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1 GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: AÇÃO COLETIVA E PROVISÃO DO

1.2 O contexto da gestão de recursos hídricos

A degradação do meio ambiente - tendo a escassez do recurso hídrico como um de seus resultados constatados pela ciência e divulgados através de relatórios que informam a dimensão do problema com alertas acerca da preservação - tem como conseqüência a realização de inúmeros debates, produções e pesquisas acadêmicas, suscitando questões sobre a água como recurso findável19, contrariando antigas concepções que a consideravam inesgotável.

Estas indagações demonstram a necessidade de decisões jurídicas e políticas públicas e que estas devem ser oriundas da participação da sociedade tendo em vista que a questão ambiental, em maior ou em menor escala e de forma imediata ou futura, a todos atinge. Neste sentido, seria desejável que as deliberações fossem consensuais e fossem tomadas no âmbito local, tendo em vista as clivagens regionais, as formas como as diferenças regionais interferem nas relações intergovernamentais e a identificação das elites locais e o papel que desempenham no processo decisório (KERBAUY, 2002, p. 1). Outros fatores que justificam tal necessidade são a integração e a descentralização propostas pela Lei Federal 9.433/97, que atribuiu aos comitês a competência de decisão no que se refere a gestão das águas na territorialidade de abrangência da bacia hidrográfica a qual pertence o comitê. Sob este prisma, as peculiaridades naturais do local, as características de uso (devido ao tipo de usuário local) e de preservação de cada região e, ainda, o grau de cooperação entre os atores, podem

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Quando foi constatada a possibilidade de escassez da água, aferiu-se a ela a característica de bem público, e nesta condição, passível de ter um valor econômico e de ser cobrada pelo seu uso. Outro motivo que justificou esta consideração foi o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, que é, como expresso no documento “Relatório de Brundtland”: “a forma como as atuais gerações satisfazem às suas necessidades no presente sem, no entanto comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”. Neste sentido, a noção que permeia o estabelecimento deste pagamento enquanto instrumento de gestão é a de que acoplada à cobrança pelos diversos usos deve incidir também um “preço” pela poluição causada pela “exploração da água” por estes usuários.

determinar o comportamento destes em relação às decisões concernentes a todos os instrumentos de gestão, mas, principalmente, à cobrança pelo uso da água, visto que esta afeta direta e individualmente20

o usuário. Souza (2003) trata das normas que regulamentam a articulação entre os diversos membros do comitê, e das táticas adotadas pelos atores, frente à necessidade de produção do bem público, que deve somar interesse setorial e interesse coletivo. Segundo a autora, o comitê é uma instituição com capacidade de promover a interação entre seus membros e ter como resultado a cooperação entre eles. Ela afirma que a própria noção de formação do comitê, somada à flexibilidade de seu modelo, de antemão já possibilita a negociação com vistas ao consenso, apesar de estarem ali representados interesses diversos. Ou seja, o modelo de constituição dos comitês adicionado à possibilidade de adequar os instrumentos legais às reais necessidades dos usuários, imediatamente concorrem para o apontamento de soluções dos problemas das bacias. Para se atingir o fim comum, entende-se imprescindível o acordo, a cooperação entre os atores.

Mas, paradoxalmente, a autora também salienta as querelas de cunho político que podem surgir da competição. Segundo ela, podem ocorrer grandes conflitos resultantes da circunstância de escassez do bem natural e essa carência pode ser decorrente das altas taxas de consumo, desperdício, poluição, desmatamento, pouca disponibilidade do bem, meios inadequados de gestão e ausência de regras que visem a sustentabilidade (SOUZA, 2005, p. 134). Para ela, a solução para os conflitos perpassa pela necessidade do agrupamento dos vários usuários visando uma solução negociada para as divergências. Sob esta ótica, o estudo da conduta dos usuários dos recursos hídricos é imperioso e relevante, na medida em que fornece importantes orientações acerca do grau informacional21 de que estes dispõem, bem como dos recursos envolvidos no processo decisório em cada bacia hidrográfica. São, também, imprescindíveis as questões de cunho técnico22

que podem influenciar na tomada de decisão e que permeiam toda a discussão acerca da gestão da água.

Ao estudar o comportamento dos atores, o pano de fundo é o dilema da ação coletiva, face tratar-se de estudo de processo de decisão, envolvendo interesses que perpassam um grupo de pessoas com expectativas diferentes em relação à gestão das águas como um todo,

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A cobrança afeta individualmente o usuário apesar de incidir sobre todos os usuários da bacia hidrográfica porque em uma mesma bacia há usos diferentes, tendo por isso diferentes taxações, pois o cálculo da cobrança é feito de acordo com o uso. Há usos mais “sobretaxados” que outros pelo fato de serem mais poluidores. Reside justamente nesta característica a intenção de disciplinar o uso dos recursos hídricos, objetivando tanto a preservação quanto a sustentabilidade.

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Este pode ser um fator importante e decisivo na tomada de posição pelo usuário.

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Refere-se aqui a estudo dos solos, das disponibilidades hídricas locais, a concessão de outorgas; ou seja, fatores que podem ser determinantes na decisão da forma de gestão como também na utilização ou estabelecimento de seus instrumentos já previstos em lei.

mas, essencialmente, em relação à cobrança pelo uso da água. O objetivo central deste estudo é o de saber o motivo pelo qual a cobrança pelo uso da água se efetivou em alguns locais e em outros não. Busca-se verificar se há características de comportamento coletivo e/ou particularidades locais que impedem a efetivação da cobrança. A principal motivação deste estudo é o fato de que há diferentes comportamentos dos atores frente à mesma norma. Em algumas bacias hidrográficas já há a cobrança; outras ainda estão com a discussão avançada, contudo também não efetivaram a cobrança e, ao mesmo tempo, há situações nas quais a bacia está em estágio anterior, não tendo estabelecido nenhum instrumento de gestão23. São essas diferenças que fornecem subsídios para conjecturar acerca das peculiaridades locais que influenciam no cumprimento da lei.

Muito se tem escrito, tanto por parte de pesquisadores das áreas de biologia, ecologia, agronomia, engenharia; como também por estudiosos das ciências sociais e humanas sobre a degradação do Meio Ambiente, e em especial a dos recursos hídricos. A cobrança pelo uso da água é o tema central desta pesquisa, como tem sido tema de outros esforços. Entretanto, não se estudou ainda o motivo da não efetivação deste instrumento da maneira como se apresenta nesta proposta, ou seja, a partir da análise comportamental dos usuários e à luz dos dilemas da ação coletiva e do reconhecimento da água como um Commom Pool Resources, ou Recurso Comum24. A literatura tem analisado a cobrança enquanto instrumento de gestão ou o seu funcionamento nos poucos locais em que acontece. Há também trabalhos na área jurídica sobre a cobrança pelo uso da água, mas que se restringem à discussão de sua natureza legal. Nesta pesquisa analisou-se a postura dos atores relacionada à cobrança bem como a dinâmica interna dos comitês em relação à interação destes atores, quais sejam os usuários das águas, o poder público e a sociedade civil, uma vez que está nas mãos destes a tomada de decisão face ao modelo de gestão adotado. Com a finalidade de identificar os recursos (caso realmente existam) utilizados pelos atores para postergar a obrigação ao pagamento, pretendeu-se compreender o motivo da cobrança pelo uso da água se estabelecer em determinadas bacias e não se efetivar em outras, estando todas as bacias hidrográficas sob a mesma previsão legal. A constatação de que em algumas bacias já se implantou a cobrança e em outras não, sugere que

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A Lei Federal 9.433/97 estabelece os seguintes instrumentos de gestão: Planos de Recursos Hídricos e Plano de Bacias; Outorga do direito de uso dos recursos hídricos; Enquadramento dos corpos d'água; Cobrança pelo uso da água; e Sistema de Informações. Esta lei não estabelece ordem seqüencial entre os instrumentos, entretanto há alguns que só podem se concretizar após terem sido estabelecidos outros. Por isso se fala em estágios na implantação dos instrumentos de gestão do uso da água.

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Ravena (2002) pontua a definição de Commom Pool Resources como um recurso natural ou construído, satisfatoriamente grande e custoso quando é objeto de apropriação e/ou provimento, mas que ao mesmo tempo permite a exclusão de potenciais beneficiários do seu uso. Para o usufruto deste recurso importam quantos são os

há diferentes comportamentos dos atores (usuários, sociedade civil e poder público, e estes em articulação com as agências de água) em relação a esse instrumento de gestão, pois a Lei 9.433/97 definiu os comitês de bacias hidrográficas como arenas decisórias no que tange a deliberações afetas às bacias e seu entorno. Logo, aqueles que compõem os comitês são responsáveis pelas decisões pertinentes.