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2.3 Teoria do direito

2.3.1 Divergência teórica no direito

Em Law’s Empire, o autor acusa a maior parte dos teóricos de oferecer uma concepção de direito como simples questão de fato, para a qual o direito é produto de eventos políticos ou instituições historicamente determinados109. A tarefa do teórico seria indentificá-los110. Essa noção de que o direito é um apanhado de fatos políticos o leva a entender toda divergência teórica111 como o reflexo de uma confusão dos critérios para identificação do direito112. Significa que, se o fenômeno jurídico depende de um conjunto específico de acontecimentos, a investigação de sua natureza se resume a identificação de tais eventos. O resultado seria a decantação de critérios que identificassem com segurança tudo o que é direito.

109 As menções a outras concepções de direito serão baseadas unicamente na caracterização que

Dworkin faz delas, ainda que ele próprio não esteja sendo muito leal a seus adversários – acusação a que ele não raro é submetido (LEITER, 2007, p. 153, nota 3). O que importa para este trabalho é como Dworkin apresenta a teoria do direito contemporânea e quais argumentos emprega para combater seus adversários. As críticas formuladas no âmbito deste trabalho deverão estar baseadas unicamente em inconsistências em suas ideias.

110

DWORKIN, 2007, p. 10.

111 Divergência teórica é aquela que incide não sobre as respostas específicas para os problemas

jurídicos – por exemplo, a validade de um contrato – mas sobre o que torna verdadeiras as respostas concretas em cada caso – a atribuição da importância do corpo dos precedentes judiciais para a determinação do direito. As afirmações sobre o que torna jurídico, conforme o direito, um curso de ação são chamadas de proposições fundamentais do direito (Ibid., p. 7). A divergência teórica é aquela que divide os juristas quanto a validade de tais proposições (Ibid., p. 8). Pode haver concordância, perante um caso concreto, sobre os critérios para identificação do direito – digamos, o que diz a legislação pertinente – mas dissenso sobre o que o direito efetivamente exige no caso em questão – se a lei invocada está ou não em vigor. Essa situação é denominada de divergência empírica por Dworkin (loc. cit.) e não é significativa do ponto de vista da teoria do direito, pois os envolvidos já estão compartilhando critérios para a identificação do direito vigente. A divergência teórica aflige diretamente os profissionais do direito (sobre como isso se dá, ou se deu pelo menos até a época da publicação do livro, no direito norteamericano, ver Ibid., p. 19-38) e são abordadas pelos teóricos como o desconhecimento dos critérios de identificação do direito (Ibid., p. 11-13).

Para as teorias do direito como simples fato, as divergências teóricas não são bem sobre o que o direito é, mas sobre o que ele deveria ser113. Por exemplo, quando os juízes discutem qual é a melhor técnica de interpretação dos textos legais114, ou quando divergem sobre a força vinculante dos precedentes115, eles não têm clareza dos critérios para julgar a validade das proposições jurídicas porque os confundem com seus próprios projetos para o direito116. Assim, seria possível pensar em uma convergência entre diferentes concepções de direito que, no contexto das grandes polêmicas do direito, ficariam veladas por debates acerca de qual seria a forma mais justa ou mais moralmente correta de decidir um caso117.

Outra possibilidade, segundo tais teorias, é que o desacordo sobre como identificar o direito seja reflexo de casos limítrofes de usos da palavra direito, nos quais ninguém pode dizer com segurança o que torna uma proposição jurídica verdadeira118. Assim como não é claro se todos concordariam em chamar o palácio de Buckingham de casa119, também os juízes discordariam sobre o que deve ser entendido como direito nos casos mais desafiadores. Essa discussão “puramente verbal” não contribuiria em nada com a melhora no entendimento e seria resolvida com um acordo sobre quais são os significados aceitáveis de direito120.

Essa banalização da divergência teórica121, para Dworkin, reflete uma tendência comum na filosofia do direito122 de investigar a natureza do conceito

113 Ibid., p. 10/11. Dessa perspectiva, nos grandes processos sobre casos difíceis, a divergência

teórica esconde uma questão de fidelidade, preocupação bastante comum entre os leigos (Ibid., p. p. 8/9). Se o dissenso sobre as questões fundamentais do direito são, na verdade, disputas sobre o que o direito deveria ser, então o problema recai sobre se os juízes são sempre obrigados a aplicar o direito, mesmo quando isso implicaria em uma injustiça. No último desenvolvimento de sua teoria, Dworkin demonstra com, para sua concepção de direito como ramo da moralidade pública, a questão da fidelidade simplesmente deixa de existir (Id., 2011, p. 410-412).

114 Como nos casos Elmer e Snail Darter (Id., 2007, p. 20-29). 115

Como no caso McLoughlin (Ibid., p. 29-35).

116 Ibid., p. 38.

117 Isso é especialmente claro em situações tais como o caso Elmer (Ibid., p. 20-25). Parece

imoral que um assassino seja beneficiado com a herança de sua vítima. Como o direito sucessório vigente não excepcionava casos como esse, parece que os juízes não teriam alternativa, do ponto de vista jurídico, a fazer cumprir o testamento em favor do criminoso. Qualquer decisão diferente poderia ser moralmente mais aceitável, mas seria contra o direito. Essa caracterização do caso, que Dworkin atribui a seus adversários, não é como os próprios envolvidos abordaram a questão. A controvérsia dizia respeito à natureza do direito, especificamente sobre como interpretar a legislação de forma a permanecer fiel ao direito (Ibid., p. 25). 118 Ibid., p. 48. 119 Ibid., p. 49. 120 Loc. cit. 121 Ibid., p. 56. 122

Os exemplos de Dworkin se limitam aos autores de língua inglesa. Hart é um alvo especialmente visado.

de direito de uma perspectiva linguística. Segundo a caracterização que Dworkin faz dessas teorias, elas sustentam suas ideias sobre a natureza do direito na determinação do significado do termo “direito”123

. As teorias que sofrem do chamado “aguilhão semântico”124

entendem que, ao divergir sobre proposições fundamentais do direito, os profissionais estão aplicando regras diferentes para determinar os elementos significativos da prática do direito. Essa disputa mais fundamental implica em um completo desentendimento sobre a resposta do direito nos casos concretos125. As teorias semânticas do direito deixam escapar um atributo importante da natureza do conceito de direito ao oferecer uma mera definição de seu significado126.