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I V

Se a dialética é o discurso que, por princípio, anula a relação de potência, como explicar então que, no e n ten d er de Hegel, haja — apesar disso — um a boa coerção? com o explicar que o cristianism o precisasse subm eter a hum anidade ocidental a “um a terrível discipli­ n a ” ? 1 N o que constitui um a boa escatologia, “ a liberdade do E spírito custava esse preço” . C ertam ente. Mas que “ E spírito” é esse cujo adven­ to devia cu star aquela conta? Q ue conciliação é essa, que devia ser p recedida de um a tal cisão? As escatologias com eçam a tornar-se ainda mais inquietantes do que excêntricas, qu an d o nos interrogam os se o objetivo que prom etem não estará previam ente com prom etido, apo­ drecido, pelas m ediações que elas adm item . N ada menos tran q ü ili­ zante, no que se refere à em ancipação do p ro letariad o , que o lépido cinism o de Engels, q u an d o proclam a: “ C ontinuem assim a lu tar valen­ tem ente, graciosos senhores do capital. Pelo breve instante atual, ainda precisam os dos senhores; até mesmo, num lugar e noutro, sua d o m in a­ ção nos é necessária. Devem v a rrer de nosso cam inho as form as pa­ triarcais pré-capitalistas; devem centralizar; devem tran sfo rm ar as classes mais ou m enos proprietárias em proletários autênticos, em recrutas para nós [ . . . ] ” 2 O m esmo não se aplica à “ liberdade do E spírito" hegeliana? O jovem Hegel, em Berna, duvidava q ue a o b e­ diência k a n tian a à Lei Moral fosse d e natureza distinta da obediência heterônom a (à Lei judaica). Ao Hegel dialético, poder-se-ia propor uma questão análoga: haverá um a diferença tão grande entre a obediência por sim ples m edo e a integração do cidadão no “ E stado m oderno” ? Se aquela constitui o meio para esta, não será com o o fórceps, que pode estro p ia r a criança?

Concedam os que o “ E stado m o d e rn o '’ m arca um progresso na história dos sistem as de dom inação. A qui, o que qu er dizer progresso? Q ue a dom inação se tornou m ais flexível, ou que se aperfeiçoou?

Somos forçados a nos p ropor esta questão, à leitura da Filosofia do D ireito, quando se delineiam as feições desse cidadão consum ado que, ao que nos dizem , enco n tra no E stado a realização de sua essência. Não há dúvida algum a: é o irm ão daquele que N ietzsche ch am ará de “hom em bom ” ou “ hom em do reb an h o ” . Deixamos ao leitor o en ­ cargo de fazer o paralelo entre os dois textos: ali (H egel), a celebração do m ister e do ofício (A m t), no in terio r dos quais o cid ad ão vai viver sua universalidade — aqui (N ietzsche), os sarcasm os sobre o “ p ap el” e “a pretensa profissão” im postos por nossa civilização “a quase todos os europeus do sexo m asculino” ; ali (H egel), o elogio dos concursos de seleção, aqui (N ietzsche), a denúncia da machinale Existenzform p a ra a qual nosso ensino p rep ara o bom cidadão.3 A qui e ali, as descrições concordam , tanto quan to divergem as apreciações: a acu ltu ­ ração, da qual o “ E stado m oderno” é a um só tem po o fiad o r e o sím bolo, só constitui os “ súditos” p orque esm igalha os indivíduos, de m odo que terá ânim o de se sentir “em casa” no E stado som ente quem renunciou ao seu “ Si n a tu ra l” — quem tiver praticado, até o fim , a Selbstvergessenheit, o esquecim ento de si mesmo. Por isso podem os perguntar-nos se, afinal de contas, é tão grande a distância que separa o sujeito m oral esm agado pela Lei do cidadão em paz com o E stado.

E verdade que, no E stado, o m om ento da cisão já não é sequer um a recordação: sucedeu, à separação do sujeito da Lei e do homo noumenon, a reconciliação entre o hom em privado e o cidadão. Mas quem tem o direito de degustar essa reconciliação? Um sujeito cujo m odo de educação havia sido form ulado, com m uita exatidão, pela pedagogia k antiana: com eçando por um aprendizado da renúncia (Entsagung), inicialm ente doloroso, mas que, a longo prazo, “ a rra n ­ cando o aluno da coerção das verdadeiras necessidades, faz que ele sim ultaneam ente se sinta liberado de todas as diversas form as de des­ contentam ento q ue resultam , p ara ele, dessas necessidades” .4 É esse plano pedagógico que Hegel projeta sobre a escala da H istória: ao hom em ocidental se aplica o que valia para o aluno bem -educado, cujo “q u erer p ró p rio ” a educação soube “ rom per” (den Eigenwillen des K indes zu brechen);5 tam bém sua liberdade de adulto custou essa indispensável dom esticação. Foi pela “ disciplina da servidão” (Zucht der Knechtschaft) que a Idade M édia libertou o hom em ocidental ou, se preferirm os, pacificou-o — no sentido em que, recentem ente, os franceses “pacificaram ” a Argélia. D epois, “a via do sofrim ento é a b a n ­ donada [ . . . ] pois, tendo nascido a consciência, o hom em se en co n tra no elem ento de um a condição m oral” .6 A soberania, agora ad q u irid a,

do U niversal torna supérfluo o recurso à violência. Mas por que a Erziehung precisou atravessar essa e tap a?

Isso nós com preendem os facilm ente, se levarm os em conta a originalidade da tarefa pedagógica que se com pleta com o advento do “ Estado m oderno” — se m edirm os como essa form ação devia distin- guir-se de um a paidéia que tivesse por objetivo a p u ra e sim ples inser­ ção do homem no ethos. À prim eira vista, a paidéia antiga, form adora do homem livre, parece seguram ente uma fórm ula em tudo preferível a um a “disciplina” , que começa aterro rizan d o . Mas é que, nesses dois tipos de educação, estão em jogo coisas bem diferentes. A educação m oderna propõe-se a form ar uma “ livre vontade individual", ou seja, um cidadão que será sujeito ético enquanto indivíduo. O ra , esse p ro ­ jeto não teria q u alq u er sentido no q u ad ro da “cidade ética” , onde, mesmo quando se pensava o homem no seio da fam ília (o não-cidadão), o indivíduo só podia sê-lo na m edida em que já era visado como “essência u n iv ersal” , já apagado como singularidade.7 A educação para o universal não podia conceber-se, portanto, como um a inform ação do indivíduo, ap ro p riad a para o indivíduo: ela som ente podia ser inte­ gração no ethos, invasão pela form a ética. É assim, por sinal, que Hegel representaria a Erziehung na Realphilosophie de lena: a criança é um abstractum , enq u an to aguarda um a consciência ainda “ em si” , que irá tom ar conta dela. "A educação da criança consiste em que a consciência, posta nela como um o u tro que não ela, torna-se sua pró­ pria consciência [ . . . j Os pais constituem , para a criança, um obscuro e ignoto pressentim ento dela m esm a; eles suprim em o ser-em-si sim ples e com pacto da criança [. . . ] ”8 Se a Bildung assim consiste som ente em integrar o O u tro em si, se ela não passa de um consum o, então para que insistirm os no m om ento repressor? N o D ireito natural, é ver­ dade que ocorre um a alusão a uma “ disciplina ou repressão” encarrega­ da de abolir o ser-negativo da criança, m as, ainda nesse caso, a educa­ ção parece ser, acim a de tudo, uma assim ilação do espírito universal,9 É nas obras posteriores (Propedêutica, Enciclopédia) que o encontro com a a u to rid ad e com o coerção será apresentado como uma etapa indis­ pensável 10 — qu an d o Hegel percebeu que o tipo “m oderno” de dom i­ nação política estava em condições de suprim ir a im ediatez sem, com isso, an u lar o indivíduo. É pois um a o utra pedagogia que se vê exigida, porque trata-se de fazer, do indivíduo enquanto tal, uma instância ética original: é o tode ti que será preciso elevar à ousía, é esse ser que deverá tornar-se substancial por conta própria. Agora, a pedagogia não diz mais respeito a um em brião, que am adurecerá como cidadão ético — porém a um candidato à autonom ia que deve suscitar, por

en q u an to , um a desconfiança proporcional à confiança que m ais tarde nele deporem os — um sujeito teim oso cuja “ vontade p ró p ria ” terem os que com bater sem tré g u a s . . . Por isso não há nenhum paradoxo em que o autoritarism o pedagógico seja, a um único tem po, a condição e o custo do reconhecim ento do sujeito em sua singularidade. Uma e d u ­ cação é m enos repressiva, se tem por ideal a perfeita inserção no grupo (“ético” ou, hoje, “to talitário ” ), do que se tem a am bição de assum ir a singularidade, de fo rm ar o indivíduo para sua responsabilidade; é q u an d o a disciplina não tem m ais por m eta fan atizar que ela deve converter-se em lam inagem m inuciosa, não podendo m ais esquecer ne­ nhum traço de caráte r, nenhum a p articu larid ad e da “ vontade p ró p ria ” . F anatizar é m axim izar a espontaneidade do “ Si n a tu ra l” — en q u an to ed u car p ara a liberdade individual exige que se esm ague aquele Si n atu ral. A esse respeito, tudo o que podem os é rem eter o leito r a Vigiar e Punir e às pacientes análises de M ichel Foucault. E stran h are­ m os, apenas, que alguns críticos tenham sido capazes de censurar F oucault por som ente colocar em q uestão as instituições repressivas instauradas pelo que se convencionou ch am ar de “civilização ociden­ ta l” , até sugerir “a im agem de um a sociedade to talitária no lugar em que pensávam os ver um a sociedade lib eral” .11 A cusação, a m eu p are­ cer, m uito injusta. N ão som ente F oucault não nos convida a v er edu­ cadores totalitários nos pedagogos e filan tro p o s “esclarecidos” , como seu livro — e m esm o sua ob ra inteira — nos levam a refletir sobre a n atureza específica da vigilância e do controle sem os quais um a “ sociedade lib e ra l” não poderia fu n cio n ar — sem os quais a “ liber­ dade su b jetiv a ” não poderia ter sido, como bem com preendeu Hegel, um m om ento essencial do “ E stado m o d ern o ” . Longe de fazer-nos co n fu n d ir dom esticação e opressão, Foucault descreve-nos um siste­ ma de dom esticação que to rn a rá dispensável a opressão. O ra, não se en contrará aí um leitm otiv da política hegeliana? C om preender o ethos m enos como um a au to rid ad e que dom ina do que com o uma au toridade que m onta autom atism os de obediência. E é nesse sentido que a educação, dom inação efêm era, será contudo um a dom inação mais e m ais m eticulosa, na m esm a m edida em que deve preparar-m e para m inha “ liberdade in d iv id u al” .

Uma tal dom inação, q u alq u er form a que tome, nenhum a cidade jam ais pôde econom izá-la: disso está convencido Hegel. Situem o-nos na hipótese do c o n trato fu n d ad o r do Estado; suponham os que a com u­ nidade (G em einw esen) ainda não exista, ou que seja preciso recons­ truí-la ex nihilo. C ada um dos que vão c o n tra ta r é então “um a singu­ laridade positiva, que ainda não se encontra alienada ou que ainda

não tem , em si m esm a, a negatividade; é um a contingência, p ara o U niversal, e este é um O u tro efetivo, relativam ente a ela” . Com o pode­ riam essas vontades n atu rais transform ar-se, por si sós, em vontades co n tratan te s? Será o tirano quem , exprim indo-lhes a “v ontade” contra o arbítrio delas m esm as, selará o verdadeiro contrato:

[A sua vontade universal] é seu em -si; ele aí está. É seu em -si, isto é, o poder externo a eles, que os coage. D essa form a todos os E stados foram fundados p elo poder suprem o de grandes hom ens, não pela força física, pois do ponto de vista físico é m enos forte do que vários. Mas o grande hom em possui dentro de si um a coisa tal que o s dem ais podem denom iná-lo seu ch efe: obedecem -lhe contra a própria vontade de si m esm os; contra a vontade que têm , a von ­ tade dele é vontade deles [ . . . ] O poder que o tirano exerce é o da lei em si; graças à obediência, ela deixa de ser um poder estran­ geiro, para ser a vontade universal que se tornou con scien te.12

Essa análise é p erfeitam ente com patível com a convicção de que a violência não passa do com eço aparente ou “etern o ” dos Estados. Na verdade, o bom tirano aqui im põe ao súdito apenas sua futura vontade de cidadão. E m ais tard e, qu an d o esses súditos, um a vez dom esticados, ou seja, efetivam ente “livres” , forjarem o m ito do C on­ trato , o que estarão fazendo é p resta r um a in v o lu n tária hom enagem

à discreta eficácia da dom esticação: esta transform ou-os tão bem que eles perderam até a possibilidade de im aginar um a época ou condição em q ue não estivessem dispostos a re n u n cia r a sua “vontade p ró p ria ” . E, num certo sentido, os hom ens têm razão em esquecer o m om ento da obediência devida à força, pois ele nunca foi m ais do que o m o­ m ento d a elim inação do inessencial.

A obediência à lei da razão é um a obediência quando referida à m inha natureza inessencial, a qual se encontra sob o d om ínio de uma realidade que lhe é estrangeira. M as, por outro lado, essa obe­ diência é um a determ inação autônom a a partir de si m esm a, porque essa lei se enraíza justam ente na m inha essên cia.13

P ortanto, ainda que indispensável, a coerção — por ser poda do inessencial — nunca é séria. Por dolorosa que seja, ela só me é infligida d u ra n te o tem po necessário p ara eu me reconhecer naquilo q ue me coage, para abolir a dupla personalidade (sujeito da \e\/h om o nou- menon) que assegurava a m anutenção do kantism o, filosofia do E nten­ dim ento e, po r conseguinte, da coerção perp étu a. Em si, eu não sofro nada por p arte do universal, o qual eu já era sem o saber — e p o r isso K ant errou ao com preender a m oralidade partin d o da coerção,

e fazer da obediência externa à lei m odelo para a obediência à lei que alguém outorga a si p ró p rio .14 Pois essa lei o pedagogo e o tirano não me anunciam que ela me seja o u torgada de cim a para baixo — mas, ao contrário, que eu m esmo ma outorgo, por essência, e que portanto seu aspecto “ positivo” não passa de m era figura. É o E nten­ dim ento que fixa a m oralidade no episódio disciplinar, como se o esm agam ento do q u erer im ediato fosse um em preendim ento que nunca term ina — com o se a disciplina, necessária para a criança e o b á r­ baro, devesse prolongar-se indefinidam ente, na qualidade de consciên­ cia infeliz, em vez de desem bocar na “ verdadeira lib erd ad e ” .1S A pedagogia hegeliana, em c o n trap artid a, não encam inha o sujeito ape­ nas para a autonom ia — e sim p ara um a autonom ia feliz, que não será m ais vivida como um a subm issão fetichista à Lei — que não será mais bloqueada na som bria “ satisfação negativa pela qual temos consciência de não precisar de n a d a ” .16 É esse sujeito que poderá tornar-se um cidadão — e não o “ sujeito m o ral” , em paredado na sua Selbstverleugnung, ainda m ais “ estrangeiro na te rra ” do que A braão. De m odo geral, pensa Hegel, a ascese, a “fuga para fora da v id a” (Flucht aus dem Leben) não podem co n stitu ir as prem issas para uma “ libertação” . D aí a crítica a todas as form as de m ortificação, tanto a do h indu que “atinge a m orte já nesta vida” q u an to a do sábio estóico:

Pretende-se tão-somente despojar o conteúdo impuro, isto é, torná-lo apropriado à vontade moral; mas é falsa a exigência que leva a conceber a renúncia de maneira tão abstrata que ela deva abolir em si mesma a impulsão da vitalidade. A posse e o bem remetem àquilo que caracteriza o homem: e que coincide com sua vontade.17 Ninguém se engane, porém , qu an to a essa recusa do ascetism o “a b strato ” . Nesse m asoquism o o que Hegel condena é apenas que a dom esticação seja im perfeita — o que vemos confessado no uso da coerção. A ssim , o hom em kantiano foi m al-educado, p orque para ele a m oralidade não se tornou um hábito: de viver sem descanso na obediência, ele não vive a obediência, esta não se transform ou em espontaneidade sua — de m odo que basta ele agir para já não saber mais se está obedecendo ou não: “ Segundo essa consciência, eu ajo m oralm ente quando tenho consciência, internam ente, de estar apenas cu m p rin d o o puro dever, e não q u a lq u er o u tra coisa, o que significa, na verdade, quando não estou agindo".18 A subm issão à Lei não serve, po rtan to , de vida ética. Assim, Hegel não condena a m oral do tem or e trem or porque fosse esta um a negação da vida — m as sim porque é um a vida que não soube d a r lugar à negação. O que ele rejeita não

é o com portam ento de renúncia, é que a renúncia seja vivida como resignação, como desencantada aceitação do que me lesa ou me d e­ tém . . . Mas não vamos esquecer que esse hum or som brio, que pelo menos leva em conta o sofrim ento, ainda é melhor do que a ascese do “ soberbo” , que pretende ignorá-la. É m elhor ser kantiano do que estóico. A inda é m elhor resignar-se ao negativo do que desconhecê-lo. O p io r cego é o estóico que pretende ab strair a cisão, que “ensina apenas que o negativo não é, e que a dor não existe” .19 A essa m aneira de reagir à aflição, ainda preferirem os a atitu d e judaica, que ap ro ­ fu n d a a insatisfação (Unbefriedigung) e a sente perm anentem ente como sofrim ento, e vive na com panhia do intolerável, em vez de pretender, soberbam ente, anulá-lo. Daí vem “ a significação e a im portância do povo judeu na H istória U niversal” : ele pôs em prim eiro plano “a dor de seu próprio nada, de sua própria m iséria” , fez da infelicidade “a infelicidade de sua natureza” — e essa contrição extrem a, que pelo menos ensinou os hom ens a divisarem a n atureza com o sendo o nega­ tivo, abria cam inho para a fu tu ra “ liberdade afirm ativa” . . . O bser­ vem os, de passagem , que as m esmas coisas qu e valerão ao judaísm o as injúrias de N ietzsche (“ falsário” , “enven en ad o r”) são as que levam Hegel a reconsiderar e a m atizar o juízo que antes em itira, em F ran k ­ fu rt, sobre a religião da absoluta servidão: graças ao judaísm o, a infe­ licidade deixou de ser vista com o acidental; deixou de ser a p ed ra na qual tropeçam os — e natureza, c onfrontada com “um a aspiração infi­ nita” , tornou-se o que não devia ser.20

Mas o judaísm o não soube tira r p artid o de sua descoberta. C on­ servou-se um a religião de E ntendim ento, religião do Sublim e. A braão para p rep a rar o kantism o: em am bos, p ara Hegel, a mesma m iopia. T anto qu an to o “ sujeito m o ra l” kan tian o , o ju d eu não consegue ver que a coerção não pode passar de um m omento. Para ele a d o r é sinal de um a dependência insuperável e, se não se fu rta à provação, tam pouco sabe vencê-la. Portanto, ele não com preendeu o sentido da dor.

A ssim , no lugar onde N ietzsche diagnosticará o início da im pos­ tu ra “m o ral” , Hegel vê apenas um a in terp retação m íope. O judaísm o, na análise de N ietzsche, colocou em prim eiro plano a “extrem a capa­ cidade de sentir a d o r e o estím ulo” que inclinava “os que sofrem m ais” a ad o tar, como único objetivo, o de evitar o Mal; desses “que sofrem m ais” ele foi, até surgir o cristianism o, o m elhor porta-voz. N ada disso aparece na leitura hegeliana: o judaísm o tornou-se cul­ pado de um a exegese apressada, não de um a exegese m órbida, da dor. Leu o Mal com excessiva rapidez, apressou-se dem ais a conceber um Mal sem rem issão, Por isso devem os vê-lo como um a religião de En­

tendim ento, não como um a religião de “ sofredores” . O ra, o E ntendi­ m ento não é um a instância m istificadora. N ão cabe criticá-lo por ins­ ta u ra r oposições frau d u len tas, da m aneira como N ietzsche censura os “sofredores” p o r haverem forjado toda a oposição “p ra z e r/d o r ” : so­ m ente se deve censurar-lhe o fato de não ter sido capaz de pôr em funcionam ento essas oposições (como se nota em sua “fixação” no m om ento d a coerção). É por isso que Hegel pode p roceder ao elogio do E ntendim ento en q u an to passa o tem po desm ontando suas sofisti­ cações: seu trab alh o não está tan to em criticar quan to em to m a r a com preender o que foi dito mal — não está em a rra n c a r os conceitos

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