foi também sustentada pelo estudo longitudinal comparativo efetuado por Ruschena, Prior, Sanson e Smart (2005) em que foram avaliados jovens com idades compreendidas entre os 17 e os 18 anos filhos de pais divorciados. O estudo referenciado demonstrou que as dificuldades presentes nos filhos que vivenciaram esta situação familiar surgem diante do afastamento de uma das figuras parentais, em circunstâncias em que a relação com essa figura já se revelava distante antes do divórcio (Ruschena et al., 2005). Portanto, denota-se a relevância dos vínculos seguros estabelecidos com as figuras parentais antes da separação e a persistência dos mesmos após o divórcio parental (Hack & Ramires, 2010).

Todavia, além das figuras parentais também a fratria poderá funcionar como fator protetor diante da crise familiar advinda do divórcio parental, concebendo apoio, suporte e afeto entre si (Goldsmid & Féres-Carneiro, 2011). Facto sustentado pela investigação longitudinal realizada por Gass, Jenkins e Dunn (2007) com 192 crianças com o intuito de observar o papel dos relacionamentos fraternais na gestão dos acontecimentos de vida stressantes,

22

denotando que a fratria exerce um papel protetor perante a vivência de acontecimentos adversos. Dunn, Slomkowski e Beardsall (1994) apontam ainda que na presença de dificuldades no seio familiar os irmãos desenvolvem uma relação pautada por maior companheirismo, afeto, cooperação e amizade.

Esta relação fraterna baseada, essencialmente, no cuidado, proteção e afeto parece ser facultada, fundamentalmente, pelo irmão mais velho, sendo que, geralmente apresenta uma maior maturidade e um role de experiências, protegendo o irmão de situações adversas que já experienciou, perservando-o desse sofrimento pela sua identificação com os mesmos (Pereira & Arpini, 2012).

De acordo com Silveira (2002, p.109), ―no caso do divórcio e/ou da viuvez, a proximidade emocional tende a aumentar, assim como a frequência do contato e os comportamentos de ajuda. Igualmente, os irmãos costumam aproximar-se em outras situações de iminência de uma perda ou quando esta acontece realmente‖. Nesta pespetiva, Wagner (2002) salienta que os adolescentes provenientes de famílias reconstituídas demonstram uma relação fraterna mais pautada pela proximidade e intimidade do que os adolescentes provenientes de famílias intactas que revelam relacionamentos fraternos mais sustentados pela rivalidade e competição. Assim, diante de adversidades familiares, os irmãos funcionam como uma base segura, unindo-se uns aos outros, concebendo autênticas relações de cumplicidade e cooperação (Ainsworth, 1989; Delgado, 2004).

Ramires (2004) sustenta ainda que, a par da qualidade da vinculação, o desenvolvimento emocional, cognitivo e social dos filhos contribui para uma maior adaptação e eficácia no enfrentamento da separação parental. Portanto, a idade dos filhos também parece influir no seu ajustamento a esta nova dinâmica familiar.

Dado o seu nível emocional e cognitivo mais desenvolvido o adolescente aceita e compreende mais facilmente a separação parental do que as crianças. Mas, ainda que ostentem uma visão mais pragmática e compreensiva, os adolescentes podem despoletar sentimentos negativos e sintomas face a este acontecimento, como é o caso do isolamento e solidão (Hack & Ramires, 2010; Souza, 2000). Segundo Chase-Lansdale, Cherlin e Kiernan (1995) e Wallerstein (1983), na adolescência os filhos deparam-se com uma maior exposição aos conflitos possibilitando o seu comprometimento nos mesmos, por conseguinte, o receio da decomposição familiar e a confirmação da vulnerabilidade das figuras parentais pode propiciar nos jovens sentimentos de rejeição, negação e ansiedade. Além disso, perante o divórcio parental, o jovem adolescente pode também fortalecer uma prematura emancipação, fragmentando a idealização concebida de cada uma das figuras parentais (Cohen, 2002).

23 Assim, apesar da robustez das capacidades cognitivas, emocionais e sociais que possibilitam um maior entendimento da separação dos pais, os adolescentes deparam-se com duas complexidades: a própria etapa vital em que se encontram (a adolescência) e a crise familiar advinda da separação parental (Cano et al., 2009). Nesta perspetiva, Cano e colaboradores (2009) destacam a possível intensificação das dificuldades nos relacionamentos entre as figuras parentais e os seus descendentes nesta altura, uma vez que, tanto os pais como os filhos se deparam com a descoberta, a liberdade, a conexão com novos seres humanos e a envolvência sexual.

Porém, é de realçar que em casos em que os conflitos interparentais predominem no seio familiar, o divórcio promove uma maior harmonia e equilíbrio na dinâmica familiar e, consequentemente, um maior bem-estar nos filhos (Amato & Afifi, 2006; Benetti, 2006; Hetherington & Kelly, 2002; Kelly & Emery, 2003). Um ambiente familiar em que predomina o conflito parental revela efeitos perduráveis e contínuos nos jovens (e não propriamente o divórcio), tornando-se especialmente nefasto aquando da existência de violência física, avultando a probabilidade do despoletar de problemáticas comportamentais e emocionais graves (Moura & Matos, 2008; Souza, 2000). Por sua vez, constata-se, que o bem- estar dos pais e um relacionamento saudável entre si contribui para o bem-estar dos seus filhos (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Ramires, 2004).

Também Mota e Matos (2009), num estudo já referenciado anteriormente, denotaram que os adolescentes provenientes de famílias divorciadas em que os conflitos interparentais são reduzidos revelam uma maior resiliência do que os jovens pertencentes a famílias intactas em que imperam os conflitos interparentais. Portanto, na ausência de conflito interparental e na presença de uma relação saudável e equilibrada entre os filhos e os pais, os filhos pertencentes a famílias divorciadas, presumivelmente, poderão vir a tornar-se indivíduos competentes e bem-ajustados (Davies, Cummings, & Winter, 2004; Hetherington & Elmore, 2003; Papalia, Olds, & Feldman, 2004).

25