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2. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO SEGUNDO O

2.6. A Responsabilidade Civil do fornecedor no Código de Defesa do Consumidor

2.6.2 Responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço

Diferentemente da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço que consiste na violação de um dever de segurança a partir da constatação de um defeito, a responsabilidade pelo vício do produto decorre da violação de um dever de adequação, cuja finalidade consiste no oferecimento pelos fornecedores de produtos ou serviços apropriados e adequados ao fim a que se destinam181.

O legislador deu tratamento distinto aos regimes de responsabilização nos casos do fato e do vício por um motivo muito simples. Enquanto que no fato do produto ou serviço há elevada potencialidade danosa que se projeta (é externalizada) para o âmbito da saúde e segurança do consumidor; no vício, o prejuízo permanece circunscrito ao objeto da relação de consumo, consistindo em má funcionalidade ou falta de prestabilidade – uma TV que não liga, um ar-condicionado que não resfria o ambiente suficientemente, um carro com vazamento de óleo. Os vícios são imperfeições imanentes à própria coisa ou serviço (vícios in re ipsa182). Diferente do acidente de consumo em que há um evento danoso que atinge o consumidor, no vício, o fundamento fático da responsabilidade reside na coisa em si. Assim sendo, a responsabilidade por acidente de consumo é potencialmente mais onerosa – já que engloba danos à saúde e à segurança do consumidor – e a por vício limita-se patrimonialmente ao valor do produto ou serviço adquirido. Essa distinção, bem como o grau de causalidade, são os fundamentos para a subsidiariedade da responsabilidade do comerciante nos casos de acidente de consumo e para solidariedade nas hipóteses de vício.

O CDC, em seu artigo 18, aborda dois tipos de vícios: o de qualidade e o de quantidade. Como se depreende da leitura do dispositivo em questão, vício de qualidade é aquele que torna os “produtos duráveis ou não duráveis impróprios ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor”. Importante observar que o legislador, nesse ponto, impõe ao fornecedor um dever jurídico de qualidade, admitindo no mercado de consumo apenas produtos integralmente funcionais e adequados ao fim a que se destinam183.

Já o vício de quantidade, conforme a segunda parte do caput do art.18 do CDC, são aqueles “decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária”.

Uma vez identificado um vicio no produto, incide sobre a relação de consumo a responsabilidade objetiva do fornecedor. Ainda que não contenha expressamente nos arts. 18 e 20 a dispensabilidade de culpa para a configuração da responsabilidade, certo é que se trata

181 MIRAGEM, 2010, p. 358.

182 RIZZARDO, 2009, p. 421.

183 CAVALIERI FILHO, 2012, p. 547.

de responsabilidade objetiva, pois o sistema de responsabilização do CDC fundamenta-se, na hipótese de vício, no dever de adequação que, se violado, enseja a responsabilização independentemente de culpa. Reforçam essa ideia Claudia Lima MARQUES e CAVALIERI FILHO nas seguintes passagens:

Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presente nas normas do CDC (arts. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto ou no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade). Observando-se a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro se inspirou na ideia de garantia implícita do sistema da common law ( implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso, até mesmo, uma garantia referente à segurança que deles se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo sistema do CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores184.

[...] o texto dos citados arts. 18 e 20 não faz nenhuma referência à culpa (negligência ou imprudência), necessária para a caracterização da responsabilidade subjetiva.

Ademais, se nem o Código Civil exige culpa tratando-se de vícios redibitórios, seria um retrocesso exigi-la pelos vícios do produto e dos serviços disciplinados no Código do Consumidor, cujo sistema adotado é o da responsabilidade objetiva.

O art. 23, por sua vez, reforça a responsabilidade objetiva ao dispor: “A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”185.

Além da responsabilização objetiva para os casos de vício do produto ou do serviço, o legislador também estabeleceu a solidariedade entre todos os fornecedores. Contudo, diferentemente do art. 12, o art. 18186 incluiu os comerciantes na responsabilização solidária decorrente de vício do produto. Assim sendo, nos casos de fato do produto, os comerciantes respondem subsidiariamente; na hipótese de vícios, respondem direta e solidariamente com os participantes da cadeia produtiva.

A responsabilização direta e solidária do comerciante por vício de adequação foi uma

“opção do legislador de ampliar a proteção do consumidor em tipo de vício que ocorre com muito mais frequência no mercado, e de consequências pecuniárias menores que o defeito do produto, que ocasiona uma acidente de consumo”187.

O CDC também disciplinou os vícios referentes ao serviço os quais podem ser, igualmente ao produto, de qualidade e quantidade. O serviço com vício de qualidade é aquele inadequado para o seu fim, isto é, aquele serviço que falhou no cumprimento de sua

184 MARQUES, 2006, p. 1148-1149.

185 CAVALIERI FILHO, 2012, p. 544.

186 Deve-se ressaltar que além de disciplinar a responsabilidade dos fornecedores nos casos de vício do produto, o art. 18 também estabelece medidas reparatórias, quais sejam: “§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.”

187 KHOURI. 2009, p. 197

finalidade. Já o vício de quantidade, conforme o Código, consiste naqueles “decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou da mensagem publicitária”.

Como já explanado no tópico sobre o vício do produto, apesar de não expresso no art. 20, a responsabilidade será de todos os fornecedores, inclusive do comerciante. Desse modo, pode o consumidor, para garantir seu direito de ressarcimento integral188 do dano patrimonial causado pelo vício do serviço, acionar qualquer um daqueles que participaram da prestação do serviço.

188 Vale destacar que o CDC propõe medidas reparatórias no seu art. 20 para os casos de vício do serviço, a saber: “I- a reexecucão dos serviços, sem custo adicional e sem custo cabível; II- a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III- o abatimento proporcional do preço.”

3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO