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Fonte: Instituto Histórico e Geográfico Paraibano

Além disso, a Igreja fez-se presente neste processo de ocupação e administração de São João do Cariri. Segundo Ronaldo Vainfas, a instituição religiosa foi importante mecanismo utilizado no período colonial para a legitimação do sistema escravista. Acreditava-se em “uma unanimidade notável: negros herdeiros de Cam, etíopes eleitos por Deus, pretos bem apresados ou simplesmente mãos e pés do senhor, os escravos legítimos são os africanos” (VAINFAS, 1986, p. 100). Com isto, dizia-se que os africanos poderiam se redimir por meio da sua escravização. Ademais, a participação dos escravizados na vida religiosa fazia parte da ideologia do sistema escravista. Na perspectiva senhorial, socializar o africano nos ritos da Igreja era um instrumento de domesticação e conformação da sua

condição. Todavia, destacamos que, para os escravizados, as expectativas poderiam ser outras, como veremos mais adiante.

Sobre a administração eclesiástica, Solange Rocha (2009) nos afirma que a:

[...] estrutura eclesiástica que havia sido definida pelo Concílio de Trento [...] apresentava a seguinte divisão: arcebispado, bispado (ou diocese) e paróquia (ou freguesia). O pároco era nomeado pelo bispado responsável pelo território da Paraíba – na época pertencente a Olinda/PE -, com atribuições de dirigir a paróquia e cuidar da vida religiosa de seus fiéis; tinham inclusive a responsabilidade de anotar os sacramentos administrados pelo pároco ou capelão, ou sacerdote regular, ou por leigos, em livros específicos, conforme o sacramento administrado (batismo, matrimônio ou outro). [...] (ROCHA, 2009, p. 160).

Referente aos sacramentos administrados eram eles: batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema unção, ordem e matrimônio. Conforme relata Rocha (2009), cabia ao pároco a administração de tais sacramentos e estes deveriam ser registrados nos livros paroquiais. Estes registros, por sua vez, não deveriam ser feitos de forma aleatória. Existia uma legislação que normatizava tais anotações – as Constituições do Arcebispado da Bahia –, elaborada no ano de 1707. José Luiz de Castro (2011) informa que existia uma preocupação com a administração destes sacramentos, pois era a partir deles que a Igreja se firmava na sociedade colonial, por isso as normas estipuladas pelas Constituições deveriam ser seguidas.

A Igreja Católica foi uma instituição bastante influente na sociedade colonial. Crenças, modos e costumes eram ditados pela Igreja, conforme afirma Castro:

Acerca dos fiéis, insistiu-se com a moralidade pública, com o caráter sagrado das festas religiosas em que se proibiam bailes, batuques e saraus, leilões dentro das Igrejas, rezas públicas à noite com mistura de sexos. [...]. Uma das preocupações da Igreja no período colonial era com a salvação dos fiéis. Aliás, o conceito de Igreja era de uma sociedade perfeita. Isso implicava a orientação e o ensino da verdade aos fiéis, bem como o afastamento de tudo o que poderia dispersar o rebanho. [...]. Como pais e mestres da fé, eles deveriam orientar seus fregueses para fugir dos vícios e abraçar as virtudes. Daí as proibições de atividades noturnas, a excomunhão dos homens e mulheres que se misturavam nos bancos das igrejas, a proibição das cerimônias antes das “matinas e depois das Ave-Marias” e a não permissão para mulher entrar na igreja com saias curtas e cabeça descoberta (CASTRO, 2011, p. 68).

Ou seja, a Igreja impunha uma moralização de costumes nos quais os cristãos deveriam vivenciar em seu cotidiano. Os escravizados, por sua vez, deveriam se adequar a

este modo de viver, por isto, foi imposta a necessidade da cristianização das pessoas na condição escrava. A legislação eclesiástica evidencia isto:

Mandamos a todas as pessoas, assim Ecclesiasticas, como seculares,

ensinem, ou facão ensinar a Doutrina Christã à sua família, e especialmente a seus escravos, que são os mais necessitados desta instrução pela sua rudeza, mandando-os à Igreja, para que o Parocho lhes ensine os Artigos da Fé, para saberem bem crer; o Padre

Nosso, e Ave Maria, para saberem bem pedir; os Mandamentos da Lei de Deos, e da Santa Madre Igreja, e os peccados mortaes, para saberem bem obrar; as virtudes, para que as sigão; e os sete sacramentos, para que dignamente os recebão, e com elles a graça que dão, e as mais orações da Doutrina Christã, para que sejão instruídos em tudo, o que importa a sua salvação. E encarregamos gravemente as consciências das sobreditas pessoas, para que assim facão, attendendo a conta, que de tudo darão a Deos nosso Senhor (CONSTITUIÇÕES DO ARCEBISPADO DA BAHIA, 1707, Livro primeiro, Título II, p. 2, 3. Grifos nossos.).

Desta maneira, notamos que os escravizados deveriam ser cristianizados, inclusive foi afirmado que eram os mais necessitados da doutrina cristã devido a “sua rudeza”. Tal “rudeza” está ligado ao fato dos escravizados africanos terem suas próprias crenças. Para o colonizador cristão estas crenças eram pagãs, por isto o africano escravizado era obrigado a adotar a religião do colonizador. O cativo, por sua vez, conforme destaca João Mira (1983, p. 115), ao viver em uma sociedade opressora “acabará por assumir o cristianismo também de forma cultural, pois, afinal ser católico era gozar de prestígio no meio dos próprios negros”. Para fazer esta afirmação, o referido autor menciona os comentários feitos pelo viajante Henry Koster, que declarou que os negros que não eram batizados eram taxados de pagãos pelos companheiros. Assim, um dos rituais mais amplamente utilizados pelo escravizado foi o batismo, que servia de “porta de entrada” para o mundo cristão, quando deixavam de ser pagãos (MIRA, 1983, p. 189). Além disso, Sheila Faria (1998, p. 306) ressalta que “a cidadania católica era requisito básico para a sobrevivência na colônia. Negar o domínio seria acintoso e representaria um confronto direto”. Ou seja, para o escravizado participar da vida religiosa poderia ser algo facilitador para sua vida cotidiana.