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RECURSOS: SEDE PRÓPRIA PROFISSIONAI S

1.1. A construção social de um modelo regionalista: processos de politização de questões e políticas públicas.

1.1.1. Novas bandeiras de luta: a “educação superior” entra em pauta.

Como se pôde observar até aqui, as lutas em torno de questões que envolvem a terra e a produção agrícola – principalmente a agricultura familiar e de subsistência no caso das comunidades indígenas – têm-se demonstrado como núcleo central das principais demandas da grande maioria dos movimentos sociais que surgiram na Mesorregião nas últimas décadas. As lutas iniciais pela reforma agrária que datam do final da década de 1970, ainda no contexto da ditadura,

ensejaram novos movimentos na região que, progressivamente, tornaram-se representativos em âmbito nacional. A partir e em torno da ―luta pela terra‖, várias outras agendas e organizações foram emergindo e se conectando ao longo dos anos, algumas ligadas estritamente à demarcação e à posse, outras ligadas à produção de alimentos, à justiça social, à promoção de direitos de cidadania e à defesa/promoção das identidades.

Entre as agendas formuladas/incorporadas/assumidas pelos movimentos sociais do campo, uma delas é particularmente importante para os propósitos deste trabalho. Trata-se do direito à educação. Sobretudo a partir da década de 1990, quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e as organizações indígenas, de forma pioneira, passaram a priorizar as lutas pela construção de escolas nos assentamentos da reforma agrária e no interior das aldeias.

Ao defenderem as escolas do campo, os movimentos se posicionavam na contramão do processo de fechamento das escolas rurais, de nucleação das unidades escolares e da concentração das mesmas no espaço urbano, como vinha ocorrendo naquela época. Assim, os movimentos sociais insurgiram em defesa da educação do campo e da educação indígena. Formar os jovens e adultos no interior das aldeias e dos assentamentos passou a ser parte estratégica de fortalecimento dos movimentos e da defesa/promoção das identidades culturais e socioambientais. A educação, progressivamente, passou a ser um direito fundamental a ser conquistado.

As reivindicações pelo direito à educação pública e gratuita ganharam novos contornos e perspectivas na primeira década do século XXI. A incorporação da ―luta pela defesa da educação básica‖ em suas agendas proporcionou que, aos poucos, esse debate se expandisse para o ensino superior. A criação de uma universidade pública federal na Mesorregião passou a ser, sobretudo a partir de 2002 com a institucionalização do Fórum da Mesorregião, um projeto compartilhado pela maioria dos movimentos sociais/sindicais rurais e urbanos, associações de municípios, agências de desenvolvimento, partidos políticos, ONGs e outras associações da sociedade civil organizada. Para além das demandas dos movimentos sociais rurais, o ensino superior foi incorporado na agenda sob o argumento (entre outros) de que a apropriação do conhecimento pelos(as) filhos(as) dos(as) trabalhadores(as) do campo e da cidade é fundamental para o mundo do trabalho e para a inclusão das camadas ―populares‖ e dos grupos sociais historicamente excluídos. Desde então, a universidade federal passou a ser concebida como um dos caminhos para impulsionar o

desenvolvimento social e econômico da Mesorregião, já que, como dito no começo, a experiência da criação de Universidades Comunitárias não dava conta de suprir as demandas regionais, nem de incluir a camada menos favorecida economicamente da população no ensino superior.

Durante décadas, assim como todas as regiões do país que integram a ―faixa de fronteira‖, a Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul, ficou privada de investimento públicos voltados para o ensino superior. Milhares de jovens e adultos, especialmente aqueles que residiam em pequenos municípios, de economia agrícola e alicerçada na agricultura familiar, foram obrigados a buscar sua inserção no mercado de trabalho assalariado, evadindo-se do campo em direção às cidades de maior porte, muitas das quais situadas nas regiões litorâneas. O êxodo rural acentuou o processo de urbanização e, no interior dele, a tendência à ―litoralização‖. A crise da pequena propriedade agrícola de base familiar, acentuada a partir da década de 1980, reforçou sobremaneira este processo de emigração do campo para as cidades do litoral (TREVISOL, 2014).

Mesmo havendo certa pressão popular por demandas voltadas à educação superior pública, os governos da época, de modo geral, responderam com políticas voltadas ao apoio à criação e expansão de IES privadas – comunitárias e particulares. Principalmente nas décadas de 1980-90, a despeito das pressões, à criação de novas universidades públicas federais não se firmou como pauta na agenda nacional. Com isso, ao invés da expansão do sistema público federal, optou-se por intensificar o investimento nas instituições privadas, consolidando o elitismo que predominava nessas instituições existentes no interior dos Estados (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2001).

Num outro contexto de mudança nas estruturas de oportunidades políticas, impulsionadas pela ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder e, também, pela institucionalização do Fórum da Mesorregião, os movimentos sociais e as demais organizações civis que lutavam por ensino superior público na região, puderam vislumbrar no horizonte, incentivos governamentais. Isso fica expresso da fala de Z. quando o mesmo diz que,

“[...] com a eleição do presidente Lula, nos primeiros dois ou três anos do seu governo, abriu-se a oportunidade de expansão, que era uma luta histórica da classe trabalhadora brasileira, da juventude brasileira enfim, onde a maioria das pessoas com menos condições

financeiras quase não tinham acesso ao ensino superior, ou, quem fez um curso superior teve que optar, que nem eu, em fazer um curso que fosse o mais barato possível [...] Bom, então as lutas sociais indicavam esse diagnóstico da sociedade brasileira, do ensino superior, indicando que o país precisava avançar na criação de novos espaços, porque os espaços do ensino superior estavam todos centralizados geralmente nas capitais, e o interior dos estados, como aqui no Rio Grande do Sul, muito pouca coisa tinha, aqui nessa área da região norte nós não tínhamos ensino superior público...”

Com a publicação do Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, que instituiu o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, regulamentado pelo Decreto Federal n. 6.096, de 24 de abril de 2007, com objetivo de ―criar condições para a ampliação do acesso e permanência na Educação Superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais‖ (BRASIL, 2007, art. 1º), o governo federal respondeu as demandas latentes que vinham crescendo exponencialmente no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, Maria Célia Borges (2012, p. 132), afirma que, ―além do aumento de ofertas de vagas nos cursos de graduação, o programa busca o aumento de ofertas de cursos no noturno, as inovações pedagógicas e o combate à evasão, cuja meta é atenuar as desigualdades sociais no país‖.

É preciso destacar também que, esta política pública foi pensada em consonância com o seu momento histórico – início do século XXI –, no qual praticamente qualquer movimento de reforma universitária implantado no mundo inteiro teve, entre outras inspirações e referenciais, o Processo de Bolonha, que se constituiu como uma

[...] meta-política pública, de um meta-Estado, iniciada em 1999, de construção de um espaço de Educação Superior na Europa até o ano de 2010, cujo objetivo essencial é o ganho de competitividade do Sistema Europeu de Ensino Superior frente a países e blocos econômicos. Com tal finalidade, esse projeto pan-europeu objetiva harmonizar os sistemas universitários nacionais, de modo a equiparar graus, diplomas, títulos universitários, currículos acadêmicos e

adotar programas de formação contínua reconhecíveis por todos os Estados membros da União Europeia. (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008, p. 10).

Desta forma, pode-se dizer que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002, produziu mudanças importantes no campo das políticas públicas educacionais, sendo este fato decisivo para a retomada e o fortalecimento das mobilizações em prol de uma universidade federal na Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul. Aqueles movimentos que anteriormente reivindicavam educação superior pública, e se articulavam de forma isolada no interior de cada um dos três Estados, a partir deste momento adquirem condições objetivas de ganho em decorrência da a) institucionalização do Fórum da Mesorregião, que centralizou as demandas locais e somou força política para o projeto que, acabou coincidindo com a vitória de Lula nas eleições de 2002 e, b) pela contrapartida do governo federal com a implementação de políticas públicas – o REUNI – voltadas para a criação e a expansão das universidades federais, visando também suprir a carência do interior dos Estados. Todos estes fatores foram decisivos para que se constituísse na Mesorregião um grande movimento que abarcou amplos setores da sociedade civil organizada na ―luta pela universidade pública‖.

1.2. O Movimento Pró-Universidade Federal: processos de