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Lopes no Rio de Janeiro

1.1.2 Emigração, contatos e negócios familiares

A presença portuguesa no comércio brasileiro, muitas vezes associada ou em disputa com os naturais da terra, fez com que o historiador Jorge Pedreira enfatizasse a fluidez presente nas comunidades mercantis lisboetas e brasileiras. Quando se fala em fluidez, segundo o autor, esta se refere a dois aspectos. O primeiro era que em Portugal, a tendência dos filhos sucederem os pais e avós no comércio foi decrescente. A partir de dados retirados de David G. Smith para o século XVII, Jorge Pedreira destacou que “56% dos homens de negócio sucediam aos pais na mesma ocupação, mas se nos cingirmos aos cristãos-velhos, essa proporção cai para 25%”.83 No tocante ao século XVIII, principalmente na segunda metade, Pedreira ressaltou que “eram apenas 28,8% os filhos e menos de 10% os netos de outros negociantes. (...) Só 40% se mantinham no exercício depois de dez anos e apenas a quarta parte ao fim de quinze.”84 Logo, era pouco frequente nas comunidades mercantis portuguesas do século XVIII, os filhos e netos dos negociantes prosseguirem no ofício dos pais, ou quando os sucediam permaneciam no máximo 15 anos no comércio.

Essa fluidez no trato mercantil, também esteve presente nas comunidades mercantis brasileiras, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde comerciantes permaneciam apenas um ano no mercado e atuavam em poucas operações mercantis.85 Isso fazia com que os emigrantes viessem para o Brasil para iniciarem carreira no comércio, só que muitos deles não conseguiram o sucesso esperado, fazendo com que abandonassem o ofício. Por isso, as comunidades mercantis brasileiras estavam abertas para o constante fluxo e renovação de emigrantes portugueses durante o século XVIII e XIX, e a fluidez era uma característica presente nas comunidades mercantis de Portugal e do Rio de Janeiro.

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83 SMITH, David Grant. The Mercantile Class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century: a

Socio- Economic Study of the Merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690. Dissertação de doutoramento, policopiada, Universidade do Texas, Austin, 1975, p. 43-44. Apud PEDREIRA, 2001, Op. Cit. p.60.

84 PEDREIRA, 2001, Op. Cit. p.60. 85 Idem.

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Por outro lado, aqueles comerciantes que conseguiram sucesso e com bons retornos dos seus investimentos no Brasil, retornaram para Portugal, fixando-se em Lisboa ou no Porto, com negócio próprio. Citando dados de Nireu Cavalcanti, que utilizou os registros de passaportes da Real Junta de Comércio entre 1769 e 1779, Jorge Pedreira constatou que dos “745 viajantes moradores no Brasil que partiram do Rio de Janeiro para Portugal e dos quais há registro do estado civil, 690, isto é, perto de 80% eram solteiros e a percentagem desce apenas para 73,7% entre os maiores de 40 anos.”86 Portanto, o fato de permanecerem solteiro, após a estadia no Brasil, constituiu- se para o autor numa demonstração de que o objetivo final da aventura era de retornar para Portugal.

No entanto, houve inúmeros casos de emigrantes que após se tornaram homens de negócio bem sucedidos decidiram permanecer em terras brasileiras. Por isso, Pedreira argumentou que:“os percursos de mobilidade social ascendente não terminavam sempre pelo regresso a Portugal. Alguns dos mais bem sucedidos ficavam no Brasil.”87 Foi o que aconteceu com Elias Antonio Lopes que procurou vincar seu status mercantil e social desde sua presença na cidade, com uma patente de capitão do Rebelim do Moinho de Vento da fortaleza da Ilha das Cobras (1790) e como irmão da Ordem Terceira do Carmo (1794), projetando-se no fim do Setecentos e, principalmente, a partir de 1808 com a vinda da corte joanina. O caso de Elias, portanto, constituiu-se entre aqueles de negociantes bem sucedidos que ficaram no Brasil.

Contudo, surgiu a questão: Por que Elias Antonio Lopes permaneceu no Rio de Janeiro? Nos documentos examinados, particularmente do auto de seu inventário, observamos a existência de treze (13) cartas do período de 1771 a 1773 de Antonio Lopes Guimarães com Elias (vide Tabela 1), como também cinquenta e duas (52) cartas do seu irmão João Theodózio Lopes, no período de 1782 a 1810.88 Embora não tenhamos encontrado tais cartas, tudo indica que a rede familiar e de negócios foi fundamental para o estabelecimento e sucesso de Elias89. Por isso, concordamos com

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86 CAVALCANTI, Nireu Oliveira. Passaportes dos viajantes que saíram do Rio de Janeiro: o regresso dos

reinóis (1769- 1779). Apud PEDREIRA, 2001, Op. Cit. p.61.

87 PEDREIRA, 2001, Op. Cit. p.61.

88 ANRJ. Conferir parte 3: Translado dos autos de administração dos bens a que seguro se deo por

falecimento de Elias Antonio Lopes. Fundo: Junta de Comércio (7X): Auto do Inventário de Elias Antonio Lopes. Notação: Caixa 348, pacote1, Letra L, 1815-1818. fl.358.

89 Em suas relações familiares com o Porto, Elias manteve contato com sua mãe Maria Antonia no ano de

1786. No século XIX, conforme informações do auto do seu inventário, ele continuou a manter contato com sua irmã Margarida Rosa Angelica (também residente da cidade do Porto) por meio de uma carta

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Jorge Pedreira quando mencionou que a emigração e a consequente “(...) separação não implicava uma interrupção das relações com a família.”90 As fontes ajudaram a comprovar esse contato continuo, bem como demarcam claramente os respectivos nomes dos familiares de Elias Antonio Lopes. Tanto que eles se habilitaram como herdeiros da herança do negociante, disputada entre eles e os cofres públicos.

E logo no mesmo dia, mez e anno no termo designado, declarou o inventariante Thomaz Pereira de Castro Vianna que o conselheiro Elias Antonio Lopes, (...) tem uma irmã na cidade do Porto, por nome Dona Margarida Rosa Angelica, cazada com Antonio Joze Moreira Guerra, que tem outro irmão por nome João Theodozio Lopes [...]91

No mesmo auto do inventário encontramos um detalhe peculiar entre os “livros e mais papeis” do negociante. O inventariante dele citou a existência em 1815 de “hum quaderno comprido escripturado todo no Porto em mil setecentos e trinta e nove.”92 Esta pequena e valiosa informação, nos permitiu constatar que, quando jovem, Elias Antonio Lopes obteve conhecimentos de escrituração mercantil por meio dos negócios do seu pai. Além disso, a manutenção da rede familiar foi fundamental para o seu estabelecimento ainda garoto no Rio de Janeiro, confirmando alguns casos já destacados na historiografia.93

Ainda concernente ao caráter familiar e dos negócios de Elias Antonio Lopes, novamente no auto de seu inventário, encontramos faturas comerciais de seu pai e do seu cunhado Antonio José Moreira Guerra. No caso de seu pai consta uma fatura para o ano de 177894, o que indica que Elias comprou mercadorias de seu pai e as vendia no Brasil. No caso de seu cunhado, além das oitenta e nove (89) cartas referentes ao período de 1788 a 1806 (vide tabela 1), estavam arroladas duas faturas de Antonio José Moreira Guerra para o ano de 1776 e três contas de venda de Elias Antonio Lopes para

########################################################################################################################################################################## datada de 1810 e três cartas datadas entre os anos de 1811 a 1814, exatamente um ano antes de seu falecimento, 1815. In: ANRJ. Fundo: Junta de Comércio (7X): Auto do Inventário de Elias Antonio Lopes. Notação: Caixa 348, pacote1, Letra L, 1815-1818. fl.122.

90 PEDREIRA, 1995, Op.Cit. p. 202.

91 ANRJ. Declaração de falecimento e de herdeira. Fundo: Junta de Comércio (7X): Auto do Inventário de

Elias Antonio Lopes. Notação: Caixa 348, pacote1, Letra L, 1815-1818. fl 22v. (Grifo nosso). A questão referente à herança do negociante será discutida no capítulo quatro desta dissertação.

92Idem. fl.105v.

93 ALVES, Op.cit; MARTINHO, Op.cit.

94 ANRJ. Fundo: Junta de Comércio: Auto do Inventário de Elias Antonio Lopes (7X). Notação: Caixa

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o mesmo no ano de 178895. Tudo isso, aconteceu no último terço do século XVIII, período do estabelecimento e ascensão do negociante no Rio de Janeiro. Concordamos com Jorge Pedreira quando o autor diz que,

(...) a família constituía o principal suporte da formação das redes sociais que propiciavam o início de uma carreira no comércio. Os laços de parentesco asseguravam condições mais favoráveis não só aos que provinham de meios geográficos e sociais exteriores á praça de Lisboa, mas até aos que pertenciam pelo nascimento ao mundo dos negócios. Para além disso, as solidariedades familiares forneciam uma base natural para o desenvolvimento da organização comercial, (...). Assim, as ligações entre pais e filhos, tios e sobrinhos, entre irmão e primos conformavam, em parte, a tessitura de relações por intermédio da qual se processava o negócio por grosso.96

A trajetória do portuense Elias Antonio Lopes exemplificou o caso de sucesso de reinóis que viram no comércio brasileiro a possibilidade de ascensão social e de enriquecimento. Contudo, diferentemente da maioria dos casos, ele era filho de um negociante e capitão no Porto, com influência nesta comarca de grande importância para o comércio do Reino com o Brasil.

Ajudados ou não pelas famílias, entrando directamente no grosso trato ou subindo a pulso os degraus da carreira mercantil, de aprendizes e caixeiros em lojas de mercadores a comerciantes da praça, os minhotos conseguiam chegar muitas vezes ao topo da hierarquia mercantil. Contudo, para os mais desprovidos de meios, sem capitais ou patrocínios, a passagem pelo Brasil oferecia as melhores oportunidades de uma promoção rápida. 97

Em suma, a emigração e atuação mercantil de Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro podem ser caracterizadas como bem sucedidas. Embora não seja possível compararmos com outros estudos de caso sobre o tempo em que ele levou para chegar ao topo da elite mercantil, se tomarmos os anos de 1771 como o ano mais recente de sua presença na cidade (quando se correspondeu com seu pai que residia no Porto) e 1799, quando ele foi citado pelo Vice-rei como um dos grandes negociantes da Praça do Rio de Janeiro98, chegamos a um período de mais ou menos vinte e oito anos para ele ser considerado um influente homem de negócio. Porém, nesse meio tempo, o portuense

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95 ANRJ. Fundo: Junta de Comércio: Auto do Inventário de Elias Antonio Lopes (7X). Notação: Caixa

348, pacote1, Letra L, 1815-1818. fls. 127v e 129.

96 PEDREIRA,1995, Op.Cit.p.242. (Grifo nosso) 97 Idem. p. 217. (Grifo nosso)

98 O nome de Elias Antonio Lopes passa a constar nos Almanaques do Rio de Janeiro de 1792 e 1794

como negociante com lojas na Rua Direita. Em 1799, Lopes é citado pelo Conde de Resende com um dos 36 maiores negociantes do Rio de Janeiro.

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conseguiu a patente de capitão do 1º Rebelim do Moinho de Vento da Fortaleza da Ilha das Cobras e ingressou como irmão da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, distinções importantes que contribuíram em sua mobilidade social ascendente numa sociedade de Antigo Regime como a carioca e que discutiremos na seção a seguir.