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2. COMO RECONSTRUÍMOS O PASSADO: INDÍCIO, EVIDÊNCIA E PROVA 54

2.1 Do indício 55 

Por indício entendemos a reconstrução da memória a partir de sinais, pistas e vestígios. É algo provável, não no sentido de prova (a que vamos nos referir adiante, no item 2.3), mas no sentido de probabilidade, uma informação sobre algo ou alguém que estatisticamente é provável de ser/ter sido real a partir da análise de seus indícios.

Portanto, consideramos o indício como sendo um elemento participante da reconstituição de determinado evento. Este elemento é presente, e não passado, quando enfocamos a informação como memória de acontecimentos. Configura-se em um rastro de informação, que persiste do momento em que ocorre o evento e segue até o momento de sua análise.

Quando nos referirmos à informação como indício de fatos e de acontecimentos, remetemos ao Método Morelli ou Indiciário, descrito por Carlo Ginzburg (1989, 1991), ou, ainda, como Paradigma Indicial, uma epistemologia aplicada neste caso às Ciências Humanas, onde a reconstrução de acontecimentos é feita a partir de sinais e indícios, ressaltando a máxima de que “Deus está nos detalhes”.

Através deste método, são apreciados detalhes por vezes ignorados da informação produzida. Ginzburg (1989) o exemplifica muito bem em suas obras, pois, de uma forma análoga, assim como um médico faz diagnósticos observando sintomas, através da "[…] semiótica medica, ou sintomatologia – a disciplina que permite o diagnóstico, mesmo quando a doença não pode ser diretamente observada, a partir de sintomas ou signos superficiais, quase sempre irrelevantes

aos olhos do leigo." (GINZBURG, 1989, p.98), muitos outros saberes podem ser produzidos, lendo os sinais, indícios e pistas.

Os próprios aspetos psicológicos de uma pessoa acabam deixando sinais nos artefactos13 que ela produz. Neste sentido, há uma aproximação do paradigma indicial à psicologia, referindo-se, neste caso, ao Método Morelli aplicado pelos arte- historiadores para distinguir as pinturas originais das cópias:

A alguns dos críticos de Morelli parecia estranho o ditame de que a ‘personalidade deve ser procurada onde o esforço pessoal é menos intenso’. Mas sobre este ponto a psicologia moderna estaria certamente do lado de Morelli: os nossos pequenos gestos inconscientes revelam o nosso caráter mais do que qualquer atitude formal, cuidadosamente preparada por nós. (Wind apud Ginzburg, 1989, p.146)

Portanto, o indício não é a informação explícita em si de um fato, mas somente sinais que remetem à construção de um “quebra-cabeças”, que vão remeter a determinadas conclusões por meio de inferências sobre estes sinais. E uma inferência feita a partir de indícios, que possua alguma falha lógica é o que chamamos de falácia, uma conclusão equivocada a partir das premissas de uma argumentação.

Também considerado como prova circunstancial, prova indireta ou prova indiciária no Direito, o indício fornece bases para análises e inferências sobre determinada reconstrução informacional. Aqui é ponderada a suficiência dos indícios como fator de prova.

No âmbito do Direito Penal Português, por exemplo (SILVEIRA, 2003), estes tipos de indícios devem ser avaliados e considerados suficientes ou como fortes indícios para que sejam levados em consideração, garantindo ainda a presunção de inocência ao réu. Esta avaliação é feita baseada na razoabilidade e no julgamento, distinguidos entre o juízo de certeza e o juízo de probabilidade14.

13

Dicionarizado como produto da indústria, pode significar, por extensão, todo o produto tridimensional concebido e manufacturado pelo ser humano antes e depois da revolução industrial. Usa-se em Ciência da Informação como sinônimo de documento ou livro e contraponto a mentefacto (SILVA, 2006, p.138)

14SILVEIRA, Jorge. (2003) O conceito de indícios suficientes no processo penal português. http://www.odireito.com.mo/doutrina/9-doutrina/2-o-conceito-de-indicios-suficientes-no-processo- penal-portugues.html.(Acessado em março 15, 2012).

Aqui identificamos uma distinção, de que o indício não é prova, mas pode constituir-se em prova. Assim como no caso do Direito Português, o Direito Brasileiro, através do Código Penal15, não especifica o força dos indícios sobre os casos processuais.

Muitas vezes a palavra “indício” é utilizada para enfraquecer uma argumentação, em contraponto com a legitimação da prova. (LENART, 2008). O agrupamento de indícios, no intento de formar uma evidência ou prova, pode ser feito através de uma série de indícios (elementos dependentes entre si) ou uma cadeia de indícios (elementos independentes entre si):

KINDHÄUSER afirma que “fatos indiciários” ou “indícios” “são fatos que

permitem uma conclusão sobre um fato principal por meio de uma regra de experiência”. E cuida de distinguir a “série de indícios” (Indizienreihe) da “cadeia de indícios” (Indizienkette), duas formas empíricas de seu

aparecimento para efeitos probatórios. Na primeira, há vários indícios dependentes uns dos outros; na segunda, os indícios são independentes entre si. Em ambos as hipóteses, a prova indiciária é hábil à inferência (KINDHÄUSER apud LENART, 2008).

Dificilmente um evento ou objeto desaparece sem deixar rastros. Quando eles deixam de ser evidentes ou probatórios é que surgem os indícios, informações derivadas destes eventos e objetos. Gil (1996) acentua que “o indício – um acto, um vestígio material, o resultado de uma experiência, etc. – reconduz ao autor do acto ou a uma teoria, na sequência de um inquérito regular (a ‘instrução’) ou de um aparelho experimental que servem de prova” (GIL, 1996, p.43). É aqui que se situa o elo existente entre indício e prova, onde o primeiro serve de base para o segundo (não sem antes passar pela evidência).

Por fim, a serendipidade, um neologismo advindo de um antigo conto infantil, “Os três príncipes de Serendip”, define as descobertas feitas ao acaso, sem que para isto tivéssemos a intencionalidade antes da descoberta ou consciência antes de constatar uma nova realidade (SHAFAN, 2010).

O sistema de hiperlinks da web e sua navegação, o que torna possível novos achados, foi um dos motivos para o resgate deste conceito. Isto possibilita a

15 LENART, André. (2008) Indícios e sua suficiência para a condenação.

http://reservadejustica.wordpress.com/2008/09/02/indicios-e-sua-suficiencia-para-a-condenacao/. (Acessado em março 16, 2012).

descoberta de nova informação, mediante a observação dos indícios e transformação em evidência. Esta serendipidade não é em si indício, mas tem implícito um processo de análise sobre os indícios que aparecem sem a intencionalidade vinda da necessidade informacional primária.

Estes indícios, como indicadores de uma realidade que não se faz presente, podem ser mais ou menos confiáveis. Quando a confiança nestes indicadores são suficientemente fortes, elevamos a informação ao nível de evidência ou de prova.