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1.3. Marcadores genéticos e o estudo das origens, da diversidade e da estrutura genética de populações

1.3.2. DNA mitocondrial

O DNA mitocondrial (mtDNA) é um pequeno plasmídeo (molécula de DNA circular) que nos bovinos tem aproximadamente 17 Kilobases (Kb), possui 13 genes codificantes, 45 RNAs estruturais, e localiza-se no interior das mitocôndrias (http://www.ncbi.nlm.nih.gov). Existe ainda uma região não codificante, denominada região controlo (control region), que abrange aproximadamente 1 Kb do genoma mitocondrial, e que contém o local de iniciação da replicação e transcrição (displacement loop, D-loop). A primeira sequência completa do genoma mitocondrial de B. taurus foi produzida por Anderson et al. (1982) e é utilizada como referência (número de acesso na base de dados do GenBank V00654) para anotar polimorfismos em sequências de mtDNA de bovinos.

O mtDNA é herdado via materna, tem uma taxa de mutação elevada, que é de aproximadamente 3x10-7 e, portanto, superior à do DNA nuclear cuja taxa de mutação se estima ser de 10-7 – 10-8 por nucleótido e por geração (no entanto o mtDNA apresenta heterogeneidade na taxa de substituição), e não sofre recombinação (troca de material genético entre moléculas de DNA durante o processo de divisão celular), ou seja, em princípio qualquer alteração da sequência de nucleótidos do mtDNA resulta de mutações

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(Bruford et al. 2003; Tapio & Grigaliunaite 2003; White et al. 2008). Devido ao facto de evoluir rapidamente, o mtDNA é extremamente útil em estudos filogenéticos intraespecíficos e permite detectar processos demográficos relativamente recentes (< 10.000 anos), inerentes à história evolutiva das populações (Bruford et al. 2003; Wan et al. 2004). A definição de haplotipos (combinações de um conjunto de loci ligados ou de polimorfismos que são herdados em simultâneo) para cada indivíduo simplifica a interpretação dos resultados.

Apesar do mtDNA ser considerado o marcador ideal para estudos de domesticação e das origens dos animais domésticos (Bruford et al. 2003), existem limitações inerentes à sua utilização como marcador molecular e que se descrevem em seguida. O mtDNA representa apenas linhas maternas e um único locus, pelo que fornece uma perspectiva simplificada do complexo processo evolutivo que deu origem às diferentes populações animais, subestima a diversidade genética total e possui dinâmicas evolutivas específicas (Bruford et al. 2003; Zhang & Hewitt 2003). A existência de um elevado número de cópias nucleares de sequências de mtDNA (numtDNA) pode confundir a interpretação de resultados (Zhang & Hewitt 2003), pois as cópias nucleares são, geralmente, mais conservadas e, portanto, mais semelhantes ao genoma mitocondrial ancestral do que o mtDNA (Bensasson et al. 2001). Um outro problema é a presença de heteroplasmia, ou seja indivíduos que não possuem apenas um único haplotipo, o que pode estar associado a taxas de mutação elevadas e à inexistência de processos eficientes de reparação de “erros” durante o processo de divisão celular (White et al. 2008). A introdução “acidental” de mtDNA paterno no citoplasma do ovo materno durante a fertilização (paternal leakage) pode, também, estar associada à presença de duas moléculas de mtDNA distintas num indivíduo (White et al. 2008). A ocorrência de recombinação, embora a informação relativamente à presença de mtDNA recombinante em espécies animais seja ainda escassa (White et al. 2008). Algumas destas limitações podem ser contornadas através de procedimentos experimentais adequados, ou ter um efeito relativamente reduzido nas análises filogenéticas e de genética de populações realizadas com base em polimorfismos do mtDNA. No entanto, é importante ter consciência de que existem excepções inerentes ao processo de herança genética do mtDNA e que podem conduzir a interpretações erróneas da biologia evolutiva das espécies.

19 A análise da variabilidade de sequências de mtDNA tem sido amplamente utilizada em estudos sobre as origens, domesticação e dispersão de várias espécies animais (Giuffra et al. 2000; Luikart et al. 2001; Bruford et al. 2003; Beja-Pereira et al. 2004; Tapio et al. 2006b; Zeder et al. 2006; Driscoll et al. 2007; Larson et al. 2007). Este tipo de marcador tem sido útil para identificar ancestrais selvagens, caracterizar a diversidade de linhas maternas e analisar a variação genética do mtDNA entre regiões geográficas distintas (FAO 2007). No que respeita ao estudo genético dos bovinos domésticos, o mtDNA foi utilizado para identificar sequências de ancestrais selvagens ou pré-domésticos (Bailey et al. 1996; MacHugh et al. 1999; Anderung et al. 2005; Beja-Pereira et al. 2006; Bollongino et al. 2006; Edwards et al. 2007b; Pellecchia et al. 2007; Achilli et al. 2008), detectar potenciais centros de domesticação (Loftus et al. 1994; Bradley et al. 1996; Troy et al. 2001; Mannen et al. 2004; Hiendleder et al. 2008), analisar processos de hibridação e estudar as origens e dispersão das diferentes raças (Cymbron et al. 1999; Magee et al. 2002; Miretti et al. 2002; Carvajal-Carmona et al. 2003; Mirol et al. 2003; Miretti et al. 2004; Lai et al. 2006; Liron et al. 2006a; Cai et al. 2007; Cortes et al. 2008; Dadi et al. 2009).

1.3.3. Cromossoma Y

Os bovinos possuem 60 cromossomas: 58 autossomas e dois cromossomas sexuais (Fries & Popescu 1999). Nos bovinos, bem como nos restantes mamíferos, os machos são heterogaméticos e possuem dois cromossomas sexuais distintos, o cromossoma X e o Y (Liu et al. 2002). Este último é transmitido apenas pelas linhas paternas, pelo que pais e filhos partilham a mesma informação genética associada ao cromossoma Y. Este cromossoma é um dos mais pequenos do cariótipo bovino e contém uma zona que não troca informação genética com o cromossoma X durante a meiose, pelo que é específica de machos, que é denominada de região não-recombinante (NRY). Esta zona constitui aproximadamente 95% do cromossoma Y e os restantes 5 % correspondem à região pseudo-autossómica (PAR) e que troca informação genética com o cromossoma X (Liu et al. 2002). O mapeamento genético do cromossoma Y tem sido dificultado pelas suas peculiaridades, nomeadamente a ausência de recombinação na região NRY, e a complexidade de regiões repetitivas que existem ao longo do cromossoma (Skaletsky et al. 2003).

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Liu et al. (2002) produziram um mapa do cromossoma Y de bovinos (radiation hybrid map) e identificaram 13 genes localizados na PAR e 46 marcadores genéticos associados à região NRY, incluindo os genes SRY (sex determining) e TSPY (testis-specific protein). Nos mamíferos, os genes localizados no cromossoma Y são responsáveis pela determinação sexual (SRY) e intervêm nos processos de espermatógenese, podendo estar associados a problemas de fertilidade masculina (Lahn et al. 2001). Os genes específicos da região NRY, de forma análoga ao que acontece para o mtDNA, são herdados em bloco e permitem a definição de haplotipos. A taxa de mutação do cromossoma Y é considerada superior à dos autossomas e à do cromossoma X (Hellborg & Ellegren 2003).

A análise de polimorfismos específicos do cromossoma Y, nomeadamente STRs e SNPs, tem sido aplicada ao estudo das origens e da história de populações humanas (Jorde et al. 2000; Hammer et al. 2001; Kayser et al. 2001; Roewer et al. 2005; Kayser et al. 2008) e na resolução de casos forenses (Kayser et al. 1997), estando já constituída uma base de dados para utilizar como referência na definição de haplotipos do cromossoma Y em humanos (http://www.yhrd.org/; Roewer et al. 2001). Nas espécies de animais domésticos, a informação relativa a marcadores específicos do cromossoma Y é escassa e estudos recentes têm demonstrado que a variabilidade genética é relativamente reduzida (Hellborg & Ellegren 2004; Lindgren et al. 2004; Bannasch et al. 2005; Meadows et al. 2006; Li et al. 2007). A diversidade do cromossoma Y é inferior à dos autossomas (Jobling & Tyler-Smith 2003) e, no caso de animais domésticos, o número efectivo de machos tende a ser ainda menor devido aos esquemas de acasalamento em que vários machos produzem um número elevado de descendentes (Hellborg & Ellegren 2004).

Nos bovinos foram identificados alguns marcadores específicos do cromossoma Y, em particular STRs (Bishop et al. 1994; Vaiman et al. 1994; Kappes et al. 1997; Liu et al. 2003) e, também, SNPs (Gotherstrom et al. 2005). Apesar do número limitado de marcadores disponíveis, e de algumas dificuldades na amplificação pela PCR e na análise dos perfis obtidos (bandas múltiplas, amplificação inespecífica, nomeadamente em fêmeas), os marcadores específicos do cromossoma Y têm sido úteis para identificar o fluxo de genes entre populações mediado por machos (Hanotte et al. 2000; Verkaar et al. 2003) e

21 para complementar a informação genética de linhas maternas (Verkaar et al. 2004; Anderung et al. 2007; Edwards et al. 2007a). Alguns dos STRs do cromossoma Y têm sido amplamente utilizados na detecção de hibridação entre B. taurus e B. indicus (Edwards et al. 2000b; Giovambattista et al. 2000; Li et al. 2007). Recentemente, a utilização de SNPs específicos do cromossoma Y em análises de aDNA de bovinos tem fornecido informação importante sobre a variação genética de ancestrais selvagens e a detecção de hibridação entre fêmeas domésticas e auroques (Gotherstrom et al. 2005; Svensson et al. 2007; Bollongino et al. 2008).

1.4. Objectivos

O objectivo geral deste estudo é contribuir para a caracterização genética dos bovinos domésticos, em particular das raças da Iberoamerica, através da análise de três tipos de marcadores moleculares: marcadores específicos do cromossoma Y, sequências de mtDNA e microssatélites autossómicos.

Pretende-se:

Caracterizar a diversidade e a estrutura genética das raças bovinas autóctones de Portugal;

Investigar as origens dos bovinos Crioulos e analisar a influência de várias raças, incluindo raças zebuínas, para a sua formação.

Este constitui um estudo molecular global de bovinos Ibéricos e Crioulos, cuja história está intimamente associada à da colonização das Américas pelos navegadores Portugueses e Espanhóis.

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Os principais objectivos específicos deste trabalho são os seguintes:

Analisar a variação genética para marcadores específicos do cromossoma Y em raças bovinas Portuguesas, através da combinação de STRs e SNPs para a definição de haplotipos. Pretende-se neste estudo utilizar a informação genética de linhagens paternas, para investigar as relações genéticas entre as diferentes raças autóctones e analisar o grau de introdução nestas de raças comerciais importadas. Nesta perspectiva, o estudo do cromossoma Y pode fornecer informação importante relativamente às origens dos bovinos Ibéricos, e permitir identificar linhagens ancestrais em raças modernas, que podem estar associadas à ocorrência de processos locais de hibridação entre auroques e animais domésticos.

Estudar as origens dos bovinos Crioulos através da análise conjunta de haplotipos maternos (mtDNA) e paternos (cromossoma Y) e analisar a contribuição genética de raças autóctones Ibéricas e das Ilhas Atlânticas, bem como de raças comerciais Europeias (Britânicas e da Europa continental) e zebuínas. O objectivo é caracterizar os haplotipos maternos e paternos de bovinos Crioulos e analisar a sua origem, nomeadamente no que respeita à presença de linhagens Ibéricas. Determinar o grau de introgressão de machos zebu em populações de bovinos Crioulos a partir da análise de marcadores específicos do cromossoma Y é, também, uma questão importante.

Analisar a estrutura genética das raças bovinas autóctones Portuguesas com marcadores moleculares autossómicos polimórficos (STRs). O principal objectivo é averiguar se a estrutura molecular determinada a partir das frequências alélicas de STRs reflecte a classificação destas raças enquanto entidades independentes e, também, determinar se existe subestrutura dentro de cada raça. A investigação do grau de diferenciação, assim como das relações genéticas entre as diversas raças, constituem objectivos paralelos.

23 Caracterizar a diversidade genética dos bovinos Crioulos através de STRs autossómicos, bem como analisar a sua estrutura genética. Atendendo à história destes animais domésticos, é de esperar que este seja um grupo bastante heterogéneo, pelo que é interessante investigar se é possível identificar a nível molecular os grupos de raças que contribuíram para o pool genético dos Crioulos. Por outro lado, é importante analisar o grau de diferenciação entre populações de gado Crioulo, bem como a diluição por cruzamento com outras raças, tendo em vista a aplicação de medidas de conservação destes recursos genéticos. Um outro objectivo é avaliar a contribuição de cada raça para a diversidade genética global de bovinos Crioulos e Ibéricos, numa perspectiva de conservação de recursos genéticos animais.

As análises genéticas elaboradas no âmbito deste trabalho de investigação são apresentadas em quatro capítulos, redigidos sob a forma de artigos científicos e que consolidam os objectivos acima descritos. O capítulo 2 corresponde à definição de haplotipos paternos em raças autóctones Portuguesas, inclui uma breve introdução à análise da variação genética do cromossoma Y e a descrição detalhada das técnicas utilizadas, nomeadamente para a detecção de SNPs, e a pesquisa de variação adicional para além da descrita na literatura. No final do capítulo apresentam-se e discutem-se os resultados da diversidade genética encontrada e das análises filogenéticas efectuadas. Este artigo foi publicado no Journal of Heredity.

No capítulo 3 descreve-se a investigação sobre as origens dos bovinos Crioulos através da análise de mtDNA e do cromossoma Y. Faz-se uma breve introdução à história dos Crioulos e à utilidade deste tipo de marcadores moleculares para estudar a origem e dispersão das raças de animais domésticos. Os resultados são apresentados e discutidos com o objectivo de descrever detalhadamente a diversidade genética e os haplotipos identificados, bem como de analisar as origens Ibéricas do gado Crioulo. A contribuição de raças comerciais Europeias e zebu também é discutida. Este artigo foi submetido para publicação na revista Animal Genetics.

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Os capítulos 4 e 5 respeitam à análise de STRs em raças autóctones Portuguesas e Crioulas, respectivamente. No estudo dos bovinos Crioulos utilizou-se um subgrupo de 24 loci de um total de 40 STRs utilizados na caracterização genética das raças autóctones Portuguesas, pois este projecto foi realizado em colaboração com o Departamento de Genética da Universidade de Córdova, que cedeu os genótipos das raças seguintes: Mostrenca, Canaria, Palmera, Crioulos Mexicanos e Pampa Chaqueño. No final de cada um destes capítulos discutem-se os resultados focando essencialmente aspectos de diferenciação das raças, e fazendo a separação entre populações geneticamente distintas e as mais heterogéneas, com evidência de diluição por cruzamento. No capítulo 5 destaca-se, ainda, a contribuição de cada raça para a diversidade genética global. O artigo inerente à análise genética das raças Portuguesas foi submetido no Journal of Heredity, enquanto o artigo dos Crioulos está ainda a ser preparado, pois, optou-se pela combinação destes resultados com os de grupos de investigação de Espanha, para publicar um estudo que abranja todas as raças bovinas da Península Ibérica e que inclua populações adicionais de bovinos Crioulos.

No Capítulo 6 são apresentadas as conclusões finais deste estudo e tecem-se algumas considerações sobre as perspectivas futuras de investigação. As referências bibliográficas figuram no final da tese.

Capítulo 2

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C

APÍTULO

2.

Y

CHROMOSOME HAPLOTYPE ANALYSIS IN

P

ORTUGUESE CATTLE BREEDS USING

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