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5.2. A QUESTÃO DA DIVERSIDADE E DAS DIFERENÇAS NA ESCOLA: UM PROCESSO DE

5.2.2 Diversidade de gênero, raça e classe social

Quanto à diversidade de gênero, raça e classe social, a professora e as coordenadoras muitas vezes não se davam conta que exerciam ações que favoreciam a diversidade de um modo geral e que o tabu está ligado mais em específico à questão racial, evidenciando a permanência, no discurso, do mito da democracia racial, que acaba por silenciar as diferenças, principalmente étnicas e raciais.

Como esta temática apresentou um número expressivo de elementos obstaculizadores, vamos aqui nos debruçar um pouco mais em sua análise. Iniciamos com os três primeiros elementos que dizem respeito ao ser negro, a identidade da criança negra e como esta questão verdadeiramente se põe como obstáculo, seja para a professora, seja para as coordenadoras.

(silêncio) a diversidade dentro da escola, pensando aqui na Solano Trindade. Eu acho que a maioria das crianças, a maioria, a maioria mesmo, das crianças, elas são negras, a maioria não é? Ou é mistura. E a maior dificuldade que eu vejo aqui é de auto-aceitação das crianças. Então, às vezes, um xinga o outro de negro, só que quem xingou também é negro! É um problema que eu acho talvez das crianças de auto-aceitação. (§17. RC - Professora Patrícia)

Diante desta fala destacamos a identidade negra como algo não resolvido pelas crianças no espaço escolar. Podemos perceber como o tributo recai fortemente sobre elas que, mesmo sendo negras em sua maioria, negam-se e não se aceitam.

Apesar da professora e das coordenadoras dizerem que não sabem como trabalhar esta questão, o que vemos como positivo, no sentido de admitir “não sei e agora

estou pensando como”, as educadoras, em alguns momentos, não se dão conta de que o problema não está nas crianças, e sim num sistema educacional que pouco vive a diversidade e não favorece a valorização do negro na escola. O que nos leva a questionar: como existir uma auto-aceitação do ser negro pelas crianças em um espaço no qual elas não são reconhecidas?

(...) no que tange a diversidade, não tenho porcentagem, mas eu sei que grande parte das crianças da Solano Trindade é negra, declaradas negras e mais, vejo isso como algo não bem resolvido. Ainda tem coisas que precisamos trabalhar, mas eu particularmente ainda sinto um pouco de dificuldade, para mim, eu vejo isso como muito natural, para mim é muito natural, mas trabalhar, conseguir melhoras, eu ainda tenho um pouco de dificuldade, mas vejo que para algumas crianças, isso ainda é uma coisa a se resolver. (§5. RC - Coord. Débora)

A escola pouco tem de negritude ou africanidades, mesmo quando expressa um número elevado de negros, como as próprias educadoras apontam e dados anteriormente apresentados. A escola Solano Trindade tem uma maioria de crianças negras, no entanto, a sua realidade em relação ao racismo, preconceito e discriminação não foge muito do que aparece em escolas com outras realidades e um número menos expressivo de negros. Sem querer culpabilizar as participantes, mas ilustrar, a partir das suas falas, a existência do silêncio perverso no qual vivemos e a partir do qual anulamos as diferenças, principalmente o ser negro na nossa sociedade e, conseqüentemente, em nossas escolas.

(...) mas eu vejo, das próprias crianças que são negras, às vezes elas se afastam um pouco, que elas se consideram diferentes, às vezes elas se afastam um pouco, algumas, não todas (...) (§19.RC - Professora Patrícia)

O fato das crianças negras se afastarem, só reforça o argumento de que elas não se vêem no espaço escolar e sentem o preconceito que perversamente está silenciado, mas não anulado. Pois o silêncio do preconceito racial, a sua sutileza social mascara as relações raciais como harmônicas, sem tensões ou conflitos, tanto no espaço escolar quanto no social. No entanto, as falas demonstram que há o discurso do natural, do comum, mas que de fato tudo fica neste discurso e que as ações são outras, o que pouco favorece a constituição positiva da identidade negra ou ainda das diferentes identidades raciais, culturais, etc.

(...) eu acho que a gente ainda precisa de uma formação nesse sentido, Fran. Nesse sentido mesmo, de até como trabalhar, porque é o que comentamos: nas Comunidades tem muita base teórica, de sensibilizar, de entender que é importante, dá uma segurança para trabalhar, mas às vezes nós não conseguimos caminhar muito, ficamos um pouco travadas por questões mesmo, que já comentamos, sociais, que é muito arraigado, que é muito enraizado ainda. Então, nós vamos lutando, mas eu sinto que ainda falta uma formação que possa discutir mais o assunto, que possa trocar experiências, que possa conversar mais sobre isso. O sentido que eu digo de velado. É no sentido de que, às vezes, por conta das coisas que temos para fazer, isto acaba ficando mascarado, sabemos que acontece, mas às vezes não conseguimos trabalhar efetivamente com isso. Não que a gente não veja como já foi comentado que vê, mas às vezes não conseguimos, não conseguimos trabalhar, não conseguimos produzir para que isso mude, para que tenhamos uma mudança significativa mesmo! E as crianças sofrem, as crianças sofrem por isso... (§22. RC - Coord. Débora)

E aí outro obstáculo para pensarmos a valorização das diferentes identidades no espaço escolar é a questão da formação do/a docente frente à diversidade, a igualdade de

diferenças, o direito de ser diferente e respeitado. Enquanto seres sociais e históricos, estamos carregados de traços que nos identificam como pertencentes a uma determinada cultura, raça, religião, gênero, etc. Diante das falas das educadoras percebemos que a formação inicial e continuada frente a estas questões se colocam muitas vezes como obstáculo e estagnação. O

como fazer torna-se um problema e, diante dele, se faz muito pouco, o que não garante um espaço de diálogo sobre as diferenças enquanto parte da riqueza humana, fortalecendo um olhar sobre as diferenças como um problema que não se adéqua ao “tipo padrão” de ser homem e de ser mulher.

(...) menina tem que fazer isso, menino tem que fazer aquilo, o menino tem que brigar, o menino tem que xingar, ele tem que ser de certa forma mais agressivo e, se ele for diferente disso... Ah! Ele vai sofrer bastante, porque as crianças vão ser bem cruéis na hora de falar. Eu vejo, porque, tem um caso aqui na escola. Então, eu observo, não é na minha sala, mas observamos bastante, assim, pela atitude do menino ser diferente, as crianças comentam, as pessoas comentam, não só as crianças; de modo geral comentam. E ele não é bobo, e ele sabe que as pessoas falam e se incomoda. E eu acho que isso marca bastante (...) (§18. RC - Professora Patrícia)

Podemos constatar, por meio da fala da professora, como o espaço escolar está imbuído do social, dos seus preconceitos e discriminações raciais, culturais, sexuais, etc. A escola está mergulhada no discurso de que todos/as são iguais, no entanto, a igualdade, muitas vezes proclamada na instituição escolar, vira sinônimo de homogeneização e não de igualdade. Vivemos em uma sociedade desigual e que todos/as têm, ou melhor, devem ter igual condição de direito. Por isso, ao falar de igualdade, a palavra se põe como obstáculo, pois sabemos que uma maioria não vive em condições de igualdade no espaço escolar e nem no social amplo. Não queremos minimizar toda a complexidade que está em volta da igualdade de diferenças e, conseqüentemente, da diversidade no espaço escolar; queremos chamar a atenção para o fato de que ela existe e, enquanto fingirmos que tratamos destas questões ou deixarmos a cargo apenas daqueles que têm mais afinidade e vontade de tratá-las, estaremos marcando e excluindo a vida de muitas crianças que sofrem e têm sua auto-estima rebaixada por não serem reconhecidas no âmbito escolar.

Nesta temática, destacamos os fatores transformadores e aqueles que aparecem como obstáculos frente à diversidade de gênero, raça e classe social. Lembrando que focalizamos a análise na questão racial e com base nas falas da professora e das coordenadoras. Entendemos fatores transformadores todos os elementos que favorecem o diálogo e o respeito às diferenças, e que percebe na diversidade a riqueza humana de forma a

valorizar as diferentes identidades. Os fatores obstaculizadores são aqueles que impedem o respeito à diversidade, o direito de viver as diferenças e reproduz o discurso da igualdade como homogeneização, apagando ou anulando as diferenças.

Quadro IV - Diversidade de gênero, raça e classe social

Elementos transformadores Obstáculos

– Altas expectativas em relação às crianças. – Reflexão e questionamentos frente à questão da diversidade na sala de aula. – Professora buscou o trabalho sobre diversidade e relações étnicas e raciais. – Percebe que a comunidade de entorno da escola, é uma comunidade com um diferencial e a que a maioria das crianças que freqüentam a escola são negras.

– Diversidade é um fator positivo. – Importante discutir sobre as diferenças. – Há Professora na escola trabalhando as diferentes culturas.

– A criança negra não se reconhece no espaço escolar. – Crianças negras procuram se afastar das demais. – A questão do ser negro entre as crianças não é bem resolvida.

– As relações de gênero são postas pelo que dita a sociedade.

– Discriminação frente ao ser diferente raça e gênero. – Peculiaridade da comunidade de entorno e das crianças.

– Discurso de igualdade.

– O diferente causa aversão às pessoas.

– Condição sócio-econômica dos/as responsáveis pelas crianças.

– Crianças da escola apresentam comportamentos que difere do padrão esperado pela sociedade.

– Falta de compromisso do/a professor/a com o seu trabalho.

– Cair no assistencialismo, trocar o papel de educador/a para cuidador/a.

– Escola percebe as diferenças que existem em seu interior, mas não fala sobre a mesma.

– A escola cai no discurso, “modismo” sobre a diversidade.

– Falta formação e conhecimento teórico para o professorado trabalhar com a diversidade, principalmente a racial.

– Não tem momentos de diálogo e trocas de experiências para falar sobre diversidade.

– A questão da diversidade de gênero, raça e classe, fica em segundo plano dentro da escola.

– As diferentes identidades não são dialogadas no espaço escolar.

– A diversidade é vista como um problema a ser trabalhado, vivido e dialogado.

– Há estagnação frente ao trabalho efetivo sobre diversidade racial e cultural.

– Não há envolvimento do corpo docente sobre trabalhos que abordem a diversidade, fica muito a cargo de cada professor/a.

– Não há momentos de trocas de experiências, diálogo e estudo coletivo sobre diversidade.

– Trabalho da coordenação exige prioridades que acaba pormenorizando ou deixando para segundo

plano a questão da diversidade.

– Falta subsídios, elementos concretos e apoio para o professorado trabalhar as questões da diversidade. – A sociedade, assim como a escola não vive a igualdade de diferenças.- A sociedade é uma das barreiras que dificulta falar sobre a diversidade. – O preconceito é camuflado e as diferenças são banalizadas.

7 elementos, 6 menções 27 elementos, 24 menções

Dos elementos transformadores apontados neste quadro-síntese, podemos perceber o reconhecimento da importância da diversidade no espaço escolar, bem como do diálogo para se viver o respeito às diferenças tanto por parte da professora quanto das coordenadoras. No caso da professora, destacamos a percepção da existência da criança negra e as preocupações e questionamentos frente às diferenças do alunado. As coordenadoras destacam a relevância de se ter presente a diversidade na escola. No entanto, chamamos a atenção para os fatores obstaculizadores, a proporcionalidade em que aparecem. Diante do quadro-síntese, podemos constatar que a questão da diversidade, seja racial, cultural, social, sexual, etc., ainda não é bem resolvida no espaço escolar e, ao mesmo tempo que falta formação aos profissionais da escola, o silêncio causa estagnação frente ao ser diverso.

O que procuramos analisar frente à temática apresentada, focando em específico a questão racial, foi o quanto ainda precisamos de ações que dêem visibilidade e mais que isso, garantam o diálogo frente à diversidade e as diferenças que constituem a escola de forma a valorizar as diferentes identidades. Neste sentido, passamos ao tema sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e Lei 10.639/03 que vem como um caminho para se pensar ações mais efetivas sobre as questões apresentadas.

5.2.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e