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CAPÍTULO II UM OLHAR SOBRE AS POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO

3.3 DIVERSIDADE E PLURALISMO: OS LIMITES DO POSSÍVEL

No capítulo anterior foram colocadas algumas considerações sobre como entender a diversidade e o pluralismo, dois princípios fundamentais da mídia pública e da comunitária. Em nossa análise não pretendemos esgotar as reflexões a respeito da efetivação deles nos contextos cubano e brasileiro. Partindo das próprias limitações da presente pesquisa - fundamentalmente em relação às restrições de informação e material disponível nos dois países -, apontamos elementos para ponderar como são apreendidos pelos atores da televisão comunitária e quais avanços e limites evidenciados nas práticas dos meios de comunicação.

O pluralismo nos dois países é entendido em sua relação com a ampliação da democracia e da participação social na radiodifusão de sons e imagens. A diversidade está estreitamente relacionada com o envolvimento e a representação de segmentos da sociedade diversificados, atendendo a características como a idade, a raça, o gênero, a condição econômica, a filiação política, dentre outras. Ambos dizem respeito à oferta de programas e temáticas diferenciadas para públicos amplos, compreendendo a diversidade cultural, social,

política, como componentes fundamentais das iniciativas de comunicação comunitária em televisão. Ao indagar sobre eles, a programação das TVs é uma instância fundamental para constatar sua efetivação. Tanto em Cuba quanto no Brasil, elementos positivos são assinalados, mas também ecoam críticas a respeitode múltiplas questões.

Para Mário Jefferson Leite (2013) a diversidade é constatada na própria grade de programação da televisão. Referindo-se à TV Cidade Taubaté, ele garante que

A diversidade é uma realidade em nossa grade, posto que trabalhamos na conceituação de um propósito maior que é o de garantir o exercício da mais ampla democracia em todos seus organismos e instâncias, assegurando liberdade de expressão aos representantes das entidades associadas, buscando sempre a unidade de ação.

Conteúdos voltados para a cidadania, para a educação, a saúde, a questão da mulher, da diversidade sexual, assim como recentemente a discussão da temática da maioridade penal, foram destacados pela coordenadora geral da TVC do Rio de Janeiro pela sua prioridade na emissora (SOARES, 2013). No entanto, Soares salienta que ainda a TV não conseguiu fazer uma distribuição de horário por questões temáticas. As causas são diversas, mas é fundamental a existência de várias entidades ocupando a grade com suas produções específicas, além do fato de que o canal tem muitas dificuldades para produzir programas de forma independente, sendo eles trazidos pelas associações afiliadas. “Podemos fazer sugestões sobre aspectos não condizentes com o posicionamento ou a ética da TV, mas não impor temáticas ou abordagens determinadas”, apontou Soares.

Os realizadores da TV provincial, indagados em Cuba a respeito da amplitude temática, reafirmam a presença de temas culturais, históricos, de valorização da identidade nacional e local, assim como a representatividade de diferentes segmentos de público ao compor as grades das emissoras. Para Meysis Carmenati (2013) o conteúdo temático é diversificado e bastante completo no Canal Habana; porém falta o tratamento crítico e em profundidade de temas políticos, econômicos e alguns temas sociais, os quais são apresentados de forma supérflua e com escassos argumentos.

Na ilha é preciso estimular a produção independente e garantir seu lugar nas emissoras – entende-se por produção independente aquela realizada por indivíduos ou organizações que não pertencem ao sistema estatal de meios – como forma de fazer a proposta televisiva diversa e plural. Apesar de evidenciar algumas transformações; em geral, há uma resistência a incentivar a iniciativa independente. Unicamente as dificuldades financeiras das TVs justificam que os conteúdos e programas sejam produzidos fora da emissora (CARMENATI, 2013).

Para Herrera (2013) um avanço significativo na televisão em Cuba é o fato de que atualmente a quase totalidade dos produtos veiculados pelos canais municipais são de produção nacional, podendoser realizados no próprio canal ou por uma estrutura pertencente à TV nacional. Na opinião da pesquisadora isso demonstra a intenção de incentivar a produção nacional e local, especialmente aquela que se produz no âmbito municipal. Ao mesmo tempo, é um passo importante para diminuir a veiculação de programas estrangeiros na TV.

Há também uma orientação para não desestimar as produções independentes, sempre que cumpram com as condições técnicas da televisão no sistema nacional de TV. A adequação aos parâmetros técnicos é bem difícil, devido à carência de recursos que se vivencia na ilha. Além disso, produções de fora das emissoras devem se ajustar aos princípios e diretrizes vigentes, sendo submetidas à análise estrita por parte das instâncias de direção institucional e política antes de serem veiculadas.

(...) é ponderada a representatividade dos diferentes setores sociais, com especial interesse para os espaços dedicados à juventude e à infância (existem programas para esses segmentos nas grades de todos os canais cubanos); está presente em todas as emissoras de televisão o caráter social do veículo, com sua função educativa, de entretenimento, informativa, com destaque para a preservação e resgate da história e os valores locais... (HERRERA, 2013, tradução própria).

A situação no Brasil tem semelhanças com a de Cuba se consideramos algumas limitantes para o desenvolvimento de produções independentes, sendo a escassez de recursos a principal limitação. Ressalvando que, ao invés da ilha, os canais comunitários brasileiros funcionam geralmente como provedores de acesso ou provedores de conteúdo, em ambos os casos, as entidades da sociedade – usuárias ou não do canal - ocupam com suas produções a grade e tem a seu cargo os custos da produção. A escassa disponibilidade de recursos nas comunidades, elemento comum nos dois países, dificulta a realização de produtos comunicativos com qualidade que consigam se colocar nas programações das emissoras.

Como pode ser constatado nas palavras da Olga Amélia Soares, coordenadora geral do canal comunitário da TV a Cabo do município do Rio: “é difícil você incentivar a produção comunitária local se eles não têm condição financeira de fazer. Quando a gente faz alguma coisa em comunidade é a própria TVC que banca, a TVC vê a necessidade de fazer em alguma comunidade um programa e é a TVC que banca isso, porque as comunidades não têm como” (SOARES, 2013).

Considerando as duas realidades, é possível afirmar que, embora haja avanços na qualidade da programação, ainda se observa pouca diversidade de gêneros e formatos nas TVs comunitárias do Cabo e nos canais municipais e provinciais cubanos. Nesse sentido, existe

também a dificuldade das câmeras chegar nas comunidades e de se estabelecerem redes de troca de conteúdos e de produção, assim como parcerias e intercâmbios para a capacitação. Para Cicília Peruzzo (2007, p.113), “é muito comum a veiculação de programas cansativos e pouco produzidos sob o ponto de vista técnico, o que tende a não atrair a exigente audiência, acostumada com uma linguagem mais dinâmica”.

Nesse sentido assinala Soares (2013) que no canal comunitário do Rio convivem programas excelentes com programas péssimos e a TV não tem como interferir nisso. A TV pode determinar algumas diretrizes, mas de modo geral não pode determinar como serão os programas, porque precisa da contribuição das entidades filiadas para se manter no ar.

A subutilização dos espaços abertos para a veiculação de programas e/ou a ocupação da maior parte da grade por entidades ou grupos particulares, dedicados a temáticas especificas são, sem dúvida, limitações das emissoras comunitárias brasileiras.

Por sua parte, em Cuba a uniformidade do modelo difundido nas TVs municipais e provinciais com centralização no Instituto de Rádio e TV, por sua vez, submetido a diretrizes políticas do Partido, resulta um entrave para a diversificação dos gêneros e formatos já existentes na televisão nacional. Assim mesmo, dificulta a mudança nas concepções e abordagens temáticas.

O Canal Habana, emissora selecionada para ser analisada na pesquisa, tem se destacado, segundo o critério dos atores indagados, como uma proposta diferente dentro da TV cubana. Vasallo (2013) distingue três aspectos nesse sentido: 1) a programação que reflete, em grande medida, a realidade da capital do país, 2) seu relacionamento com a audiência - em estudos e pesquisas tem se determinado que a população se sente representada na TV - e 3) a visualidade completamente diferente dos demais canais da televisão cubana até o momento.

Referindo-se à trajetória da TV comunitária brasileira, com seus acertos e dificuldades, ameaçada em seu desenvolvimento pela falta de políticas públicas abrangentes e pela carência de um marco regulatório que garanta sua continuidade, Leite (2013) afirma que

A potencialidade dos canais está, por certo, na sua forma de sobreviver que permite, entre outras coisas, criar e recriar a forma de comunicação no Brasil. Por sermos a maior grade da América Latina (podemos ficar 24 horas no ar), temos espaço para contemplar diversas atividades socioculturais. O esporte, a religião, a cultura de forma ampla são alguns dos componentes que nos permite fazer a coisa certa (IDEM, 2013).

A coordenadora geral da TV comunitária do Rio ainda garante,

a TV comunitária tem uma grande audiência, tem boa aceitação do público e conta com total apoio e até com a paixão do filiado (...) o importante é que a gente consegue levar, mostrar para o povo a luta principal das comunidades, consegue porque a gente centraliza muito naquilo que está faltando para o povo todo: saúde, educação, segurança, organização e principalmente amor à pátria. Eu tenho um

programa lá que se chama “Brava gente brasileira”, nele estimulo muito o amor ao nosso país, ao nosso povo, as nossas raízes (SOARES, 2013).

Embora existam inúmeras dificuldades e a realidade está muito além do ideal almejado pelos atores da televisão comunitária no Brasil e a TV de cobertura provincial e municipal em Cuba, é inegável que as iniciativas resultam inovadoras desde sua própria concepção. Os avanços na representatividade de aspectos, temáticas e atores locais e regionais nas produções audiovisuais são marcados na ilha. No Brasil, por sua vez, embora haja uma maior presença da TV a Cabo e, em decorrência, dos canais comunitários nas regiões Sul e Sudeste, os incentivos para a sociedade local se mobilizar e ocupar as grades traduzem processos de mudança no universo midiático, que aos poucos permeiam as percepções socialmente instituídas sobre a estrutura e finalidades do espaço radioelétrico.

Nos questionários recebidos ecoa o fato de quão difícil resulta para as TVs cubanas e brasileiras se manter e desenvolverem uma proposta diversa e plural. Entendemos que ser diverso e plural é também existir como uma alternativa que visa a inclusão social e a transformação, mas há de se avançar em possíveis modos de atuação e sustentabilidade que potenciem e expressem a diversidade e o pluralismo.

3.4 ALCANCE DAS EMISSORAS DE TV COMUNITÁRIA NA REALIDADE