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INSTITUTO NOS CASOS DE ABUSO DO DIREITO PELO ADERENTE

6.1. Do exercício inadmissível de posições jurídicas

O Abuso do direito, hoje entendido como o exercício inadmissível de posições jurídicas, vincula o titular a exercer sua posição jurídica arraigado e dentro dos ditames do sistema jurídico como um todo. Nomeadamente, não poderá este titular agir contra expectativas que tenha gerado – e aqui tutelamos a confiança da contraparte através do venire contra factum proprium – ou, este titular também não poderá prevalecer-se de violações que ele próprio tenha perpetrado – e aqui tutelamos a materialidade subjacente através, p ex. do tu quoque; exige-se uma conformidade material das condutas, uma idoneidade valorativa e equilíbrio no exercício de posições jurídicas. Estando assim consagrado o instituto do abuso de direito no direito português, os tribunais tem sido inexcedíveis na concretização do abuso do direito, nomeadamente, do abuso do direito do aderente que invoca desconhecimento de cláusulas contratuais gerais.

Na tese de doutoramento da Doutora Maria Raquel Rei intitulada “Da interpretação da declaração negocial do direito civil português” quando discorrendo sobre declaratário normal colocado na posição de declaratário real sem entender determinado comportamento negocial, afirma que estes negócios estão condenados à nulidade, por indeterminação do respectivo conteúdo. Linhas à frente a professora afirma “a circunstância de os exemplos apresentados se situarem em áreas em que a generalidade dos negócios são celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais, não põe em causa o que se disse. Com efeito, o regime especial da LCCG não apresenta solução específica para os casos em que o aderente não pretende ser informado ou finge que compreendeu e nada compreendeu…”111

. Assim, uma vez que a LCCG não apresenta solução para o caso, entendemos ser o artigo 334º solução suficiente e eficaz para remediar o exercício inadmissível da posição jurídica do

111Da interpretação da declaração negocial no direito civil português, p. 107/109, disponível em

Repositório da Universidade de Lisboa/Faculdade de Direito: http://hdl.handle.net/10451/4424, acesso em 21 de setembro de 2015.

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aderente – toda vez que ocorra uma ultrapassagem excessiva dos limites internos do seu direito remetendo para a insolvabilidade da pretensão - com alusão ao princípio do maior aproveitamento possível dos contratos singulares, princípio da conservação dos negócios jurídicos ou princípio da proporcionalidade entre causa e efeito.

A execução dos contratos duradouros – no cumprimento da obrigação ou no exercício do direito correspondente - demanda uma especial intervenção da boa-fé tal como definida no artigo 762.º, n.º 2 do CC. Pires de Lima e Antunes Varela112 ensinam que relativamente ao cumprimento da obrigação, a atuação da boa-fé envolve liminarmente dois corolários: 1- o cumprimento deve ser realizado de modo e tempo adequado para salvaguardar os interesses do credor; 2- o dever de boa-fé engloba o ato da prestação em si como todos os atos envolvidos na preparação e execução, devendo ser dirigidos de forma a salvaguardar o interesse do credor na prestação e evitar prejuízos deste através de uma normal diligência do devedor. Não pode o aderente descumprir, por exemplo, o pagamento de um valor acordado “alegando ilegitimamente”113 que determinada cláusula de correção com base na inflação não lhe foi comunicada. Os deveres acessórios de conduta presentes na relação obrigacional saltam-nos aos olhos: proteção, esclarecimento e lealdade.

O ponto crucial da execução continuada prende-se com o exercício do direito correspondente de acordo com a referencia legal de boa-fé. Este exercício juridicamente reconhecido e protegido traduz-se num dever de agir com correção e lisura, para ambas as partes da relação contratual.

Tomemos por base um Ac. do STJ, processo 233/11.4TCGMR.P1.S1, de 10/09/2015. Um aderente de serviço de telecomunicações contratou um serviço de chamadas e sms “sem limites” mas num único mês enviou 6.000 sms. Entendeu o Supremo, de modo ímpar, que o autor não incorreu num grave abuso do direito mas excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé no exercício do direito, incorrendo em abuso do direito o fato de enviar 2000 sms/semana… “a boa-fé significa

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Código Civil Anotado, II, 4. Ed., Coimbra, 1997, p. 3

113Queremos aqui esclarecer que usamos a expressão “alegando ilegitimamente” querendo contudo

significar que a alegação é dada como provada numa falsa alegação. Não queremos dar a entender que o aderente não possa alegar não comunicação de cláusulas, mas já estamos nos referindo aos casos em que esta alegação é provada (pelo predisponente) como inverídica.

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aqui uma utilização do serviço gratuito e ilimitado em termos amplos mas razoáveis”. O que nos chamou atenção nesta decisão foi a majoração (para “grave”) do instituto do abuso do direito. Podemos ler no acórdão “IV- Não estando o autor vinculado por cláusulas contratuais gerais que não constavam do contrato celebrado quando adquiriu a embalagem com o material que lhe dava acesso ao aludido serviço e que nem constavam ao tempo do site da ré, o autor, ainda que haja enviado mensagens em número muito superior ao que é normalmente enviado pelos utilizadores do serviço, não incorre em grave abuso do direito, designadamente quando se reconhece que fez essa utilização tendo em vista a divulgação de serviços de informática que tinha em mente realizar”. A jurisprudência evoluiu tanto assim? Encontraremos, num futuro próximo, atuação gravíssima ou leve do abuso do direito? A ver, vamos! Por hora, pensamos que o Supremo quis invocar juízos de razoabilidade e proporcionalidade para aplicar o instituto do abuso do direito. Apesar de o acórdão não mencionar, há um desequilíbrio no exercício do aderente, que o Tribunal mitigou determinando ele próprio o número razoável de sms que poderiam ser enviados, uma vez que não houve acordo entre predisponente e aderente. Relativamente ao predisponente que alterou unilateralmente o tarifário do aderente quando este ultrapassou a medida do razoável no envio dos sms, apesar de se pretender considerar que era “limitado” aquilo que se oferecia como “ilimitado” configurando-se um venire contra factum proprium, o Tribunal entendeu que não houve abuso do direito, mas puramente um incumprimento contratual, mitigado com a decisão de reestabelecer o acesso gratuito e ilimitado ao aderente.