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A diversificação mercantil dos homens de negócio em fins do século XVIII e inicio do século XIX: Elias Antonio Lopes e seus negócios mercantis

do Estado do Brasil e seus domínios ultramarinos

2.1. A diversificação mercantil dos homens de negócio em fins do século XVIII e inicio do século XIX: Elias Antonio Lopes e seus negócios mercantis

Em fins do século XVIII, os homens de negócio conseguiram assumir o status de elite econômica e política, passando a controlar setores chave de uma economia com características marcadamente mercantis e não apenas vinculada ao agrário. Tal período, denominado por João Fragoso de colonial tardio, constituiu-se em uma:

(...) época não tanto de recuperação econômica, mas, principalmente, como um período de consolidação de novas formas ou práticas de acumulação na economia colonial escravista do Sudeste-Sul, sendo estas novas práticas coincidentes com o domínio do capital mercantil e, logo, com a hegemonia de uma nova elite econômica na região analisada. Tal elite seria formada pela comunidade de comerciantes de grosso trato, residentes na praça do Rio de Janeiro.19

Sendo assim, Fragoso assume utilizar o termo colonial tardio de uma perspectiva diferente de autores renomados como Dauril Alden. No entendimento de Fragoso, Alden utilizou o termo para caracterizar a economia colonial brasileira no período entre 1750-1808, quando esta estava sob o domínio da Coroa portuguesa. Este período seria marcado pelo auge e declínio da produção aurífera, com o posterior retorno da agricultura de exportação com o açúcar e algodão. O período chegou ao seu fim com a vinda da Corte em 1808 e as transformações advindas com este acontecimento: fim do

"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""" independência e o primeiro banco do Brasil: uma trajetória de poder e de grandes negócios.” Tempo, Rio de Janeiro, n° 15, pp.71-9. Disponível em: http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg15-4.pdf 19FRAGOSO, 2000, Op.Cit. p.11. (Grifo nosso)

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pacto colonial e o novo estatuto político do Brasil no Império português.20 Diferentemente de Alden, Fragoso argumentou que o colonial tardio terminou em 1830 e não em 1808, abarcando uma série de características que definem esta conjuntura, entre elas, a emergência dessa nova elite econômica e política.

Esse período também foi marcado pela “consolidação de redes de comércio, tanto no interior do Sudeste/ Sul coloniais como no Império português (a exemplo das rotas angolanas de escravos e das ligações com Goa), tendo como centro o Rio de Janeiro.”21 Elias Antonio Lopes participou de tais rotas mercantis com praças de comércio internacionais, conforme vimos no primeiro capítulo. No que se refere à Goa, o negociante também empreendeu negócios com o Oriente, principalmente na aquisição de fazendas têxteis, o que será considerado mais adiante. Por isso, Fragoso defende que o Rio de Janeiro foi a principal praça mercantil do Atlântico Sul e do Império Ultramarino português, conforme abordado no primeiro capítulo.22 Este papel relevante da cidade fez com que a defesa dela fosse cada vez mais uma política da própria Coroa23, com o intuito de melhor protegê-la dos ataques das nações estrangeiras, como o que ocorreu em 1711 com os franceses.

Em suma, o período colonial tardio pode ser compreendido a partir de dois processos. Primeiro houve a hegemonia da comunidade mercantil do Rio de Janeiro tornando-se esta a elite econômica do período. Esta elite era representada pelos homens de negócio quando o capital mercantil tornou-se representativo nesta economia. Segundo, o Rio de Janeiro se transformou na principal praça mercantil do Atlântico Sul ao abranger circuitos mercantis externos e internos.24 Ademais, o porto da cidade tinha o papel relevante na importação, exportação, no tráfico negreiro e no comércio interno colonial de abastecimento.25 Contudo, ainda permanecia um mercado imperfeito que segundo o autor possuía características como: “precária liquidez, frágil divisão social do trabalho, uma demanda restrita, praticas monopolistas e cadeias de endividamento.”26 Assim, a hegemonia do capital mercantil era uma característica das

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20 FRAGOSO, 2000, Op.Cit.pp.10-11. Cf.: ALDEN, Dauril. “El colonial tardio.” In: Bethel, Leslie

(editor). História da América Latina. Vol.3. Barcelona: Editorial Critica,1990.pp.306-358.

21 FRAGOSO, 2000, Op.Cit.p.11. 22 FRAGOSO, 2010, Op.Cit.p.321.

23 MAGALHÃES, Joaquim Romero de. Sebastião José de Carvalho e melo e a economia do Brasil. In:

Idem. Labirintos Brasileiros. São Paulo: Alameda, 2011, pp. 173-198.

24 FRAGOSO, 2000, Op.Cit.p.12. 25Idem. p.32.

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economias pré-capitalistas, levando os homens de negócio a diversificarem suas atividades para reduzir os riscos. A precária liquidez econômica e a frágil circulação monetária faziam com que os negociantes investissem no mercado de crédito, tornando- se prestamistas ou rentistas, e também nas companhias de seguros. A respeito da diversificação João Fragoso & Manolo Florentino destacaram que:

A diversificação (...) respondia não apenas à busca de maiores taxas de lucratividade, mas também á demanda por segurança, pois, ao contrário do pequeno, o grande mercador tinha muito a perder. Naturalmente, reforçando o caráter diversificado do grande investidor estava o contexto de frágil divisão social do trabalho ( i.e, de demanda restrita), em face do qual dificilmente um único setor poderia absorver toda a capacidade de investimento daqueles que, de fato, pertencessem à reduzidíssima elite detentora da riqueza produzida. 27

Portanto, uma das principais marcas do mercado pré-capitalista era a instabilidade, devido às variações conjunturais da economia, fazendo com que o negociante atuasse em diversos segmentos mercantis. Este aspecto, “reforça o caráter especulativo do empresário colonial. Poucos são os negociantes que conseguem se manter em um mesmo segmento mercantil.”28 Fernand Braudel, na epigrafe inaugural deste capítulo, destacou o negociante-capitalista, que diversificava suas atividades quando atuava, por exemplo, no comércio de longa distância.29 Contudo, para o próprio Braudel, o período histórico compreendido pelos século XVI ao XVIII foi do capitalismo mercantil, no qual o negociante-capitalista teve papel de destaque.

Quando observados de perto, seria quase absurdo incluí-los e dispô-los, sem mais nem menos, na economia ordinária de mercado. A palavra que então acode mais especificamente ao espírito é bem capitalismo (...),pois não encontramos um subistituto adequado e isso é sintomático.30

Max Weber, na obra “A gênese do capitalismo moderno”, foi um dos primeiros teóricos das ciências sociais a tratar dos negociantes como agentes sociais, influenciando a perspectiva de Fernand Braudel. Weber destacou o crescimento do comércio atacadista e seus agentes no curso do século XVIII e, justamente em meados do mesmo, houve a definitiva separação entre os comerciantes atacadistas e varejistas,

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27 FRAGOSO & FLORENTINO, 2001, Op.Cit.p.194. (Grifo nosso) 28 FRAGOSO, 1998, Op.Cit.p.187.

29 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. Volume II: Os

jogos de trocas. Tradução Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.328.

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quando os primeiros tornaram-se “(...) uma camada especifica do estamento mercantil”31. Entretanto, o século XVIII, não se constituiu no capitalismo moderno para Weber, pois “a cobertura das necessidades cotidianas por meios capitalistas é peculiar apenas ao Ocidente, uma realidade normal apenas desde a segunda metade do século XIX.”32 No nosso entendimento, o negociante atacadista weberiano enquadra-se no perfil do negociante-capitalista “braudeliano” e no negociante de grosso trato da segunda metade do século XVIII, na medida que controlava setores chaves da economia, seja como prestamista, seja no comércio por atacado – de fazendas, manufaturados e outros.

Embora concorde que os negociantes do século XVIII atuassem em diferentes frentes de negócio e ocupassem o topo da pirâmide mercantil33, João Fragoso discordou da concepção de Braudel quando mencionou que o mercado colonial tardio do Rio de Janeiro era pré-capitalista e não estava subordinado a totalidade sistêmica denominada de capitalismo mercantil, ou Antigo Sistema Colonial, dos séculos XVI a XVIII.34

Nesse contexto econômico e social pré-capitalista estava Elias Antonio Lopes, um dos mais importantes homens de negócio da cidade do Rio de Janeiro, que ocupou o topo da hierarquia mercantil e diversificou seus negócios em variados ramos. Entre essas atividades estava à arrematação dos contratos régios para a Coroa que, segundo Fábio Pesavento:

(...) constituíam-se em uma das principais formas de arrecadação para a receita da Coroa. Diante da falta de infraestrutura para a cobrança de impostos, o Estado delegava a terceiros o direito de arrecada-los ou cedia, por um período pré-estabelecido, o monopólio sobre uma atividade econômica.35

A Coroa portuguesa, já estabelecida no Rio de Janeiro, delegou a Lopes a arrecadação de sete diferentes tipos de contratos – vide tabela 4 – nos quais a maioria deles o negociante dividia a arrecadação com outros sócios ou cedia a participação nos contratos que se realizam em pequenas cotas.36 No caso do contrato dos dízimos da Ilha de Santa Catarina e vizinhanças, Lopes beneficiou-se de 1/3 deste contrato, sendo

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31 WEBER, Max. A gênese do Capitalismo Moderno. Apresentação e organização de Jesse Souza.

Tradução de Rainer Domschke. São Paulo: Ed. Ática, 2006. p. 31.

32Idem. p. 15.

33 FRAGOSO, 1998, Op.Cit. pp. 220; 319. 34 Idem.

35 PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade do

Setecentos. Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da UFF. Niterói, 2009.p.139. (Grifo nosso)

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também interessados na arrecadação os negociantes Joaquim Antonio Alves e Jose Vieira de Castro que por sinal receberam o mesmo valor (1/3).37

Tabela 4 – Arrecadação de contratos reais realizada por Elias Antonio Lopes

Contratos Período Valor

do Contrato

Parte de Elias

1 –Dízimo da capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul

1810 - 1812 --- 1/5

2 – Dízimos de São João Marcos e freguesias anexas

1812 - 1814 --- 1/5

3 – Dízimos de São Gonçalo 1812 - 1814 870$997 1/25

4 – Dízimos da Ilha de Santa Catarina e vizinhanças 1811 - 1813 1: 649$ 512 1/3 5 - Subsídio literário e real da carne da corte 1812 - 1814 --- 2/9 6 - Contrato da Dízima da Chancelaria da corte 1810 - 1812 21:065$607 1/2 7 - Contrato do Equivalente do Tabaco e Subsídio

Pequeno

1814 - 1816 --- 2/9

Fonte: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ). Inventário da Casa do

Conselheiro Elias Antonio Lopes. 10 de novembro de 1815. fls. 83 - 85, 90.

No tocante a participação de Elias Antonio Lopes na arrematação do contrato do dízimo da capitania do Rio Grande e São Pedro do Sul, Marcia Eckert Miranda destacou a confusão sobre a dita arrematação realizada no Erário Régio pelos “negociantes das vilas locais de Porto Alegre e Rio Grande, Antonio Soares de Paiva e José Vieira da Cunha”38. Segundo a autora, “no registro do dito contrato da Junta da Fazenda”, que era o mais atrativo para a Junta da Fazenda da Capitania,

(...) Paiva informou que seu sócio havia falecido. Como a viúva não tinha interesse no negócio, teve de buscar novos sócios. Esses foram encontrados entre negociantes do Rio de Janeiro, o comendador Elias Antonio Lopes, o Coronel Antonio Gomes Barroso e o Capitão Francisco Xavier Pires.39

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37 ANRJ. Inventário do Conselheiro Elias Antonio Lopes. 10 de Novembro de 1815. Códice 789; volume

1 – 1815. Fundo: Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (7X). fl.. 84.

38 MIRANDA, Marcia Eckert. A Estalagem e o Império: crise do Antigo Regime, Fiscalidade e Fronteira

na província de São Pedro (1808-1831). Campinas, 2006. Tese (Doutorado em Economia Aplicada). Universidade Estadual de Campinas. Insituto de Economia. p p. 118-119. Disponível em:

http://www.eco.unicamp.br/docdownload/teses/Marcia%20Eckert%20Miranda.pdf

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Portanto, a participação dos homens de negócio na arrematação dos contratos reais significou a ampliação dos laços da Coroa com essa elite. Ademais, constituiu-se “(...) um privilégio outorgado pelo Estado, nas mãos de um empresário de grosso-trato, poderia se traduzir em um reforço de práticas monopolistas.”40 Devido aos cabedais arrecadados, importante para o fisco real, este tipo de atividade acarretou em uma diferenciação no meio mercantil do Reino português, o que por consequência também acontecia nas praças brasileiras.41

O negociante também investiu na compra e aluguel de imóveis urbanos. No seu inventário, Elias possuía 13 tipos de imóveis e terrenos que totalizavam 33: 974$440 (trinta e três contos novecentos e setenta e quatro mil quatrocentos e quarenta réis). Ele também alugava seus imóveis, tanto que na época de seu falecimento diferentes inquilinos lhe deviam aluguéis42. Ele manteve relações comercais com firmas inglesas43, e atuou no comércio de crédito possuindo dívidas ativas no valor total de 39:347$967 (trinta e nove contos, trezentos e quarenta e sete mil, novecentos e sessenta e sete réis). Neste total de dívidas ativas a Fazenda Real devia a Lopes 400$000 (quatrocentos mil reis), com vencimento à juros no ano de 1815.44 Esse último caso, comprova a ajuda

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40 FRAGOSO, 1998, Op.Cit., p. 327.

41 PEDREIRA, 1996, Op.Cit. p.360. A respeito da importância da arrematação dos contratos pelos

negociantes no século XVIII, há uma extensa bibliografia nos últimos anos. Dentre os vários trabalhos conferir: SAMPAIO, 2003, Op. Cit; OSÓRIO, Helen. “As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande do Sul (século XVIII).” In: FRAGOSO, BICALHO & GOUVÊA (Orgs), 2010, Op.Cit; ARAUJO, Luiz Antonio Silva. CONTRATOS E TRIBUTOS NAS MINAS SETECENTISTAS: O estudo de um caso – João de Souza Lisboa (1745-1765). Niterói, 2002. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, PPGH,2002; ARAUJO, Luiz Antonio Silva. Em nome do Rei e dos negócios: Direitos e Tributos Régios Minas Setecentistas (1730- 1789). Niterói, 2008. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. PPGH; MIRANDA, Op.Cit; PESAVENTO, Op.Cit.; FERNANDES, Valter L. Os contratadores e o contrato da dízima da alfândega da cidade do Rio de Janeiro (1726-1743). Rio de Janeiro, 2010. Dissertação (Mestrado em História). UNIRIO. Programa de Pós-graduação em História das Instituições; COSTA, Bruno Aidar. A vereda dos tratos. Fiscalidade e poder regional na capitania de São Paulo, 1723-1808. 2013, São Paulo. Tese (Doutorado em História Econõmica). USP. FFCHL. Programa de Pós-graduação em História Econômica,2013.

42 ANRJ. Inventário do Conselheiro Elias Antonio Lopes. 10 de Novembro de 1815. Op.Cit.fl.90. Sobre o

investimento em imóveis urbanos no Rio de Janeiro em fins do século XVIII e início do século XIX por parte da elite mercantil, Cf.: FRAGOSO, 1998, Op.Cit. No que se refere ao mercado de bens urbanos no RJ no início do século XVIII, Cf.: SAMPAIO, 2003, Op.Cit.

43 Existem referências de transações mercantis que Lopes mantinha com João Teixeira Pinto, responsável

pela filial inglesa da firma Domingos Ferreira Pinto & Teixeira com base na cidade do Porto. In: ANRJ. Inventário do Conselheiro Elias Antonio Lopes. 10 de Novembro de 1815. Op.Cit.fl.89. Cf.: GORENSTEIN, 1993, Op.Cit.p.136.

44 ANRJ. Inventário do Conselheiro Elias Antonio Lopes. 10 de Novembro de 1815.Op.Cit.fl.49 e 54.

Sobre o crédito na economia colonial, Cf.: MENZ, Maximiniano M. “O crédito e a economia colonial.” In: CARRARA, Angelo Alves (org). À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentista. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.pp.21-29; MENDES, Claudinei Magno Magre. “Crédito e Usura na Época colonial: Autores Coloniais e Historiografia.” Mirandum 18. CEMOrOc Feusp – IJI Univ. Porto, 2007.

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financeira de Elias à Coroa portuguesa, fazendo com que o negociante fosse visto por Dom João como “um útil e bom vassalo”. Outro detalhe peculiar da diversificação mercantil de Lopes era sua atuação como moedeiro, pois possuia “ huma carta de Moedero do Numero da Real Caza da Moeda desta corte.”45 E, finalmente, tinha em seu poder duas ações no Banco do Brasil no valor de “(...) hum conto cada huma constantes das appolices N° 439 e 440.”46

Diante da variedade da atuação mercantil de Elias Antonio Lopes, optamos por escolher a atuação dele no comércio negreiro, por constituir-se em um ramo mercantil que caracterizava a elite mercantil dos negociantes de grosso trato47. Portanto, por meio da trajetória do portuense no tráfico negreiro, poderemos compreender como se deu a atuação dos homens de negócio em outros ramos mercantis, porque um negócio se subordinava a outros.

2.2 Elias Antonio Lopes no comércio negreiro com a África e em outros ramos