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3.1 DA REALIDADE LINGÜÍSTICA BRASILEIRA COMO FOCO DE OBSERVAÇÃO

3.1.2 Do estudo sobre o verbo e a concordância verbal: visões descritivas

Inúmeras possibilidades comunicativas pressupõem diversidade. Não pode ser ignorado que há comunicação dentro da diversidade, pois não há deficiência na estrutura gramatical da linguagem apenas porque uma frase pode ser enunciada de várias maneiras. Isso se partir de uma maneira diferenciada de ver e descrever a língua, e não ditar como ela deve ou deveria ser.

Partindo disso, podemos citar alguns trabalhos que descrevem o sistema verbal português. Em 1970, Mattoso Câmara faz uma descrição da “estrutura da língua portuguesa” e, nela, uma descrição do verbo. Sua descrição é feita a partir de duas perspectivas, uma em que ele parte dos verbos regulares, chamados por ele de “padrão geral”; e outra em que ele descreve os irregulares, ou “padrão especial”.

Embora diga que o verbo é um vocábulo flexional por excelência e que há seis sufixos número-pessoais nos verbos do português, não há por parte do autor o objetivo de ditar regras, e suas conclusões partem tão somente da constatação de como a língua estava funcionando naquele momento. O fato é que a sua descrição é resultado da análise que ele faz de um dado momento do português culto dos falantes do Rio de Janeiro.

No quadro flexional dos verbos, descrito por Câmara Jr. (1992), existem, portanto, treze sufixos modo-temporais e seis número-pessoais. Estes últimos indicam, conforme o autor, a pessoa do falante ou P1, o falante e mais alguém ou P4, um ouvinte ou P2 e mais de um ou Segunda Pessoa do Plural (P5), um outro ser ou Terceira Pessoa do Singular (P3); ou mais seres distintos do falante ou P6. Essa flexão se distribui nos vários tempos em que os verbos podem ser flexionados. O quadro a seguir resume um pouco da proposta do autor para o padrão geral dos verbos:

PESSOAS SNP GERAL SNP ALOMÓRFICO -o IdPr -i IdPt2 P1 Ø -i IdFt1 -ste IdPt2 P2 -s Ø Sb1 P3 Ø -u IdPt2 P4 -mos - - -stes IdPt2 -des Sb2Ft P5 -is -i Sb1 P6 -m /uN/

Sempre que estiver diante de /a /

Quadro 5: resumo dos Sufixos Número Pessoal (SNP) gerais e alomórficos

Devemos salientar que a pretensão de Mattoso não abarca a relação morfossintática. Como bom estruturalista que foi, o seu interesse, aqui, incide no verbo enquanto vocábulo mórfico, que pode ser subdividido em suas unidades menores, os morfemas. Tarefa semelhante se propõe Zanotto (1996), que tenta fazer uma descrição da “estrutura mórfica da língua portuguesa”.

Também Pontes, em 1972, faz uma análise da estrutura do verbo; a autora propõe-se a analisar o português coloquial, partindo da fala espontânea de falantes cultos cariocas. Para ela, no sistema verbal, a flexão começa na Vogal Temática (VT). A partir da consideração dos tempos verbais, ela estabelece três paradigmas para o sistema flexional de número e pessoa:

a) paradigma com distinção de três pessoas flexionadas, que inclui as formas empregadas no imperfeito do indicativo, presente, pretérito e futuro do subjuntivo e infinitivo. Ela exclui o tu e o vós e nota que há uma neutralização entre P1 e P2 nestes tempos. Segundo ela, essa neutralização só ocorre nos verbos regulares, uma vez que nos irregulares a distinção é feita pela VT;

b) paradigma com distinção de quatro formas flexionadas, que tem o presente e o pretérito perfeito do indicativo inclusos. Esse se distingue daqueles, porque não apresenta neutralização entre P1 e P2 que se realizam normalmente;

c) paradigma sem distinção de pessoa, composto pelas formas nominais gerúndio e particípio.

Esse estudo, talvez pelos propósitos, não evidencia nenhuma redução do morfema de terceira pessoa do plural.

Em sua Gramática Descritiva do Português, Perini (2000) observa que os verbos têm comportamento homogêneo, morfossintaticamente falando. Justifica tal afirmativa, dizendo que eles se flexionam do mesmo modo, exercem a mesma função sintática. Entretanto, no seu ponto de vista, a definição tradicional para verbo é equivocada. Para ele, seria muito difícil aplicar a casos concretos esse tipo de conceito: “verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento no tempo” (CUNHA e CINTRA, 1985, p. 367).

Admite que, levando em consideração os traços morfossintáticos, é fácil estabelecer um conceito para esse lexema: “verbo é a palavra que pertence a um lexema cujos membros

se opõem quanto ao número/pessoa” (p. 320), sendo a única palavra que pode se constituir em predicado de uma oração. Por fim, adota a seguinte definição, considerando o radical do verbo: “verbo é toda palavra cujo radical pode coocorrer com os sufixos de modo-tempo e pessoa-número”. (p. 321)

Quando trata da concordância, ele o faz rotulando-a como um tipo de regência, sendo um dos tipos de concordância aquele em que um sujeito apresenta traços comuns com o seu predicado através da CV. As pessoas são os itens em que se manifesta melhor a concordância. Aponta as formas de primeira pessoa (EU e NÓS), as de segunda (TU e VÓS, raramente usados no Português Popular Brasileiro (PPB)), e as de terceira (ELE e ELES). Mas ele observa que isso nem sempre funciona com clareza, pois avalia que os casos de CV, denominados de gerais pela Gramática Tradicional (GT) refletem “usos” pouco freqüentes, refletindo construções arcaicas e raras.

Ele revê os casos particulares de violação da regra de concordância e, como não poderia deixar de ser, dada a orientação gerativista dessa sua gramática, ele explica os “erros” de concordância, a partir das propostas de “restrições” que tal teoria postula.

De todo o exposto sobre o verbo e / ou concordância verbal, percebe-se que esse é um tema que tem suscitado reflexões e discussões por parte, principalmente, dos lingüistas. Note- se que, nesta seção, há posicionamentos que transitam do estruturalismo mais ortodoxo, por exemplo em Mattoso Câmara, a elaborações cuja orientação tem base gerativista, como em Perini (2000).

Todos esses posicionamentos são válidos na medida que podem contribuir para a explicação do fenômeno que será analisado no penúltimo capítulo deste trabalho. Contudo, o PB tem sido objeto de investigação de vários estudiosos, com outras orientações teóricas, e muitos deles têm focalizado a CV.

A começar pelos estudos dialetológicos, faremos, na próxima parte desse capítulo, uma breve apresentação dos estudos sociolingüísticos, ou não, que investigam a gramática ou gramáticas do PB falado, padrão ou não-padrão, principalmente aqueles que tratam da regra de concordância verbal.