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3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO

Porém, o consumo via Internet, ao mesmo tempo em que maximizou a capacidade lucrativa do mercado, também gerou um espaço bastante vulnerável a lesividades jurídicas. A manifestação de vontade representada por um simples clique de mouse, a utilização de dinheiro virtual (e-money), a ausência de documentação em suporte físico na celebração de contratos pela Internet, a desterritorialização dos fornecedores/comerciantes e anunciantes de produtos e outras questões relacionadas à dinamicidade das trocas eletrônicas chamam a atenção dos juristas para os efeitos jurídicos e os impactos causados no direito do consumidor.

Com objetivo de melhor entender o fenômeno do comércio eletrônico, pode-se considerar que ele consiste “na oferta de bens e serviços, remunerados ou não pelo destinatário final, na medida em que constituem uma atividade especificamente econômica desenvolvida por meio das redes de informação, notadamente a Internet.”190

Maria Eugênia FINKELSTEIN afirma que o comércio eletrônico “nada mais é do que uma modalidade de compra à distância, na qual são recebidas e transmitidas informações por meio eletrônico”.191

Cláudia Lima MARQUES define comércio eletrônico como:

(...) comércio entre fornecedores e consumidores realizados através de contratações à distância ,as quais são conduzidas por meios eletrônicos (e-mail etc.), por internet (online) ou por meio de telecomunicações em massa (telemarketing, TV, TV a cabo

190 Carta de princípios do Comércio Eletrônico divulgada pela Procuradoria Geral da República no site Fórum de Comércio Eletrônico.

Disponível em: http://forumdocomercioeletronico.wordpress.com/. Acesso em 18 out de 2012. O FCE é uma iniciativa proposta pelo Grupo de Trabalho Tecnologias da Informação e da Comunicação (GTTIC) com o objetivo de “elaborar uma carta de princípios do comércio eletrônico, contribuir ao bom funcionamento do mercado assegurando a livre circulação dos serviços da Sociedade da informação; promover a proteção do consumidor dos serviços da sociedade da informação; identificar as questões emergentes do comércio eletrônico e de leva-las à apreciação dos diferentes atores; facilitar as interações e a concertação entre os diferentes atores (...) A Carta de princípios do Fórum do Comércio Eletrônico é o principal produto dos trabalhos do Fórum do Comércio Eletrônico. Ela é uma obra coletiva e consensual de todos os participantes do Fórum que colaboraram e se manifestaram nas reuniões em que seu texto foi discutido ...” ( Projeto de criação do Fórum de Comércio Eletrônico: http://forumdocomercioeletronico.wordpress.com/documentos/)

191 FINKELSTEIN, 2011, p. 38.

etc.), sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar (e sim a distância).192

Alguns autores ainda fazem uma distinção entre Comércio eletrônico direto e indireto. O direto consiste na comercialização de bens e serviços imateriais que podem ser transmitidos pela rede ou que utilizam dela para sua realização como softwares193, músicas digitalizadas, imagens, e-books194, serviços de hospedagem de vídeos, serviços de e-mail. Já a modalidade indireta consiste na realização da transação pela plataforma eletrônica, mas o bem a ser adquirido é corpóreo e deve ser entregue fisicamente por meio de correios ou empresas de transporte195.

Corroborando com a definição de Cláudia Lima Marques, Ricardo Luís Lorenzetti deixa claro as duas características essenciais que delimitam o conceito de comércio eletrônico: o meio eletrônico de realização da transação e a troca de bens. Dessa forma, defende o autor que a atividade de e-commerce é “toda atividade que tenha por objetivo troca de bens físicos ou bens digitais por meios eletrônicos”196.

Quando se aborda o tema do comércio eletrônico, deve-se ter em mente que ele é permeado por relações jurídicas estabelecidas pela via eletrônica, as quais são dividas pela doutrina em relações de direito público – são vínculos entre os Estados ou entre particulares e o setor público – e as relações jurídicas de direito privado. Estas se subdividem em relações entre empresas (chamadas de B2B, isto é, business to business); entre empresas e consumidores (chamadas de B2C, business to consumer); e entre pessoas físicas sem profissionalidade (C2C, consumer to consumer)197.

3.1.2. O desafio da tutela dos direitos consumeristas no comércio eletrônico

O cerne do problema gerado nas relações eletrônicas de comércio encontra-se essencialmente no meio utilizado para a realização das transações. Com as novas aplicações tecnológicas, o consumidor passa a desconhecer a forma como as transações são processadas, os métodos de segurança utilizados, as possibilidades de fraudes a que pode estar sujeito e quais os direitos aplicáveis em casos de ocorrência de dano material/ moral, uma vez que não há uma legislação específica para o setor.

192 MARQUES, 2011, p. 110.

193 Programas de Computador que possuem aplicações específicas.

194 Livros em formato digital.

195 CANUT, 2011, p. 136.

196 LORENZETTI,2004, p. 92-93.

197 LORENZETTI, 2004, p. 92-93.

Nessa perspectiva, Claudia Lima Marques sustenta que o comércio eletrônico é uma nova realidade que apresenta problemáticas desafiadoras como: a despersonalização das transações eletrônicas; a desmaterialização do meio; a desterritorialização; a atemporalidade;

e a desconfiança dos consumidores no comércio eletrônico198.

A despersonalização na pós-modernidade é ampliada com o comércio eletrônico, pois, além da despersonalização decorrente da massificação dos contratos de adesão ocorrida ao longo da Revolução Industrial, atualmente a contratação à distância é realizada por meio eletrônico e outros meios de comunicação em massa, de forma plúrima e multifacetada, ocorrendo o que se chama de desumanização199 do contrato. O consumidor, portanto, passa a se deparar com um comércio em que os acordos são realizados por meio de sinais, cliques, e outras técnicas eletrônicas de contratação em que a impessoalidade é elevada ao grau máximo, ou seja, não se sabe, precisamente, com quem está se contratando.

Já a desmaterialização do meio de contratação decorre da própria natureza imaterial do ambiente virtual, destoando dos clássicos contratos escritos, o que cria um problema, já abordado no primeiro capitulo, de prova de autenticidade e validade documental.

A questão da desterritorialização e atemporalidade, pontos anteriormente já abordados nas caraterísticas da Internet, estão relacionados à integração cultural, social e econômica promovida pela rede mundial de computadores. Ao quebrar as fronteiras entre os países, o comércio via Internet promove uma desconstrução da lógica jurisdicional intimamente ligada ao território. Isso gera conflitos comerciais e dificulta a normatização e proteção dos direitos consumeristas.

A atemporalidade consiste na modificação pela plataforma eletrônica de contratação dos conceitos de tempo real, pois as divergências de fusos e a indefinição territorial do fornecedor (que muitas vezes pode ser uma grande companhia descentralizada ao longo do globo) mitigam e dificultam a definição do tempo da celebração dos negócios jurídicos virtuais.

Como consequência direta das problemáticas acima expostas, o meio eletrônico torna-se um ambiente permeado pela desconfiança, pela insegurança. Ao mesmo tempo em que construiu um espaço virtual e intangível que possibilitou a facilitação e a ampliação das relações comercias eletrônicas, a Internet também criou um ambiente complexo, procedimentalmente ininteligível para o consumidor leigo e, de certa forma, vazio de poder jurisdicional. Isso causou, em um primeiro momento, um abalo no princípio basilar das

198 MARQUES, 2004, p. 63.

199 Expressão utilizada por Cláudia Lima MARQUES em referência a obra de Giorgio Oppo Disumanizzazione del contrato? que evidencia o distanciamento dos fornecedores em relação ao consumidores na atual sistemática comercial eletrônica.

relações privadas, isto é, do princípio da confiança200 e gerou uma discriminação do meio eletrônico como plataforma de contratação e uma descrença daqueles lesados na possibilidade de reparação judicial de seus prejuízos no ambiente virtual.

3.2 A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo via