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CAPÍTULO 2. Apontamentos em torno do estudo dos movimentos sociais e do engajamento político

2.2. Das particularidades de cada itinerário: socialização e investimentos militantes

2.2.2. Do empreendedorismo à militância: um engajamento de ocasião

Caso número 6.

Embora os demais casos apresentados até o momento também tenham demonstrado que o gosto e as disposições a militar em causas diversas são constituídos desde muito cedo na vida destes militantes, este caso em específico merece alguns destaques por se tratar de uma pessoa relativamente jovem – se comparada aos demais – que, embora tenha nascido num ambiente familiar e cultural muito parecido, há de se levar em conta que as condições e o momento político que marcam sua trajetória já não são mais os mesmo dos anos 80 como na maioria dos outros casos, assim como, a forma como os jovens se projetam no mundo também não, sendo que hoje existem diversas possibilidades das quais seus pais, por exemplo, não desfrutaram.

Filho mais velho de um casal de agricultores, D. reside até hoje na pequena propriedade rural situada no interior do município de Aratiba/RS, na divisa com Erechim/RS, junto de seus pais e seu irmão e irmã mais novos. Desde pequeno, ajudou a família com o trabalho na roça no contraturno da escola, assim como seus irmãos. Concluiu o ensino fundamental na escola municipal da cidade, depois se mudou para Erechim/RS onde cursaria o ensino médio e o curso Técnico em Agropecuária no Colégio Agrícola Estadual, em regime de internato. Nos três anos em que estudou no colégio, teve contato com o Grêmio Estudantil, espaço no qual participou, contribuindo na organização de algumas atividades. “Lá a gente não discutia muito sobre política, mas teve uma vez que articulamos uma greve dos alunos, fizemos uma barricada e trancamos os dormitórios porque a direção não queria melhorar a qualidade do laboratório de informática”.

No ano de 2005, após a conclusão do ensino médio e do curso técnico, volta para a propriedade rural de seus pais, no intuito de trabalhar junto da família e desenvolver a propriedade, pondo em prática os conhecimentos adquiridos no colégio agrícola. Diferentemente de seus pais e irmãos, é o único membro da família a cursar o ensino superior. Ao retornar para a casa de seus pais, presta vestibular e é aceito no curso de Administração, numa faculdade situada a cerca de setenta quilômetros de seu município, distância esta que D. percorreu todos os dias de ônibus para poder estudar.

Ao que tudo indica, sua família detém significativo reconhecimento e prestígio na cidade onde vivem, isso se deve ao papel desempenhado por seu pai e outros parentes nas questões locais. D.

conta que durante muitos anos as pessoas doentes, até nos casos mais simples, precisavam se deslocar até Erechim/RS para poder ter acesso a uma consulta médica, pois o município não dispunha de um hospital. Devido à organização e pressão política de um grupo de pessoas, incluindo seu pai, foi possível a construção do Hospital Comunitário do município, no qual seu pai faz parte da direção por doze anos. Conta também que essa luta possibilitou que outros parentes se aproximassem da política partidária, como por exemplo, seu tio que já concorreu ao cargo de prefeito e seu primo que, em mais de um mandato, foi vereador do município.

Entre 2005 e 2010, período em que cursava Administração e trabalhava com sua família, é convidado para fazer parte do conselho administrativo da Cooperativa Regional de Eletrificação Rural do Alto Uruguai – CRERAL, cargo que ocupou durante três anos. Este conselho reunia líderes de grande parte das comunidades do interior do município e, foi neste espaço, que D. fez seus primeiros contatos pessoais e começou a se interessar pelo sindicalismo, participando de alguns encontros e discussões. “como eu fazia Administração e estava no conselho, eu era muito curioso, comecei a querer conhecer as organizações, mas apenas como militante mesmo”. Nessa época, sem nenhuma pretensão política, filia-se ao Partido dos Trabalhadores. “Tinha um pouco esse perfil de liderança, eu fui procurado algumas vezes nas eleições pra concorrer a vereador e acabei não indo, não queria isso”.

Formado em Administração, atuante no conselho da cooperativa e já mantendo certa proximidade com o Sindicato Rural do município, em 2010 passa a se dedicar de forma mais intensa ao sindicalismo, atuando na sede municipal da FETRAF. Seu envolvimento nesse tipo de ambiente, assim como o gosto pela militância, é algo que fora construído aos poucos, e que deve ser entendido a partir de sua trajetória, dos espaços de pertencimento, da mobilização de recursos escolares, enfim, de seu itinerário individual.

“A comunidade me apontava como uma das lideranças e é assim que o sindicalista começa. Então foi pelo nosso sindicato, se destacando lá na comunidade e depois no município [...] O sindicato fazia reuniões em todas as comunidades e cada comunidade indicava três nomes, os mais indicados fariam parte da direção, na época o atual presidente coordenador teve sete indicações

em sete comunidades, eu tive em quatro e como ele estava saindo eu acabei assumindo, não foi algo planejado por mim, não disputei pra estar nessa condição e até lá na reunião que fechou a chapa eu pedi uns dias pra pensar porque, de fato, não tinha pretensão de ser sindicalista. Mas aí pelo histórico e pela proximidade da discussão eu acabei topando e de lá para cá me envolvendo cada vez mais, então acho que todo cidadão, toda pessoa, tem um papel na sociedade e eu acho que tenho que tirar um tempo pra contribuir”. Ao aceitar o convite para compor a chapa que assumiria a direção do sindicato, dá-se início sua trajetória de militância e sindicalismo. Improvável, diria ele, se perguntado sobre essa possibilidade a dois ou três anos antes, pois nunca se imaginou atuando nessa área, apesar de ter a influência do pai que sempre procurou se envolver e participar dos movimentos e encontros que debatiam questões reais do cotidiano da comunidade e do trabalho no campo. Desta forma, de 2010 a 2014 sua atuação se deu de forma mais localizada, promovendo atividades junto à sede municipal da FETRAF. Nesse período, D. sente a necessidade de se qualificar ainda mais para agregar conhecimentos e melhorar sua atuação no sindicato. Passa a cursar uma pós-graduação em agricultura familiar e desenvolvimento sustentável, para lhe dar condições de assessorar as cooperativas e os próprios trabalhos desenvolvidos pela FETRAF.

Devido seu empenho e entusiasmo, em 2012, é indicado para assumir o cargo de Coordenador da Juventude da FETRAF no Rio Grande do Sul, passando a viajar pelo Estado e se envolver cada vez mais com o sindicalismo e com os projetos desenvolvidos pela juventude em parceria com o governo e outras instituições. No ano de 2015, transfere suas atividades para o município de Erechim/RS, pois, além da coordenação da juventude, passa a acumular mais um cargo de coordenador, dessa vez na coordenação regional norte da FETRAF, posição que ocupa até hoje.

Embora D. não tenha se envolvido com a Movimento Pró- Universidade Federal na época das mobilizações que levaram a conquista da UFFS, pois começou sua militância sindical em 2010 quando a universidade já havia sido criada. A partir do momento que começa a atuar no movimento sindical, enquanto liderança participa das discussões locais e passa a acompanhar mais de perto os debates internos da universidade. Como a FETRAF sempre ocupou cadeiras no

Conselho Estratégico Social, devido à importância de seu papel para a criação desta instituição, em 2012, D. foi convidado a assumir a cadeira de um companheiro que precisou deixar o conselho. Após sua passagem pelo CES, continuou participando das discussões que ocorriam no espaço acadêmico, se interessando pela permanência nesse ambiente. Atualmente, ocupa o cargo de Presidente do Conselho Comunitário do campus de Erechim/RS, indicado pelo FETRAF-SUL.

2.2.3. Da pequena propriedade à liderança sindical: identidade