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2 O LONGO CAMINHO ATÉ O MODERNO SISTEMA DE GESTÃO DE

2.4 O arcabouço jurídico que resultou na Lei Federal 9.433/97

2.4.2 Divergências estaduais com a lei federal

Como já descrito, a lei nacional de recursos hídricos foi elaborada após intensas observações do cenário internacional, bem como do nacional e depois de estudadas as necessidades e demandas locais. Ainda que as especificidades regionais devam ser levadas em conta, o preceito constitucional deve buscar abranger o máximo de previsões possíveis de forma a não possibilitar lacunas que resultem em discrepância com as leis estaduais. Em contrapartida, é desejável que a legislação estadual baseie-se na lei federal, visando não divergir, no que lhe for possível, nas proposições.

Este destaque é devido ao fato de, que, em alguns estados, ao promulgarem suas políticas estaduais de recursos hídricos, acabam por estabelecer algumas previsões diferentes da lei federal. Um caso que exemplifica tal afirmação é o da legislação do estado do Rio de Janeiro. A sua lei estabelece, a figura da Agência de Água da mesma forma que o regulamento nacional. Contudo difere no estabelecimento das competências, e por criar um outro mecanismo, vinculado ao caixa público, para a destinação do recurso da cobrança pelo uso da água. Este segundo ponto pode sugerir conflito com a lei pois a arrecadação vai primeiro para um cofre público, para depois ser destinada. O que se propunha com a figura da agência é justamente a possibilidade do desvínculo deste recurso com o cofre público. Há

receio por parte de usuários41 de que este recurso sofra contingenciamento. Neste caso carioca, os valores arrecadados com a cobrança vão para o caixa do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDRHI), um fundo estadual, que recebe também recursos da compensação financeira em decorrência do aproveitamento hidrelétrico do estado, bem como destinação orçamentária do governo para o meio ambiente, enfim, um caixa da administração pública. Ainda que haja a possibilidade de que o ente estadual legisle, ele não pode ferir a norma superior. O estado pode prever que haja, por exemplo, ainda que seja neste Fundo, uma dotação específica que vincule o recurso, podendo o mesmo ser utilizado para o fim específico. Neste sentido, entende-se que há discrepância do princípio legal da cobrança, pois o fato de que o recurso arrecadado na regionalidade da bacia vai para um caixa de órgão estadual fere a lei federal. A criação da Agência de Bacia objetiva justamente desvincular as atividades financeiras do comitê da administração pública. A agência elaborará o Plano de Bacia Hidrográfica, que após consenso entre os membros do comitê disporá sobre a aplicação dos recursos para a recuperação e preservação da bacia. Ainda que no caso carioca, há a elaboração do Plano que já contempla as demandas locais vocalizadas pelos componentes da bacia, o fato de que o recurso esteja em um caixa único do governo pode dificultar este trâmite, bem como permitir a utilização do recurso em situações divergentes daquelas propostas pelo plano. Utilizando um termo contábil, ficaria difícil “descarimbar” o recurso uma vez que o mesmo é oriundo de um caixa de órgão estadual, que já tem previsão legal de destinação.

No caso de São Paulo a situação é bem semelhante à carioca. Há a previsão legal da figura da agência, mas esta está legalmente vinculada ao estado. O recurso arrecadado também vai para o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO).

Outra situação de desconexão com a lei federal pode ser verificada no estado do Paraná, que concedeu isenção de pagamento ao segmento da irrigação, aos agricultores. A lei preconiza a cobrança a todos os segmentos de usuários. Cabe aos comitês estabelecerem fórmulas ou “Preço Público Unitário” (PPU)42 do recurso justo e condizente com o setor. No caso do Comitê Paraíba do Sul, por exemplo, como afirmou um entrevistado, representante dos usuários, foi estabelecido por consenso entre os componentes que o agricultor pagaria 40 vezes menos que a indústria. Vários entrevistados se referiram a acerca deste valor menor pago pelos agricultores.

41

A CSN, no Rio de Janeiro efetua seu pagamento somente sob juízo, evitando assim desvio da finalidade da arrecadação do recurso. Sua posição não é de questionar a cobrança, mas a aplicação do recurso.

42

O ANEXO B mostra a fórmula da cobrança pelo uso da água. Maiores informações disponíveis em: <www.ana.gov.br> e <www.ceivap.org.br>. Acesso em 24 abr. 2009.

Dada a grande desinformação em torno da gestão dos recursos hídricos, e principalmente acerca dos instrumentos de gestão, a cobrança pelo uso da água ainda é vista por parte dos usuários com desconfiança, pois há a crença de que se trata de mais um encargo, mais um imposto. A cobrança pelo uso da água pode ser comparada a uma tarifa condominial, firmada após consenso e compromisso de cuidado por parte de todos. Contudo, a cobrança pelo uso da água não deve ser considerada como taxa ou imposto, pois ela é operacionalizada após consenso e decisão dos membros dos comitês de bacia hidrográfica acerca dos valores a serem pagos, bem como o recurso arrecadado não deve ir para um caixa único de governo como no caso dos impostos. Conforme Art. 22 da Lei 9.433/97 o recurso arrecadado deve ser aplicado prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram gerados. Cabe aos atores dos comitês decidirem quanto vão pagar e posteriormente onde serão aplicados tais recursos. Este instrumento tem por princípio funcionar como um instrumento educativo (pedagógico) em relação à utilização dos recursos hídricos, tratando como um bem finito, que deve ter o seu usufruto garantido tanto para gerações atuais, como para as futuras. Desta forma, as peculiaridades locais expressas nas leis estaduais, como as exemplificadas acima, podem representar enfraquecimento do instrumento de gestão, desvirtuando assim do propósito primeiro da lei, que é de conscientizar localmente aqueles que fazem uso do recurso hídrico para a preservação. Até porque a lei dos recursos hídricos foi baseada no conceito da descentralização do processo decisório, no empoderamento dos atores locais, através dos comitês de bacia hidrográfica, para as decisões que lhes são afetas.