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Divórcio, vinculação aos pais e irmãos: desenvolvimento do processo resiliente e bem-estar psicológico

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Departamento de Educação e Psicologia Clínica

2º Ciclo em Psicologia Clínica

Divórcio, vinculação aos pais e irmãos: desenvolvimento do processo

resiliente e bem-estar psicológico

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Versão Final

Cátia Marisa da Silva Freitas

Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Departamento de Educação e Psicologia Clínica

2º Ciclo em Psicologia Clínica

Divórcio, vinculação aos pais e irmãos: desenvolvimento do processo

resiliente e bem-estar psicológico

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Cátia Marisa da Silva Freitas Orientação da Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

Composição do Júri:

Professora Doutora Otília Monteiro Fernandes Professora Doutora Rosangela Bertelli

Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

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(…) Temos a capacidade e, fundamentalmente a necessidade, de desenvolver diferentes tipos de vínculos ao longo de nossas vidas, construindo em diferentes situações, com diferentes pessoas, histórias que serão únicas, porque em cada uma delas damos e recebemos algo sempre diferente, “preenchendo” ou nos “esvaziando” “preenchendo” ou “esvaziando” ao outro, ou ainda nos completando mutuamente (…).

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Agradecimentos

É pela convicção, coragem, crença e curiosidade que chego ao fim de uma etapa tão árdua, mas tão aprazível, construtiva e enriquecedora. E este trabalho revelou, além de outras temáticas, a importância, essencialmente, dos meus pais para a construção de uma personalidade, ainda que ansiosa, curiosa, lutadora e firme perante os seus sonhos e motivações. A eles devo a possibilidade do percurso académico que realizei, a força e resiliência que demonstrei perante ―as pedras que se foram atravessando no caminho‖.

Ainda em jeito de partilha de conhecimentos adquiridos, devo também agradecer à minha grandiosa irmã pela paciência de aturar a sua irmã mais velha nos maiores momentos adversos da sua vida, partilhando a sua novata perseverança, serenidade e afeto fraterno que facilitou na diminuição da ansiedade e insegurança durante longos períodos de trabalho, investigação e estudo.

Não poderia deixar de agradecer, aos restantes elementos da minha família que sempre demonstraram o seu apoio, contribuindo para autoconfiança e crença que fui adquirindo.

E na pertinência dos relacionamentos entre pares e amorosos que vamos construindo ao longo do nosso desenvolvimento, que nos promovem um maior bem-estar, no auxílio, alegria, amor e companheirismo que nos prestam, tenho ainda que prestar os meus agradecimentos ao meu namorado e amigo Miguel Ribeiro. Companheiro, bom ouvinte, amigo, encorajador, confiante, paciente, afetuoso, atencioso…poucas serão as palavras para descrever o ser autêntico que tem sido comigo diante das minhas desavenças, ―dramas‖ e inseguranças académicas.

Às minhas sinceras e honrosas amigas Cláudia Silva e Cristina Pires pela escuta ativa (digna de boas profissionais), dedicação, atenção, paciência, firmeza, perseverança, confiança em mim… enfim toda a amizade que demonstraram ao me ―ampararem‖ em momentos de frustração, insegurança, ansiedade e receio! E aos restantes amigos que fui construindo e que à sua maneira sempre demonstraram o seu apoio e confiança no meu trabalho!

Às minhas companheiras Diana Lopes e Marisa Mendes pela resistência aos meus momentos de frustração e descrença, em que demonstraram sempre uma palavra amiga e de esperança.

À Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota pela ambição, atenção e dedicação demonstrada no sentido da procura de um maior empenho e aprendizagem, partilhando conhecimentos pertinentes e críticos na tentativa de promover um maior profissionalismo e dedicação. Auxiliando na minha aprendizagem tanto profissional como individualmente,

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demonstrando-me a necessidade da persistência, motivação e empenho para a construção de um trabalho ―mais perfeito‖.

À Dra. Sandra Coelho pelos ensinamentos construtivos e sábios que partilhou na curta experiência em que tive o prazer de conhecer a realidade de casos, perante o seu notável acompanhamento, para os quais conhecimentos como os adquiridos e partilhados nesta investigação se tornam úteis. Obrigada pela pessoa autêntica, profissional, atenciosa, confiante e persistente que se revelou para comigo.

Obrigada ainda à instituição Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro pela aprendizagem que me deu a oportunidade de alcançar, não só pela grandiosidade de professores que a envolvem como pela magnífica qualidade de funcionários ―extra curriculares‖ que a compõem, contribuindo para relações jamais esquecidas e hoje agradecidas. Obrigada UTAD, obrigada CIFOP pela primazia dos seres que escolhes-te para te constituírem.

E por fim, os meus agradecimentos aos adolescentes e responsáveis das instituições escolares que graciosa e atenciosamente se disponibilizaram a contribuir para o trabalho que apresento!

Obrigada a todos os magníficos seres que me envolvem e que me fortaleceram enquanto profissional e, essencialmente, enquanto pessoa! A todos agradeço por contribuírem para a minha felicidade, aprendizagem, enriquecimento e satisfação pessoal.

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Resumo

À luz da teoria da vinculação, o desenvolvimento humano torna-se consideravelmente saudável diante de vínculos seguros estabelecidos com as figuras primordiais de afeto, geralmente, representadas pelos pais. Tanto a figura materna como a paterna dão o seu contributo para a construção de sujeitos com uma segurança e confiança envolvente tão forte que os faz enfrentar e superar as adversidades com que a vida lhes presenteia. Demonstrando a sua capacidade de resiliência, a sua resistência, força e atitude perante a vida.

A perceção dos filhos das figuras parentais enquanto bases seguras demonstra-se um contributo para o desenvolvimento desse processo resiliente, recriando sentimentos de segurança, autoestima e autoconfiança, que se refletem no bem-estar psicológico dos adolescentes. Mas, além da pertinência da relação entre pais e filhos, também uma ligação fraterna significativa se torna promotora de adolescentes mais bem-sucedidos tanto pessoal como socialmente e impulsionadora de indivíduos resilientes.

Neste sentido, o objetivo do estudo é observar a importância da vinculação desenvolvida com as figuras parentais e a qualidade da ligação aos irmãos no desenvolvimento do processo resiliente e bem-estar de jovens adolescentes diante de acontecimentos de vida significativos, como é considerada a crise familiar vivenciada no processo de divórcio. A amostra é composta por 467 adolescentes entre os 12 e 19 anos provenientes de ambas as configurações familiares. Os dados foram recolhidos através de um questionário sociodemográfico, o

Questionário de Vinculação ao Pai e à Mãe, o Sibling Relationship Questionnaire, a Resilience Scale e a Échelle de Mesure des Manifestations du Bien-Être Psychologique. Os

resultados, discutidos à luz da teoria da vinculação, evidenciaram a preeminência dos vínculos, desenvolvimento de bases seguras entre pais e filhos, mais do que a própria configuração familiar, para a qualidade das relações fraternas. E ainda a contribuição das ligações construídas no seio familiar (tanto com os pais como com os irmãos) no desenvolvimento de competências em torno da resiliência e na promoção do bem-estar dos adolescentes.

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Abstract

According to attachment theory, human development becomes healthy through secure connections established with the primary figures of affection, usually represented by parents. The mother figure as the father give their contribution to the construction of people with a surrounding safety and confidence so strong that makes them confront and overcome the adversities that life presents them. Demonstrating its resilience, its endurance, strength and attitude to life.

The perception of children from parental figures as secure bases demonstrates a contribution to the development of this resilient process, recreating feelings of security, self-esteem and confidence, which are reflected in the psychological well-being of adolescents. But, beyond the relevance of the relationship between parents and children, also a significant fraternal bond becomes promoter of more successful teenagers, both personally and socially and booster of resilient individuals.

In this sense, the objective of the study is to observe the importance of the bound developed with parental figures and the quality of the connection with siblings on the development of the resilient process and young adolescents‘ well-being facing significant life events, as it is considered a family crisis experienced in the divorce process. The sample consists in 467 adolescents between the ages of 12 and 19 years old from both family configurations. Data were collected through a demographic questionnaire, the Questionnaire of bond to Father and Mother, the Sibling Relationship Questionnaire, the Resilience Scale and Scale of Measurement of Manifestation of Psychological Well-being. The results, discussed according to the attachment theory, emphasized the preeminence of bonds, development of secure bases between parents and children, more than their own family setting, for the quality of fraternal relations. The results also emphasize the contribution of bonds built within the family (both parents and with siblings) on the development of skills resilience and promoting the well-being of adolescents.

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Índice

Introdução ... 1

Parte I – Enquadramento Teórico Capítulo I - Vinculação: a intermediária de um desenvolvimento saudável ... 5

1. Teoria da Vinculação e as suas representações ... 5

2. A adolescência e o laço vinculativo estabelecido com as figuras significativas ... 7

3. Os irmãos enquanto figuras significantes ... 9

Capítulo II - O bem-estar psicológico e a resiliência à luz da vinculação aos pais e irmãos ... 13

1. Bem-estar psicológico: fruto de um sistema familiar saudável ... 13

2. Processo resiliente: a família e a capacidade de adaptação dos adolescentes… .. 16

Capítulo III - O divórcio parental: o cessar do casamento e o contínuo da parentalidade ... 19

1. Divórcio parental: o vínculo construído com as figuras primordiais e com os irmãos como fatores protetores ... 19

Parte II – Estudo Empírico Capítulo IV - Estudo Empírico: objetivos, metodologia, hipóteses, amostra e instrumentos e as suas respetivas propriedades psicométricas ... 27

1. Estudo Empírico ... 27

1.1 Objetivo Geral ... 27

1.2 Objetivos Específicos ... 27

1.3 Hipóteses ... 28

2. Metodologia ... 28

2.1 Caraterização da amostra geral ... 29

2.2 Caraterização da amostra de adolescentes de famílias divorciadas ou separadas ... 30

2.3 Análise das variáveis sociodemográficas em função das diferentes configurações familiares ... 33

2.4 Instrumentos ... 34

2.4.1 Questionário de Vinculação ao Pai e à Mãe (QVPM) ... 36

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2.4.3 Resilience Scale (RS) ... 40

2.4.4 Escala de Medida de Manifestação de Bem-estar psicológico (EMMBEP) ... 41

2.5 Questionário Sociodemográfico ... 43

2.6 Procedimentos ... 43

Capítulo V - Resultados e Discussão ... 47

1. Associações entre a vinculação aos pais, a qualidade da ligação aos irmãos, o processo resiliente e o bem-estar psicológico ... 47

2. Associações entre a qualidade da ligação aos irmãos, o bem-estar psicológico e o processo resiliente ... 51

3. Análises diferenciais das variáveis da vinculação aos pais, da qualidade da ligação aos irmãos, do processo de resiliência e do bem-estar psicológico em função das variáveis sociodemográficas ... 53

4. Predição da vinculação aos pais, qualidade da ligação aos irmãos, processo resiliente e bem-estar psicológico ... 69

5. Papel moderador da configuração familiar e do processo resiliente na associação entre a qualidade do laço emocional aos pais, o bem-estar psicológico dos adolescentes e na qualidade da ligação aos irmãos ... 81

6. Discussão ... 87

6.1 Associações entre a vinculação aos pais, a qualidade da ligação aos irmãos, o processo resiliente e o bem-estar psicológico ... 87

6.2 Associações entre a qualidade da ligação aos irmãos, o bem-estar psicológico e o processo resiliente ... 94

6.3 Vinculação aos pais, da qualidade da ligação aos irmãos, do processo de resiliência e do bem-estar psicológico - as variáveis sociodemográficas ... 96

6.4 Predição da vinculação aos pais, qualidade da ligação aos irmãos, processo resiliente e bem-estar psicológico ... 113

6.5 Papel moderador da configuração familiar e do processo resiliente na associação entre a qualidade do laço emocional aos pais, o bem-estar psicológico dos adolescentes e na qualidade da ligação aos irmãos ... 120

Conclusão ... 127

Referências Bibliográficas ... 133

Índice de Tabelas ... 155

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Introdução

Nas últimas duas décadas, diversas alterações socioeconómicas têm proporcionado transformações profundas na dinâmica e estrutura familiar, facto que se tem vindo a repercutir no padrão tradicional de organização da família (Gomes & Pereira, 2005).

Nos finais dos anos 60, o aparecimento do divórcio contribuiu em grande escala para essa modificação familiar. Desde aí, este fenómeno tem vindo a aumentar, e a aceitação por parte da sociedade tem evoluído positivamente (Gomes & Pereira, 2005).

Os primeiros estudos efetuados no âmbito do divórcio sublinham a pertinência de pertencer a uma família tradicional enfatizando os efeitos nefastos da ausência da figura paterna, encarando o divórcio como um acontecimento traumático para os filhos nomeadamente no comprometimento do futuro dos mesmos (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). Contudo, atualmente verifica-se que as pesquisas iniciais evidenciavam, fundamentalmente, o carácter negativo e pejorativo do divórcio, realçando, essencialmente, as adversidades provenientes do mesmo para o desenvolvimento dos filhos do casal, descorando-se das condescorando-sequências benéficas que podem advir desta descorando-separação parental (Hack & Ramires, 2010; Ramires, 2004).

Apesar de, geralmente, a família tradicional ser encarada como potenciadora de menores riscos e de um desenvolvimento saudável, é necessário ter em consideração o conflito interparental vivenciado no seio familiar. Numa dinâmica familiar em o conflito prevalece, o divórcio torna-se um acontecimento benéfico, promovendo relacionamentos mais harmoniosos e a possibilidade de um maior bem-estar e crescimento pessoal, reconquistando ou favorecendo a saúde do sistema familiar (Araújo & Dias, 2002). Desta forma, diante de situações em que o divórcio parental se constitui como impulsionador de um maior equilíbrio, compreensão e um menor conflito familiar, este acontecimento pode revelar-se vantajoso no que concerne ao bem-estar psicológico dos adolescentes (e.g. Amato & Sobolewski, 2001; Hetherington, 1979, 1999; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999).

A par disto também o próprio relacionamento entre pais e filhos, a qualidade dos vínculos estabelecidos nos primórdios da vida, se tornam relevantes para o desenvolvimento saudável dos mesmos, consistindo num fator protetor perante esta crise familiar proveniente da separação parental (Ramires, 2004). Nesta perspetiva, Bowlby (1980) sustenta que a construção de um vínculo seguro com as figuras parentais pode efetivamente constituir-se como fator protetor, uma vez que possibilita que o indivíduo explore, enfrente e supere a nova

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realidade a que é circunscrito tendo em conta a confiança e segurança destas figuras enquanto bases seguras para essa mesma exploração e enfrentamento.

Este conceito de vínculo é definido por Bowlby (1969) como um laço que o indivíduo constitui com as figuras significativas ao longo do seu percurso desenvolvimental, essencialmente no período inicial da vida. Esse vínculo, geralmente estabelecido com as figuras parentais, é preservado através da proximidade física e emocional entre o próprio sujeito e essas figuras, em que diante de situações adversas o indivíduo procura-as por as constituir como fonte de segurança e de apoio. É através do reconhecimento dessas figuras primordiais como bases seguras que o sujeito explora o mundo exterior com maior confiança e segurança (Ainsworth, 1989).

Mas, além das relações com as figuras parentais também uma forte ligação fraterna auxilia no processo de enfrentar e superar o divórcio parental, sendo que, os irmãos são considerados bases seguras aquando de um relacionamento alicerçado na reciprocidade, igualdade e lealdade (Angel, 2004). De acordo com Ainsworth (1989), os irmãos ostentam uma ligação de união que conduz a genuínas relações de vinculação, denotando-se que na presença de acontecimentos de vida adversos, os irmãos podem apoiar-se mutuamente, exercendo um papel protetor, dando apoio e segurança entre si (Fernandes, 2005).

Porém, uma base segura aos pais e uma ligação favorável entre a fratria não constitui por si só fator de invulnerabilidade, tendo em conta que os adolescentes não se encontram imunes aos eventos de vida adversos (Cowen & Work, 1988). Desta forma, a diminuição ou a promoção do bem-estar dos filhos encontra-se também relacionada com a vulnerabilidade ou resiliência dos mesmos para encarar e superar esta crise familiar (Flowerdew & Neale, 2003).

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Capítulo I – Vinculação: a intermediária de um desenvolvimento saudável O amor pode não fazer o mundo girar, mas não pode haver dúvida de que o primeiro apego da criança

a outra pessoa (normalmente a mãe) dá origem a expectativas e suposições sobre o mundo, cujos efeitos serão sentidos ao longo da sua vida.

(Parkes & Stevenson-Hinde, 1982)

1. Teoria da Vinculação e as suas representações

John Bowlby (1969, 1980) e Mary Ainsworth (1989) são os autores mais reconhecidos quando nos referimos à teoria da vinculação, denotando a pertinência da qualidade de vinculação estabelecida desde os primórdios da vida com as figuras parentais, realçando o carácter benéfico deste vínculo como potenciador do desenvolvimento saudável da criança. A vinculação é definida por Bowlby (1969) como uma competência inata ao ser humano que lhe permite estabelecer laços afetivos demarcados pela intensidade com as figuras significativas, consideradas a base segura pelo auxílio prestado na exploração do mundo exterior.

Perante a ―fragilidade‖ com que o bebé se depara após a sua vinda para o mundo as necessidades básicas necessitam de ser asseguradas para a sua sobrevivência. Todavia, estas carências abrangem não somente o âmbito físico como também, e sobretudo, o cariz emocional baseado, fundamentalmente, na proteção e apoio da figura materna (ou cuidadora que desenvolve esse papel), contribuindo substancialmente para a maturidade emocional que adquirirá ao longo do seu percurso desenvolvimental (Bowlby, 1969).

A pertinência dos cuidados emocionais prestados teria sido desde logo salientada por um estudo de Harlow (1958) numa investigação realizada com macacos bebés, em que perante situações de carácter ansiogénico os macacos elegiam a mãe de feltro que lhes propiciava conforto, em detrimento da mãe de arame que fornecia alimentos. Revelando, assim, a secundariedade da alimentação e a primazia do afeto, do contacto, do carinho para com a figura materna face, essencialmente, a vivências desencadeadoras de ansiedade (Van IJzendoorn, 2005). Também neste âmbito, surgem os estudos de Spitz (1983) acerca do hospitalismo, em que o psicólogo observou que ―os bebés mesmo que bem alimentados e assistidos medicamente, podem morrer se não tiverem cuidados individualizados de contacto e ternura (carícias corpóreas e psíquicas) (…) Por outras palavras sem amor o bebé morre.” (Fernandes, 2005, p. 33).

O primeiro ano da criança é referenciado como o período em que se inicia o desenvolvimento de uma ligação significativa e singular com a cuidadora primordial. O bebé procura a satisfação das suas carências básicas no âmbito físico e emocional, indagando o

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apoio e a segurança do cuidador, enquanto o cuidador exibe a sua disponibilidade e competências para com os cuidados necessários à criança. A figura cuidadora ao exercer, frequentemente, esta função será encarada pela criança como a figura de vinculação, transmitindo-lhe segurança e proteção perante vivências ansiogénicas ou desconfortantes (Bowlby, 1976).

Porém, mais do que a presença fisica da figura vinculativa, é essencial a confiança e segurança da criança no sentido da disponibilidade e acessibilidade desta figura de vinculação (Bowlby, 1973). Tornando-se crucial que a criança e a figura materna (ou substituto que exerça o mesmo papel) ostentem uma relação pautada pela calorosidade e intimidade e que seja, simultaneamente, um relacionamento satisfatório e prazeroso para ambas (Bowlby, 1976). Portanto, as figuras de vinculação que promovem segurança, suporte e responsividade seriam consideradas bases seguras para a criança (Ainsworth, 1967).

De acordo com Bowlby (1973, 1980), o desenvolvimento desses vínculos com as figuras vinculativas proporcionam a elaboração dos modelos internos dinâmicos (também designados de modelos representacionais) referentes ao fortalecimento de um conjunto de expectativas acerca do self (envolve a perceção que o indivíduo tem acerca de si próprio e possibilidade de ser amado) e dos outros (expectativas acerca da benevolência e da confiança nos outros) (Lopez, Melendez, Sauer, Berger, & Wyssmann, 1998). Em que um padrão de vinculação designado de ―seguro‖ relacionar-se-ia com uma interação pautada pela proteção, conforto e segurança da figura vinculativa sobre a criança em circunstâncias desencadeadoras de stress e ansiedade. Enquanto, o padrão de vinculação definido de ―inseguro‖ seria despoletado diante de uma interação em que o comportamento de vinculação da criança fosse sucedido de uma conduta de recusa (inseguro/evitante) ou ambivalência (inseguro/ambivalente) para com a figura de vinculação (Ainsworth, 1982).

Neste sentido, as crianças cuja figura vinculativa se apresentou como disponível e responsiva demonstrariam uma maior confiança sobre si mesmas e para com o outro, procurando o auxílio desta figura de vinculação somente perante adversidades. Por sua vez, as crianças cuja figura de vinculação patenteou indisponibilidade e imprudência manifestariam uma maior desconfiança, adotando uma atitude de retração ou de disputa para com o outro. Portanto, as primeiras crianças mencionadas formariam a representação de um self seguro, contrariamente às outras que conceberiam a representação de um self inseguro (Bowlby, 1973).

Estes modelos internos dinâmicos são construídos nos primórdios da vida conforme experienciam e apreendem os sentimentos e a conduta da figura de vinculação, sendo usados

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7 como guias comportamentais futuramente. Podendo-se, assim, afirmar que os modelos internos dinâmicos irão exercer uma significativa influência no desenvolvimento da criança, no seu envolvimento para com os outros, na forma de explorar e encarar o mundo. Todavia, a flexibilidade e plasticidade dos modelos representacionais torna-os passíveis de ser reorganizados ao longo do desenvolvimento do indivíduo, auxiliando-o na adoção de uma conduta mais adaptativa face às vicissitudes com que se vai deparando no decorrer do ciclo vital (Bowlby, 1973).

2. A adolescência e o laço vinculativo estabelecido com as figuras significativas

―Chegar a adolescente (…) implica perder a tranquilidade, as certezas, a segurança, o sonho e a alegria de ser criança, para passar a viver na incerteza, na procura de si próprio, sonhando com um mundo adulto que, cada vez, parece mais distante e menos aliciante" (Costa, 1998, p. 8). Assim, a adolescência é uma etapa de transição em que se procura a própria identidade enquanto, simultaneamente se prepara a responsabilidade da adultícia (Hack & Ramires, 2010; Leal, 2000).

Nesta fase peculiar do percurso desenvolvimental investe-se significativamente na relação com os outros, mais concretamente, no relacionamento com os pares. Contudo, apesar desse investimento ―prioritário‖, as figuras parentais não são esquecidas, sendo continuadamente importante o vínculo desenvolvido com estas figuras significativas, encaradas como figuras de apoio, essencialmente, perante vivências desagradáveis, em que sentimentos de angústia e tristeza são experienciados e o retorno ao porto de abrigo se torna crucial (Levitt, 1991; Outeiral, 2008). Neste sentido, o processo vinculativo ocorre ininterruptamente também durante a fase da adolescência, em que ainda que a flexibilidade e as alterações concebidas pelas subsequentes modificações que esta etapa provoca no âmbito cognitivo, social e emocional, permanece a confiança e segurança para com as figuras de vinculação (Sroufe, Carlson, & Schulman, 1993; Thompson & Raikes, 2003).

Apesar de tudo, a adolescência revela-se efetivamente uma etapa complexa para os jovens que procuram a sua autonomização e independência para com as figuras parentais, enquanto concomitantemente se aproximam destas bases seguras para receber o seu apoio, segurança e proteção (Fleming, 2005; Matos & Costa, 1996). Neste sentido, o que se altera é o comportamento de proximidade para com as figuras parentais pela necessidade de experienciação do afastamento destas figuras, no sentido da maturação psicológica e emocional do adolescente. Todavia, a vinculação construída com estas figuras primordiais permanece, na medida em que o adolescente explora autonomamente o mundo na relação com

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os outros mas seguro da disponibilidade dos pais caso necessite do auxílio e proteção dos mesmos (e.g. Allen & Land, 1999; Freeman & Brown, 2001; Nickerson & Nagle, 2005).

Deste modo, torna-se relevante um ambiente seguro e afetuoso em que o adolescente confie na persistência das figuras parentais do seu lado perante situações frustrantes e ansiogénicas, promovendo a independência necessária para a afirmação da sua individualidade sem recear essa exploração autónoma. Pode-se, assim, encarar a vinculação e o processo de autonomização como complementares, na medida em que ao longo do ciclo vital, o crescimento, desenvolvimento e amadurecimento do adolescente reformula e reorganiza o vínculo construído com as figuras parentais (Grotevant & Cooper, 1986; Hill & Holmbeck, 1986; Soares & Campos, 1988). Allen e Land (1999, p. 321) argumentam que ―(...) a autonomia, em termos ideais, não se desenvolve no isolamento, mas no contexto de uma relação próxima e permanente com os pais.‖ Denotando-se que a vinculação não é sinónimo de falta de autonomia e dependência do adolescente, pelo contrário é um elemento fundamental para esse mesmo processo de independência, garantindo a presença de uma base segura, suporte e afeto perante situações em que necessite desse retorno (Machado, 2007).

Assim, o relacionamento estabelecido com as figuras parentais torna-se importante para o desenvolvimento da identidade do adolescente e da sua representação do outro, salientando a qualidade do laço emocional positiva e reduzida interdição da exploração e individualidade, como fator a ter em consideração, sendo que proporciona aos adolescentes sentimentos de segurança, autoestima e confiança em si mesmos, o que, por sua vez, se repercute no progresso do seu bem-estar (Booth & Amato, 2001).

A relevância do vínculo estabelecido com as figuras parentais tem demonstrado uma associação positiva entre a vinculação segura e o processo de autonomia psicológica (e.g. Cicchetti & Rogosch, 2002; Scharf, Mayseless, & Kivenson-Baron, 2004), bem como a criação de novos relacionamentos (e.g. Ainsworth & Bowlby, 1991; Cicchetti & Rogosch, 2002; Scharf et al., 2004) e ainda maiores índices de bem-estar (e.g. Armsden & Greenberg, 1987; Love & Murdock, 2004; Raja, McGee & Stanton, 1992). Enquanto vínculos inseguros revelam distintas problemáticas comportamentais interiorizadas e/ou exteriorizadas (e.g. Claes et al., 2005; Machado, 2004; Soares, 2000). Portanto, a investigação tem manifestado a pertinência de um vínculo seguro entre os jovens e as suas figuras parentais (e.g. McCarthy, Lambert, & Moller, 2006; Sampaio, 2006; Silva & Costa, 2005).

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3. Os irmãos enquanto figuras significantes

Analogamente às figuras parentais, os irmãos, por vezes, são considerados bases seguras na continuidade da vida, perante uma relação regulada pela segurança, reciprocidade e similaridade dos acontecimentos experimentados (Mota & Rocha, 2012). Ainsworth (1989) fundamenta a ligação existente entre os irmãos como autênticas relações de vinculação. Em que diante de acontecimentos de vida adversos, os irmãos se apoiam mutuamente, protegendo-se através do apoio e segurança cedidos entre si (Ainsworth, 1989; Fernandes, 2005). Portanto, os irmãos tornam-se objeto de amor, sobretudo se as figuras parentais se encontram ausentes ou se o relacionamento com as figuras primordiais se constitui escasso (Goldsmid & Féres-Carneiro, 2011).

Para Fernandes (2005, p. 20) ―a relação entre irmãos é (…), a relação mais longa da nossa vida, e a que pode, por isso mesmo, ser (quase) tão influenciadora e sustentadora como a relação que temos (tivemos) com os nossos pais.‖ Esta função fraterna é, assim, comparada à das figuras parentais. Todavia, a ambivalência inicial que carateriza o laço fraterno, em que a relação entre os irmãos oscila em torno tanto da positividade como da negatividade desde o início do seu estabelecimento (na infância), torna-se dissimilar do vínculo desenvolvido com os pais, em que a ambivalência não assume um caráter tão precoce. Outra dissemelhança notável é que, ao contrário das figuras parentais que exercem, desde logo, uma função direta no sentido da sobrevivência dos seus filhos, o relacionamento entre os irmãos não carece necessariamente e diretamente deste papel. No entanto, estes relacionamentos complementam-se, uma vez que o vínculo fraterno é mediado pelos laços que estabelecem com as figuras parentais e pela forma como os pais se mostram disponíveis para os filhos e entre os filhos (Romanelli, 2003).

A função fraterna é considerada como fundamental na estrutura da família, em que os irmãos procuram o auxílio e proteção uns dos outros, o tratamento igualitário e a colaboração mútua, sendo, assim referenciados como modelos de identificação (Losso, 2001; Meynckens-Fourez, 1999). Nas brincadeiras e jogos efetuados os sentimentos de angústia são amadurecidos, a criatividade fortalecida e a agressividade desperta. Tornando-se essencial a complementaridade dos papéis exercidos, a intimidade pautada nos relacionamentos e algumas similitudes de valores pessoais para a formação de um vínculo seguro entre os irmãos (Losso, 2001).

Esta ligação fraterna auxilia na aprendizagem a nível da cooperação, companheirismo, sinceridade e até rivalidade que irá ser útil na vida futura tanto no grupo de amigos, como na escola, na profissão e nas relações afetivas (Ripoll, Carrillo, & Castro, 2009). Neste sentido,

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os conflitos e os sentimentos de ciúme, frequentes nas relações entre irmãos, tornam-se relevantes para o desenvolvimento do indivíduo, auxiliando-o no processo de aprendizagem relativo à gestão de sentimentos, promovendo o reconhecimento das limitações e do seu possível enfrentamento, indicando as qualidades e modos de as valorizar, difundindo elos de ligação e educando para a partilha e para a solidariedade (Britto, 2002; Ripoll et al., 2009). Desta forma, o relacionamento fraterno é pautado pelo companheirismo, cooperação, segurança e auxílio, mas também, simultaneamente, demarcado por conflitos, disputas e, por vezes, agressões (Turnbull & Turnbull, 2001).

Nesta perspetiva, Minuchin (1982) descreve a relação entre irmãos como um primeiro

laboratório social, sendo que no contexto fraterno vivenciam o poder de uma relação e

adquirem comportamentos, atitudes e sentimentos que propiciam uma oportunidade para simular o mundo interno e preparar para o relacionamento com os outros (Fernandes, Alarcão, & Raposo, 2007; Provence & Solnit, 1983). Assim, o relacionamento fraterno baseado no companheirismo e na concessão de auxílio e suporte emocional permite o desenvolvimento de competências essenciais para o contexto social (Furman & Buhrmester, 1985).

Mas, o relacionamento fraterno, com o seu ciclo de vida próprio, vai-se alterando e fortalecendo consoante as próprias etapas desenvolvimentais que os indivíduos enfrentam (Pereira & Arpini, 2012). Na fase da adolescência, que reporta este estudo, a qualidade da fratria torna-se relevante para o ajustamento psicológico dos indivíduos devido à incessante procura pela autonomia e independência e, consequente, formação da identidade dos adolescentes (Scharf et al., 2004). Durante esta etapa desenvolvimental, os irmãos compartilham, essencialmente, experiências, dúvidas e desabafos que têm dificuldades de partilhar com as figuras parentais (Silveira, 2002), recorrendo aos irmãos perante situações de solidão e de conforto, considerando-se mais compreendidos e respeitados por estas figuras (Moser, Patemites, & Dixon, 1988; Woodward & Frank, 1988). A maior partilha para com os irmãos sucede-se pelo caráter horizontal da relação em que impera a igualdade, o companheirismo e intimidade, contrariamente há relação vertical existente entre as figuras parentais e os filhos em que prevalece a hierarquia e autoridade (Romanelli, 2003).

Desta forma, a ligação com os irmãos torna-se auxiliadora no processo de individuação dos adolescentes face aos pais e ainda promotora do desenvolvimento da resiliência do indivíduo, tendo em conta a aprendizagem propiciada na relação, o auxílio, suporte e valorização (Bouchey, Shoulberg, Jodl, & Eccles, 2010; Sanders, 2004; Seginer, 1998). Nesta perspetiva, Yeh e Lempers (2004) num estudo longitudinal, efetuado em três momentos (com intervalos de um ano), com o objetivo de analisar as consequências presentes na relação entre

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11 irmãos no período da adolescência com 374 famílias, revelaram a importância do relacionamento fraterno no desenvolvimento psicossocial dos adolescentes. O estudo demonstrou que os adolescentes que num primeiro momento, indicaram uma relação fraterna satisfatória exibiam no segundo momento do estudo uma maior autoestima e um relacionamento significativo com os pares, e por conseguinte, no terceiro momento de estudo, esses mesmos indivíduos revelaram menos sentimentos de solidão e de depressão e menor exibição de comportamento desviantes.

A importância das relações fraternas foi igualmente salientada num estudo longitudinal de Oliva e Arranz (2005) em que se pretendia verificar a contribuição da relação com os pais e os irmãos para a relação com os pares, a autoestima e a satisfação com a vida, numa amostra de 513 adolescentes entre os 13 e os 19 anos de idade. Os autores mencionados observaram um relacionamento significativo com os irmãos em 68,8% da amostra e, posteriormente, em 63,2% dos adolescentes índices de felicidade no relacionamento fraterno. O estudo revelou também que 41,5% dos adolescentes caraterizaram a relação com os irmãos como sinónimo de amizade, cumplicidade e intimidade. Denotou-se ainda que raparigas com relacionamentos fraternos significativos demonstraram um maior grau de aceitação das figuras parentais e uma maior ligação aos pares, contrariamente aos adolescentes do sexo masculino que não revelaram qualquer relação significativa com as mesmas variáveis. A qualidade de ligação aos pais e irmãos demonstrou um maior ajustamento psicossocial do sexo feminino, sobretudo no âmbito da autoestima e satisfação com a vida. Portanto, de acordo com o estudo, as relações fraternas significativas parecem beneficiar o envolvimento social e o ajustamento psicológico na fase da adolescência, apesar de esta associação se denotar essencialmente no sexo feminino (Oliva & Arranz, 2005).

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Capítulo II – O bem-estar psicológico e a resiliência à luz da vinculação aos pais e irmãos

A família nunca deixa de ser importante e é responsável por muitas das nossas Viagens. Nós escapamos, emigramos, trocamos o sul pelo norte e o leste pelo oeste devido à necessidade de nos libertarmos; e depois viajamos periodicamente de volta para casa para renovar o contacto com a família.

(Winnicott, 2001, p. 59)

1. Bem-estar psicológico: fruto de um sistema familiar saudável

A partir dos conteúdos abordados anteriormente torna-se percetível que cada um de nós se vai desenvolvendo em função das aprendizagens, ensinamentos, suporte, afeto e segurança que recebemos das figuras parentais. Legado cedido também pelos irmãos que constituem igualmente figuras significantes, auxiliando-nos e ensinando-nos a gerir sentimentos ambivalentes. Sendo assim, tal como ocorre nas vivências com os pais, também com os irmãos as experiências partilhadas demarcam o indivíduo ao longo do seu desenvolvimento, nos seus comportamentos, atitudes, pensamentos e até mesmo na sua valorização pessoal (Faber & Mazlish, 1995).

Short e Gottman (1997) sustentam que uma ligação fraterna significativa promove o bem-estar dos que nesta se encontram envolvidos. Assim como se observa nas relações com os pais, em que um laço emocional significativo e uma reduzida inibição da exploração e individualidade às figuras parentais revela adolescentes mais seguros, com uma maior autoestima e mais confiantes em si mesmos o que, por sua vez, se reflete no seu maior bem-estar (Booth & Amato, 2001).

Neste sentido, torna-se pertinente abordar a noção de bem-estar, conceito que tem sido alvo de distintas conceções teóricas (Novo, 2003). Apesar da discórdia em torno da concetualização deste conceito, é alvo de concordância entre os teóricos que a sua definição envolve os termos hedonismo e eudaimonia que, por sua vez, constituem duas correntes distintas do bem-estar: o bem-estar subjetivo e o bem-estar psicológico (e.g. Keyes, Shmotkin, & Ryff, 2002; Ryan & Deci, 2001; Ryff & Keyes, 1995).

O hedonismo baseia-se na procura incessante do prazer e a fuga ao sofrimento, defendendo o bem-estar enquanto junção de conceitos como: felicidade, satisfação e vivências emocionais (Kahneman, Diener, & Schwarz, 1999). Esta perspetiva do bem-estar é designada de bem-estar subjetivo e encontra-se relacionada com os afetos e a dimensão cognitiva, na medida em que o indivíduo avalia a satisfação que a vida lhe propicia tanto no âmbito afetivo como cognitivo (Diener, 1984, 2000).

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Contudo, esta perspetiva foi extremamente criticada, sendo que se baseiava, essencialmente, na procura da felicidade hedónica. Dessa forma, enquanto modelo complementar e global surge o bem-estar psicológico sustentado pela visão eudaimónica. Esta conceção eudaimónica focaliza-se no funcionamento psíquico positivo, visando o alcance das potencialidades do ser humano, procurando a perfeição em torno de valores como a autorrealização e o desenvolvimento pessoal de cada um (Keyes, 2005; Ryan & Deci, 2001; Ryff, 1995; Ryff & Keyes, 1995). Este modelo de bem-estar psicológico, proposto inicialmente por Carol Ryff (1989), sustenta o significado deste conceito em torno de seis dimensões: autoaceitação, relacionamentos positivos, autonomia, crescimento pessoal, objetivos de vida e domínio do meio. As seis dimensões seriam encaradas como constituintes do próprio bem-estar psicológico evidenciando os domínios positivos do funcionamento psíquico (Ryff, 1995).

Portanto, enquanto o bem-estar subjetivo se fundamenta na apreciação da satisfação com a vida, oscilando entre a afetividade negativa e positiva que proporcionariam ou não o patamar da felicidade, já o bem-estar psicológico é edificado com base em conceções psíquicas relacionadas com o desenvolvimento do indivíduo, procurando potencialidades para enfrentar as vicissitudes com que se depara ao longo do ciclo vital. Considerando-se, de um modo geral, que os indivíduos que apresentam um bem-estar psicológico revelam elevados níveis de autovalorização, autoconfiança e demonstram uma maior capacidade de adaptação a novas realidades (Diener & Scollon, 2003).

Posteriormente, Massé e colaboradores (1998) reformulam o conceito de bem-estar psicológico em seis dimensões distintas das propostas por Ryff (1989): autoestima, equilíbrio, envolvimento social, sociabilidade, controlo de si e dos acontecimentos e felicidade. Estas dimensões que Massé e colaboradores (1998) definem como constituintes do bem-estar psicológico tornam-se complementares às de Ryff (1989), uma vez que além das caraterísticas que evidenciam, essencialmente, a satisfação interna do indivíduo, estes teóricos acrescentam e enfatizam a importância do estabelecimento de relacionamentos saudáveis e o envolvimento nos mesmos para o alcance de um pleno bem-estar psicológico do ser humano (Massé, et al., 1998).

Nesta perspetiva, é de salientar que as relações com os outros se constróem inicialmente nas relações estabelecidas nos primórdios e ao longo da vida com as figuras parentais e com os irmãos (Fernandes et al., 2007), sendo a família considerada uma base segura para a exploração e para a segurança que o indivíduo desperta na sociedade na sua interação com o outro (Ainsworth, 1989). Enfatizando a relevância dos vínculos construídos com as figuras

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15 parentais, o estudo realizado por Guilman e Huebner (2006) com o objetivo de verificar os níveis de satisfação global com 490 adolescentes, cujas médias de idade rondava os 14 anos, denotou que as relações positivas entre pais e filhos se encontram associadas a menores níveis de ansiedade e depressão, a um maior bem-estar e maior esperança. Por sua vez, também Suldo e Huebner (2006) numa investigação efetuada com 698 adolescentes, com idades compreendidas entre os 11 e os 19 anos de idade, pretendendo verificar se a satisfação com a vida se encontra associada a um funcionamento adaptativo, observaram que um bom relacionamento com as figuras parentais contribuiria para um maior bem-estar dos adolescentes, o desenvolvimento de aptidões sociais e académicas e uma maior autoeficácia afetiva.

Ainda na pespetiva do bem-estar e a vinculação aos pais, Mota e Matos (2009) num estudo efetuado com o objetivo de observar o contributo da vinculação aos pais na autoestima de 403 jovens, entre os 14 e os 19 anos, verificaram que uma vinculação segura às figuras parentais promove uma maior autoestima. Ao encontro deste estudo uma investigação realizada por Rocha, Mota e Matos (2011), com o objetivo de analisar a contribuição da qualidade da vinculação à figura materna na predição da ligação aos pares enquanto papel mediador da autoestima, observou numa amostra de 742 adolescentes, entre os 13 e os 23 anos, que a imagem que os adolescentes concebem acerca de si próprios pode ter uma relevante contribuição da qualidade da relação de vinculação que constroem com a figura materna. Em que a qualidade do laço emocional estabelecido com mãe demonstrou um efeito positivo na construção da autoestima dos adolescentes. Portanto, a autoestima do adolescente encontra-se associada aos vínculos seguros estabelecidos com as figuras parentais (Rocha et al., 2011).

Assim, na adolescência continua-se a considerar as relações com as figuras parentais como relevantes e contínuas, encarando-os como fontes de bem-estar e suporte (Machado, 2007; Monteiro, Tavares, & Pereira, 2007; Pacheco, Costa, & Figueiredo, 2003). Uma comunição positiva, suporte emocional e monitorização dos pais construtiva parece associar-se positivamente com o bem-estar dos adolescentes (Chou, 1999). Tal como ocorre perante um relacionamento fraterno significativo, que juntamente com um vínculo seguro desenvolvido com os pais promove sentimentos de felicidade e satisfação (Zaff, et al., 2003). Portanto, o auxílio e a compreensão dos pais e irmãos torna-se um requisito essencial para o bem-estar psicológico dos adolescentes (Claes, 2004).

Meeus (1993) enfatiza o papel das figuras parentais na adolescência, sustentando a maior relevância de suporte manifestado pelos pais comparativamente com o prestado nas relações com os pares, sendo que as figuras parentais são insubstituivéis, e exercem um papel singular

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entre elas (ainda que complementar) ao potencializar o bem-estar dos seus filhos. Neste sentido, tal como sustenta Machado (2007, p.23) ―(…) a vinculação aos pais funciona como fator de proteção (ou de risco) na capacidade para enfrentar novas Situações Estranhas (…).‖

2. Processo resiliente: a família e a capacidade de adaptação dos adolescentes

Considerando que, geralmente, os primeiros relacionamentos sociais surgem no seio familiar, a vinculação torna-se um fator imprescíndivel para o desenvolvimento do processo resiliente dos jovens, transmitindo-lhes segurança e confiança para enfrentar o mundo (Fergusson & Lynskey, 1996; Melillo, Estamati, & Cuestas, 2001). Nesta medida, a autonomia e segurança que as figuras parentais propiciam aos seus filhos nos primórdios da relação auxilia na obtenção de recursos intrapsíquicos essenciais que contribuem para a fomentação do processo resiliente (Cyrulnik, 2004; Golse, 2006; Guedeney, 2006).

A resiliência, no seu sentido mais lato, designa a recuperação do indivíduo após uma doença ou acontecimento traumático e/ou stressante, em que diante de circunstâncias adversas o sujeito procuraria vencê-las, inicialmente demonstrando o seu caráter resistente para posteriormente revelar o seu triunfo perante essas mesmas vicissitudes (Theis, 2003). Neste sentido, a resiliência pode ser encarada como um recurso complementar à vulnerabilidade, conduzindo o sujeito a uma adaptação bem-sucedida num processo dinâmico que envolve uma interação entre fatores de risco e proteção (internos e/ou externos ao ser humano) a recorrer perante acontecimentos nefastos (Golse, 2006; Laranjeira, 2007).

O indivíduo resiliente apresenta capacidades para superar as contrariedades e apresentar-se como que ―um novo ser‖, revelando-se vitorioso diante de situações que envolvem adaptar-se, defrontar e vencer o que lhe provoca angústia e/ou stress (Melillo, 2004; Poletto, 2008). De acordo com Assis, Pesce e Avanci (2006, p. 57) ―implica tentar transformar intempéries, momentos traumáticos e situações difíceis e inevitáveis, em novas perspectivas.‖

A resiliência é, assim, considerada como o produto de processos adaptativos que promovem o encorajamento, a resistência e o fortalecimento diante de situações traumáticas e/ou stressantes. Estes processos de adaptação correspondem a circunstâncias que proporcionam determinadas respostas singulares face a situações de risco de desadaptação (Rutter, 1985). Os mecanismos de adaptação envolvem, portanto, a presença de modelos sociais, como é o caso da família e o grupo de pares, que impulsionam ensinamentos construtivos em distintas circunstâncias, colaborando no desenvolvimento de competências adaptativas, autoconfiança, independência e criatividade para a resistência e a eficácia diante de situações hostis (Souza & Cerveny, 2006).

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17 Assim, o processo resiliente não é uma capacidade inata, desenvolvendo-se ao longo do ciclo vital a partir das vivências que o indivíduo experiencia no decorrer do mesmo em que necessita de resistência e capacidade para enfrentar e superar as adversidades (Luthar, Cicchetti, & Becker, 2000; Taylor & Wang, 2000; Vanistendael & Lecomte, 2000). Tal como fundamenta Cyrulnik (2003, p.226-227) ―não se é mais ou menos resiliente, como se se possuísse um catálogo de qualidades (…). A resiliência é um processo, um devir que, de actos em actos e de palavras em palavras, inscreve o seu desenvolvimento num ambiente e descreve a sua história dentro de uma cultura.‖ Portanto, não só caraterísticas pessoais como também relacionais e contextuais se tornam importantes para que o adolescente desenvolva um processo resiliente capaz de o ―sustentar‖ perante as vicissutudes com que se vai deparando (Cyrulnik, 2003).

É nesta perspectiva que Cyrulnik (2003, 2004) defende a pertinência da vinculação estabelecida com as figuras parentais para o desenvolvimento do processo resiliente, na medida em que as experências vivenciadas nos inícios da vida e os laços estebelecidos baseados no apoio, segurança, admiração e afeto promovem o desenvolvimento da autoestima, autoeficácia, autoconfiança, autonomia e empatia dos adolescentes (Bowlby, 1969; Canavarro, 1999). Desta forma, uma relação entre pais e filhos sustentada no afeto, encorajamento, auxílio, compreensão, coesão, aceitação, elogios, limites e castigos moderados contribui para o fomentar do processo resiliente dos adolescentes (Barrera & Li, 1996; Manciaux, 2003). A perceção dos pais enquanto fontes de amor, afeto e valorização promove uma maior segurança interior e maior autoconceito nos adolescentes e, por sua vez, auxilia na elaboração da resiliência (Bowlby, 1969; Fergus & Zimmerman, 2005; Rutter, 1996).

Por conseguinte, o estudo de Michael e Ben-Zu (2007) com uma amostra de 269 adolescentes, com idades compreendidas entre os 16 e 18 anos, cujo objetivo era observar a relação entre a vinculação aos pais e a sintomatologia depressiva e comportamentos de risco, denotou que um vínculo seguro estabelecido com as figuras parentais se constitui como fator protetor do desenvolvimento dos adolescentes.

Assim, o desenvolvimento de uma vinculação segura com as figuras parentais constitui-se um marco para a vida dos sujeitos envolvidos (Bowlby, 1969), em que estas figuras, enquanto bases seguras, promovem a exploração, o alcance de capacidades e uma maior autovalorização e autoeficácia do indivíduo (Sarason, Sarason, & Pierce, 1990).

Porém, também se tem revelado a importância da relação estabelecida no seio da fratria para o desenvolvimento do processo resiliente dos adolescentes, em que uma ligação fraterna regulada pela intimidade, companheirismo, cooperação e colaboração mútua entre os irmãos

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propaga, futuramente, a capacidade do indivíduo para encarar e superar as vicissitudes (Werner & Smith, 1992). A fratria como o primeiro contexto em que o indvíduo estabelece uma relação de caráter horizontal pela igualdade e similitude que a carateriza, aprendendo a relacionar-se com o outro, faculta competências ao sujeito nela envolvido no sentido da resiliência perante determinadas situações adversas. Desse modo, a forma como o indivíduo encara as dificuldades, os conflitos e os sentimentos ambivalentes presentes no seio da relação fraterna refletir-se-á na sua atitude e comportamento futuro para com as relações exteriores à família, e mais do que isso, realçará a sua postura e conduta face às adversidades da vida (Almeida, 2000).

No entanto, é de ter em consideração, que a construção de bases seguras tanto com as figuras parentais como com os irmãos não constituem por si só invulnerabilidade face a circunstâncias adversas, mas sim fatores protetores e auxiliadores na adaptação dos adolescentes a estes eventos de vida (Cowen & Work, 1988; Masten, 2001).

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Capítulo III – O divórcio parental: o cessar do casamento e o contínuo da parentalidade

(…) Se fomos meio de procriação, Que na criação sejamos timoneiros, Guiando com firmeza, a quatro mãos, O barco da vida de nossos herdeiros. E até que sós o possam conduzir, E, para sempre, em evento, idade ou estado, Possamos nós, ainda que ex-casal, Enquanto pais, andarmos lado a lado.

(Verônica Cezar-Ferreira )

1. Divórcio parental: o vínculo construído com as figuras primordiais e com os irmãos como fatores protetores

Hoje em dia, observam-se novos padrões relacionais no interior das famílias, em que o significado das relações ganha ênfase e os papéis divergem, adquirindo relevância o afeto e amor não só no seio familiar como também no que se refere ao próprio casal (Pereira & Arpini, 2012; Wagner & Levandowski, 2008; Wagner, Ribeiro, Arteche, & Bornholdt, 1999).

O casamento encarado na contemporaneidade enquanto resultado do amor entre dois indivíduos, ao invés do ―contrato de interesses‖, propicia maiores expectativas do casal, e por conseguinte, uma menor tolerância e permissividade face a condutas que não correspondem ao esperado. Neste sentido, pode considerar-se o surgimento frequente do divórcio como a valorização de uniões matrimoniais bem-sucedidas, que promovam bem-estar e harmonia entre o casal, em vez de casamentos ―suportados‖ por interesses e ―bem-estar social‖ (Féres-Carneiro, 1998, 2003). Todavia, dificuldades de fecundidade no seio do casal, traições, personalidades divergentes, papéis inconciliáveis, monotonia e saturação da rotina, alterações familiares, insatifação sexual, falta de amor, maus tratos físicos e psíquicos (Amaro, 2006), a inserção da mulher no mundo do trabalho (e consequente protagonismo profissional) e o término do estigma social (Giddens, 1997) são também fundamentos impulsionadores do divórcio.

O divórcio ou separação conjugal é visto como uma transição familiar similar a outras crises provenientes no ciclo familiar, representando uma crise acidental (Peck & Manocherian, 1995; Straube, Gonçalves, & Centa, 2003). Este acontecimento complexo promove transformações, incitando uma nova organização do sistema familiar, todavia perante o término da relação conjugal, a família enquanto instiuição persiste (Cano, Gabarra,

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More, & Crepaldi, 2009; Carter & McGoldrick, 1995; Cerveny, 2002). A separação conjugal, é, assim, considerada a maior ruptura do ciclo vital da família, destabilizando todos os que se encontram envolvidos (Carter & McGoldrick, 1995; Romaro & Oliveria, 2008).

Ansiedade, stress, mágoa e tristeza são emoções e sentimentos, geralmente, despoletados numa fase inicial da separação pelos filhos de famílias divorciadas (Souza & Ramires, 2006). De acordo com Ramires (2004), este período persiste, comummente, por cerca de um ano, começando, posteriormente, a surgir uma diminuição da ansiedade e um maior bem-estar.

De acordo com Hines (2007) e Kelly e Emery (2003) durante o primeiro ano da separação parental, os jovens do sexo masculino apresentam mais problemáticas comportamentais do que as adolescentes do sexo feminino. Este facto poderá ser justificado pela perda que ocorre, frequentemente, na cultura ocidental da figura masculina no seio familiar diante de uma situação de divórcio em que os filhos ficam a viver com as suas mães (Hetherington & Kelly, 2002; Storken, Roysamb, Moum, & Tambs, 2005).

O contato menos frequente com a figura paterna propicia uma diminuição do relacionamento dos adolescentes com esta mesma figura. Moura e Matos (2008) num estudo cujo objetivo consistia em analisar a alteração da qualidade da vinculação às figuras parentais de acordo com a configuração familiar de 310 adolescentes, entre os 14 e os 18 anos de idade, observaram que os adolescentes provenientes de famílias divorciadas evidenciaram uma menor qualidade do laço emocional e ansiedade de separação unicamente para com a figura paterna comparativamente com os jovens de famílias intactas. Denotando-se, assim, que quando o pai sai de casa, o divórcio poderá promover uma quebra no relacionamento com a figura paterna (Moura & Matos, 2008; Sobolewski & Amato, 2007).

Ainda que, provalvelmente, essa seja uma das maiores alterações, não é unicamente essa a mudança na vida dos filhos cujos pais se separaram, ocorrendo também outras transformações significativas no seu dia-a-dia, nomeadamente: a mudança de casa, localização geográfica, a escola e perdas de amigos (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999).

A gravidade e durabilidade das consequências da separação parental presentes nos filhos encontram-se subordinadas a um conjunto de fatores protetores no âmbito individual, relacional, contextual e demográfico que circunscreverão o nível de resiliência destes indivíduos (Amato, 2001). Adolescentes resilientes prosseguem num desenvolvimento saudável perante acontecimentos como o divórcio, revelando uma maior responsabilidade, maturidade, autoconfiança e autoestima comparativamente com alguns jovens que não vivenciaram o mesmo acontecimento familiar (Amato, 1993, 2001; Kelly & Emery, 2003).

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21 Como foi exposto no capítulo anterior, a constituição de uma base segura por parte das figuras parentais para com os seus filhos auxilia no desenvolvimento do processo resiliente dos adolescentes, tornado-se, assim, igualmente importante no que se refere à adaptação e superação dos jovens face ao divórcio parental (Amato, 2001; Dunn, 2004; Hack & Ramires, 2010; Ramires, 2004).

Hack e Ramires (2010, p. 94) salientam que ―(…) de modo geral (…) o divórcio parental passa a ser um fator de risco para os filhos, caso tenha se consolidado um afastamento entre eles e as figuras parentais. A sensação de abandono e desamparo cria uma situação de vulnerabilidade, propiciando o aparecimento ou a potencialização de desajustes. Porém, é preciso acrescentar que em muitos casos a fragilidade nos relacionamentos entre pais e filhos já é constatada muito antes do divórcio.‖ Neste sentido, o relacionamento existente entre pais e filhos baseado no carinho e segurança auxiliará no ajustamento saudável a este processo de divórcio parental (Hack & Ramires, 2010), porque ―tais mudanças tomarão como referência os modelos representacionais do ambiente e do self, estando alicerçadas nas interações vivenciadas‖ (Souza & Ramires, 2006, p. 39). Por sua vez, figuras parentais que demonstrem indisponibilidade promovem um vazio incondicional nos adolescentes (Mota, 2008).

Perante a separação do casal torna-se pertinente o contínuo das relações entre ambas as figuras parentais com os seus filhos, perseverando-as mesmo após o rompimento conjugal, sendo que a relação entre pais e filhos não termina (Brito, 2007; Dowling & Gorell Barnes, 2008; Féres-Carneiro, 1998; Souza, 1999).

A importância do contínuo destes vínculos familiares foi também sustentada pelo estudo longitudinal comparativo efetuado por Ruschena, Prior, Sanson e Smart (2005) em que foram avaliados jovens com idades compreendidas entre os 17 e os 18 anos filhos de pais divorciados. O estudo referenciado demonstrou que as dificuldades presentes nos filhos que vivenciaram esta situação familiar surgem diante do afastamento de uma das figuras parentais, em circunstâncias em que a relação com essa figura já se revelava distante antes do divórcio (Ruschena et al., 2005). Portanto, denota-se a relevância dos vínculos seguros estabelecidos com as figuras parentais antes da separação e a persistência dos mesmos após o divórcio parental (Hack & Ramires, 2010).

Todavia, além das figuras parentais também a fratria poderá funcionar como fator protetor diante da crise familiar advinda do divórcio parental, concebendo apoio, suporte e afeto entre si (Goldsmid & Féres-Carneiro, 2011). Facto sustentado pela investigação longitudinal realizada por Gass, Jenkins e Dunn (2007) com 192 crianças com o intuito de observar o papel dos relacionamentos fraternais na gestão dos acontecimentos de vida stressantes,

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denotando que a fratria exerce um papel protetor perante a vivência de acontecimentos adversos. Dunn, Slomkowski e Beardsall (1994) apontam ainda que na presença de dificuldades no seio familiar os irmãos desenvolvem uma relação pautada por maior companheirismo, afeto, cooperação e amizade.

Esta relação fraterna baseada, essencialmente, no cuidado, proteção e afeto parece ser facultada, fundamentalmente, pelo irmão mais velho, sendo que, geralmente apresenta uma maior maturidade e um role de experiências, protegendo o irmão de situações adversas que já experienciou, perservando-o desse sofrimento pela sua identificação com os mesmos (Pereira & Arpini, 2012).

De acordo com Silveira (2002, p.109), ―no caso do divórcio e/ou da viuvez, a proximidade emocional tende a aumentar, assim como a frequência do contato e os comportamentos de ajuda. Igualmente, os irmãos costumam aproximar-se em outras situações de iminência de uma perda ou quando esta acontece realmente‖. Nesta pespetiva, Wagner (2002) salienta que os adolescentes provenientes de famílias reconstituídas demonstram uma relação fraterna mais pautada pela proximidade e intimidade do que os adolescentes provenientes de famílias intactas que revelam relacionamentos fraternos mais sustentados pela rivalidade e competição. Assim, diante de adversidades familiares, os irmãos funcionam como uma base segura, unindo-se uns aos outros, concebendo autênticas relações de cumplicidade e cooperação (Ainsworth, 1989; Delgado, 2004).

Ramires (2004) sustenta ainda que, a par da qualidade da vinculação, o desenvolvimento emocional, cognitivo e social dos filhos contribui para uma maior adaptação e eficácia no enfrentamento da separação parental. Portanto, a idade dos filhos também parece influir no seu ajustamento a esta nova dinâmica familiar.

Dado o seu nível emocional e cognitivo mais desenvolvido o adolescente aceita e compreende mais facilmente a separação parental do que as crianças. Mas, ainda que ostentem uma visão mais pragmática e compreensiva, os adolescentes podem despoletar sentimentos negativos e sintomas face a este acontecimento, como é o caso do isolamento e solidão (Hack & Ramires, 2010; Souza, 2000). Segundo Chase-Lansdale, Cherlin e Kiernan (1995) e Wallerstein (1983), na adolescência os filhos deparam-se com uma maior exposição aos conflitos possibilitando o seu comprometimento nos mesmos, por conseguinte, o receio da decomposição familiar e a confirmação da vulnerabilidade das figuras parentais pode propiciar nos jovens sentimentos de rejeição, negação e ansiedade. Além disso, perante o divórcio parental, o jovem adolescente pode também fortalecer uma prematura emancipação, fragmentando a idealização concebida de cada uma das figuras parentais (Cohen, 2002).

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23 Assim, apesar da robustez das capacidades cognitivas, emocionais e sociais que possibilitam um maior entendimento da separação dos pais, os adolescentes deparam-se com duas complexidades: a própria etapa vital em que se encontram (a adolescência) e a crise familiar advinda da separação parental (Cano et al., 2009). Nesta perspetiva, Cano e colaboradores (2009) destacam a possível intensificação das dificuldades nos relacionamentos entre as figuras parentais e os seus descendentes nesta altura, uma vez que, tanto os pais como os filhos se deparam com a descoberta, a liberdade, a conexão com novos seres humanos e a envolvência sexual.

Porém, é de realçar que em casos em que os conflitos interparentais predominem no seio familiar, o divórcio promove uma maior harmonia e equilíbrio na dinâmica familiar e, consequentemente, um maior bem-estar nos filhos (Amato & Afifi, 2006; Benetti, 2006; Hetherington & Kelly, 2002; Kelly & Emery, 2003). Um ambiente familiar em que predomina o conflito parental revela efeitos perduráveis e contínuos nos jovens (e não propriamente o divórcio), tornando-se especialmente nefasto aquando da existência de violência física, avultando a probabilidade do despoletar de problemáticas comportamentais e emocionais graves (Moura & Matos, 2008; Souza, 2000). Por sua vez, constata-se, que o bem-estar dos pais e um relacionamento saudável entre si contribui para o bem-bem-estar dos seus filhos (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Ramires, 2004).

Também Mota e Matos (2009), num estudo já referenciado anteriormente, denotaram que os adolescentes provenientes de famílias divorciadas em que os conflitos interparentais são reduzidos revelam uma maior resiliência do que os jovens pertencentes a famílias intactas em que imperam os conflitos interparentais. Portanto, na ausência de conflito interparental e na presença de uma relação saudável e equilibrada entre os filhos e os pais, os filhos pertencentes a famílias divorciadas, presumivelmente, poderão vir a tornar-se indivíduos competentes e bem-ajustados (Davies, Cummings, & Winter, 2004; Hetherington & Elmore, 2003; Papalia, Olds, & Feldman, 2004).

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Capítulo IV – Estudo Empírico: objetivos, metodologia, hipóteses, amostra e instrumentos e as suas respetivas propriedades psicométricas

1. Estudo Empírico

Nos capítulos anteriores ressaltou-se a pertinência das temáticas abordadas neste estudo no âmbito teórico, enfatizando-se a literatura que sustenta o mesmo e a importância de analisar variáveis pouco estudadas em Portugal, como é o caso da qualidade da ligação entre os irmãos. Esta revisão da literatura proporcionou uma série de conhecimentos que suportam o enquadramento teórico deste estudo empírico, concedendo as diretrizes fundamentais para a concretização do mesmo. Assim, de seguida, serão apresentados os objetivos gerais e específicos deste trabalho de investigação, bem como as hipóteses formuladas, a metodologia adotada, a caraterização da amostra em estudo, os instrumentos utilizados e os respetivos procedimentos e propriedades psicométricas. Finalmente, serão ainda expostos os resultados alcançados com o estudo em causa e a respetiva discussão, com base na literatura atual, em torno das temáticas em estudo.

1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral do estudo é analisar a importância da vinculação aos pais e da qualidade da ligação entre irmãos no desenvolvimento do processo resiliente e bem-estar psicológico em diferentes configurações familiares.

1.2 Objetivos Específicos

Inicialmente pretende-se verificar as associações existentes entre a vinculação aos pais, a qualidade de ligação aos irmãos, o processo resiliente e o bem-estar psicológico. Torna-se igualmente pertinente observar as diferenças entre as variáveis da vinculação aos pais, da ligação aos irmãos, do processo resiliente e do bem-estar psicológico em função das variáveis sociodemográficas em estudo. Pretende-se também analisar a predição da vinculação aos pais, ligação aos irmãos e do bem-estar psicológico no processo resiliente dos adolescentes. Assim como observar a predição da vinculação aos pais, do processo resiliente e do bem-estar psicológico na qualidade de ligação aos irmãos. É ainda relevante analisar se a configuração familiar exerce um efeito moderador na associação entre a qualidade do laço emocional aos pais e o bem-estar psicológico dos adolescentes, assim como entre a qualidade do laço emocional aos pais e a ligação aos irmãos. E, por fim, observar em que medida o

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Tabela 1. Caraterização da amostra geral
Tabela 2. Caraterização da amostra de adolescentes de famílias divorciadas ou separadas
Tabela 3. Diferenças significativas da amostra em função da configuração familiar  Variáveis
Tabela 4. Alphas de Cronbach do Questionário de Vinculação ao Pai e à Mãe
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Referências

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