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Je i ai un oncle rendu que jadis fu

1- Do Lancelot ao “Lancelot-Graal”: estado da questão.

O extenso romance sobre os feitos e aventuras do jovem cavaleiro que devota o seu amor à rainha é entendido de formas distintas pelos medievalistas que a ele têm dedicado a sua investigação. Assim, numa dissertação em que se pretende compreender a versão castelhana de tão complexa narrativa, é fundamental começar por esclarecer algumas questões de ordem teórica e metodológica. Para isso, vamos expor as três teses principais sobre a configuração do Lancelot, defendidas primeiramente no pioneiro trabalho de Ferdinand Lot (1954); em seguida no pormenorizado ensaio de Elspeth Kennedy (1986) sobre a génese do romance; e finalmente no exaustivo estudo de Alexandre Micha em torno das várias versões que representam o Lancelot.

1.1– O “Lancelot-Graal” de Ferdinand Lot.

O primeiro estudo de fôlego sobre a constitução do Lancelot deve-se a Ferdinand Lot que, através de uma análise minuciosa do conteúdo e estratégias narrativas e discursivas da obra, fornece uma visão da construção do primitivo ciclo em prosa. Na realidade, para Lot (1954, pp. 9-16), o “Lancelot propre”, ou seja, o romance que narrava a biografia do herói, não se compreendia desligado de outros textos que não apenas o completavam, mas constituíam, com ele, uma unidade orgânica:

Ainsi le Lancelot, dont la Quête ne saurait se détacher, suivi de l’épilogue tragique de la Mort d’Arthur, précédé, comme d’un portique, de l’Estoire du Graal où les destinées antiques du vase sacré sont retracées, se dresse comme un édifice à la fois grandiose, simple et harmonieux(LOT, 1954, p. 10).

A ideia de que estes textos formavam uma obra unitária é igualmente visível nas críticas que dirige a Paulin Paris, medievalista que também se dedicara ao estudo do Lancelot, considerando que o principal demérito do seu trabalho é o facto de não ter reflectido em pormenor sobre a Queste del Graal e a Mort Artur (Lot, 1954, pp.2-3), essenciais para uma profunda compreensão do romance:

Le tronc c’est le conte du Graal, auquel se rattache le Lancelot qui donne naissance à une végétation secondaire. Le terme branche convient à merveille à ce système. Seulement, on le voit, la branche est un arbre généalogique de romans réels ou fictifs ; ce n’est pas une subdivision de chacun d’eux (LOT, 1954, p. 13).

A ideia de que um conjunto de livros que constituíam a matéria do Lancelot, narrativa que tinha como eixo central a biografia do herói e a busca do Graal, consolida-se na designação empregue por Lot para identificar esta portentosa obra, o “Lancelot-Graal” (Lot, 1954, p. 4, nota 3).

Para compreender a organização de tão extenso romance, Lot analisou pomenorizadamente as técnicas discursivas mais recorrentes, concluindo que o “entrelaçamento” era decisivo para a coerência interna da obra, sobretudo da parte consignada ao “Lancelot-propre”:

Aucune aventure ne forme un tout suffisant àlui-même. D’une part des épisodes antérieurs, laissés provisoirement de côté, y prolongent des ramifications, d’autre part, des épisodes subséquents, proches ou lointains, y sont amorcés. C’est un enchevêtrement systématique(LOT, 1954, p. 17).

As relações entre o Lancelot, a Estoire, a Queste e a Mort Artu foram perspectivadas de acordo com a cronologia interna da obra, mas também neste ponto o autor priviligiou a estrutura do “Lancelot propre”, concluindo que a ligação temporal entre os eventos era nos outros romances menos precisa:

La chronologie de la Quête et celle de la Mort d’Arthur sont beacoup plus lâches (...) Quant à la chronologie de l ‘Estoire, il n’y a pas lieu de s’y arrêter. La plus simple prudence commandait à son auteur de rester dans le vague (LOT, 1954, pp. 63-64).

O que Lot pretende comprovar através da análise detalhada de diversos episódios, dando especial atenção às várias referências temporais, é que este romance devia ser atribuído a um só autor que de forma engenhosa tinha conseguido elaborar uma obra de dimensão considerável, preservando a coerência entre os diversos ramos que a compunham: “L’unité d’auteur est infinitement plus vraisemblable que la multiplicité d’auteurs et de remanieurs”134 (LOT, 1954, p. 65).

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Quando analisa o entrelaçamento das diversas aventuras dos cavaleiros, Ferdinand Lot afirma que dificilmente o Lancelot admitiria a inclusão de novos episódios, recusando a possibilidade de o romance conter, ou sequer admitir, interpolações: “on ne peut découper dans le Lancelot de vraies tranches d’histoire, on ne peut suprimer une aventure” (LOT, 1954, p. 27). A nosso ver, este investigador tinha uma concepção bastante rígida do processo de escrita do romance arturiano, desconhecendo, possivelmente, alguns manuscritos do Lancelot que contrariam a sua convicção. De facto, como mais adiante se verá, subsistem versões deste romance onde se elidem aventuras, nomeadamente o romance hispânico, onde não apenas se suprimem troços da narrativa, como se acrescentam outros. Este assunto será retomado mais adiante nesta parte da dissertação e também na Parte III.

Esta hipótese é a que tem merecido mais reserva por parte da crítica135. Como reconhece Miranda (1998, p. 63) a pluralidade de redactores permite entender certas contradições de escrita e a existência de estratégias narrativas diferentes e “até mesmo a não total compatibilização dos dados objectivos sobre personagens e episódios que são perceptíveis em alguns pontos do ciclo” (MIRANDA, 1998, p. 63).

A questão da autoria do Lancelot, ou de outra obra do universo arturiano, é complexa e necessita de um atento e apurado estudo da tradição manuscrita deste romance. Esta é uma tarefa que não pode ser encetada no âmbito da presente dissertação, não apenas pelos meios e tempo que exigiria, como, também, porque nos estaríamos a desviar do tema central do nosso trabalho, a versão castelhana do Lancelot. Assim, o que importa reter do inovador estudo de Lot é a concepção do “Lancelot- Graal”, isto é, a ideia de que o Lancelot não é um romance autónomo na medida em que a estrutura e o conteúdo da obra só se concretizam com a busca do graal. Essa aventura, anunciada na Estoire, vai-se desenvolvendo ao longo do “Lancelot propre”, encontra o seu apogeu na Queste del Saint Graal, terminando com a queda do reino, narrada na Mort Artu. Todavia, pese embora a forte coesão que Lot reconhecia a este conjunto de textos, o investigador chega a postular a hipótese de uma versão primitiva do romance, que defende como explicação para as parcas referências ao Graal no Lancelot antes do episódio da Falsa Genevra:

Si l’on admet l’hypothèse (…) que la version courte de l’épisode de « La Fausse Guenièvre » est une version primitive, une pause se place après l’achèvement de cet épisode, au moment où il va être refait de fond en comble. Ce temps d’arrêt aura été employé à composer l’Estoire et c’est seulement aprés l’achèvement de cette introduction que l’auteur aura refait le commencement de son tome II (IV) [tomo IV da edição Sommer] (...) Si l’on estime que la version courte est un remaniement de scribe, la pause doit être placée un peu plus loin, mais,, au plus tard, immédiatement avant la composition de la Charrette en prose (LOT, 1954, p. 115).

Como se verifica, Lot apresenta duas hipóteses distintas, a primeira, assenta na ideia de uma versão curta do Lancelot anterior à sua adaptação à temática do Graal; a segunda vai em sentido contrário, considerando a redacção mais breve do episódio da “Falsa Genevra” como posterior à construção do “Lancelot-Graal”. Estas duas ideias foram

135 A unicidade de autor foi contestada por Frappier (1936) numa publicação sobre a Mort Artu, mas Lot

parece reafirmá-la na recensão que faz dessa obra: “mon systéme d’unicité d’auteur peut soulever des difficultés. Celui de la pluralité d’auteurs s’assujettisant à un même plan (...) exige le miracle » (LOT, 1954, p. 464).

posteriormente desenvolvidas por dois investigadores, respectivamente, Elspeth Kennedy e Alexandre Micha.

1.2– Elspeth Kennedy e o “Lancelot não-cíclico”.

Quando lemos o Lancelot, é impossível não nos questionarmos sobre a conjunção de dois temas de natureza, não apenas diferente, mas, em certa medida oposta, os amores do cavaleiro e da rainha, por um lado, e a busca do Graal, que exigiria abnegação e castidade, como o mesmo romance declara, por outro. São estas duas ideias aparentemente inconciliáveis que motivam a ponderada reflexão de Elspeth Kennedy sobre a composição do Lancelot en Prose:

Lancelot and the Grail would seem to represent opposite poles ─ the hero whose love for Arthur’s Queen inspires him to become the greatest of all knights, and the holy vessel ─ (…) yet these themes and that of the Death of Arthur are combined in the Lancelot- Grail cycle (KENNEDY, 1986, p. 1).

A investigadora considera determinante a existência de duas versões dos episódios da “Segunda Viagem para Sorelois” e da “Falsa Genevra” para compreender a configuração do Lancelot. Assim, contrariamente a outros estudiosos, nomeadamente Alexandre Micha, Kennedy defende que essas duas narrativas não devem ser entendidas como reescritas diferentes das mesmas aventura, mas que a mais breve representa “the conclusion of the non-cyclic Prose Lancelot” (KENNEDY, 1986, p. 2)

Ao longo da obra Lancelot and the Grail, a medievalista analisa exaustivamente o “Lancelot não-cíclico”, isto é, o Lancelot antes da adaptação ao Graal que se preserva na íntegra em dois manuscritos, o Laurenziana 89 inf. 61 e o Rouen 1055, e parcialmente no ms. 768BNF. Para além disso, refere ainda que alguns testemunhos oscilam entre a versão não-cíclica e a versão cíclica (Kennedy, 1986, p. 5). Segundo a editora do Lancelot du Lac, o “Lancelot não-cíclico” compreende o início do romance, a infância de Lancelot, a sua chegada à corte arturiana onde se apaixona pela rainha, a batalha da “Roches aux Saisnes” e o episódio da Falsa Genevra. Depois das aventuras em torno da Vale sem Retorno e da “Charrette”, o romance termina com a morte de Galehot. Entende-se, assim, por que é determinante a existência de duas versões dos episódios da Segunda Viagem para Sorelois e da Falsa Genevra. Como é sabido, é nesse momento do romance que as referências ao Graal e à vinda do Bom Cavaleiro Galaaz são explícitas, nomeadamente na cena da descodificação dos sonhos de Galehot onde é

referido que Lancelot não acederá ao Graal devido à relação que mantém com Genevra e que um cavaleiro virgem que há-de vir para cumprir todos esses desígnios. Ora, o texto compreendido nos manuscritos que Kennedy estuda, e no ms 768BNF que edita, a redacção dos episódios é diferente, estando ausentes as alusões a Galaaz. Além disso, como a estudiosa aponta, as menções ao Graal que se encontram ao longo do romance não-cíclico têm como protagonista Perceval. Ao invés de interpretar essa referência como lapso do redactor, a medievalista considera que tais indicações se reportam às obras de Chrétien, Perceval ou Li Contes del Graal, dos seus continuadores e de Robert de Boron, livros que seriam já sobejamente conhecidos. Desta forma, essa indicação seria retrospectiva e não prospectiva:

There are indeed references to events which lie outside le conte Lancelot as told in this version of his story. For instance, there are a number of references to Joseph of Arimathea and to the Grail, but these allude to a Grail quest which has already taken place, with Perceval as Grailwinner and achiever of the adventure of the Perilous Seat. These form a whole series of allusions outwards some of which seem to link up with extant works, Chrétien’s Conte del Graal, the First and Second Perceval Continuations, Robert de Boron, and the chronicle tradition; others do not necessarily allude to any particular text but are there to provide a character with a past outside this romance (KENNEDY, 1986, p. 249).

O Lancelot não-cíclico constitui-se, pois, como uma obra coerente cujos principais temas são o amor de Lancelot e da rainha e a construção da identidade do protagonista. Esta estrutura é reforçada não só pela técnica do entrelaçamento, mas também pelo uso de repetições e episódios interligados, como o anúncio de aventuras que mais adiante se cumprem ou premonições que se efectivam no destino das várias personagens (Kennedy, 1986, p. 247).

Para Kennedy este texto é anterior à versão cíclica sendo que esta retoma temas e motivos do “Lancelot não cíclico” dando-lhes uma nova configuração e significado de acordo com a temática do Graal:

This [a acomodação ao graal] is done not by rewriting the earlier story but by placing events in a new context, by retelling them in a way which gives them a different emphasis or function within the whole136 (KENNEDY, 1986, p. 312).

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Alguns exemplos do tratamento distinto de temáticas comuns são, de acordo com Kennedy, a forma como se encara o amor do cavaleiro e da rainha, no “Lancelot não-cíclico” que é aí prova de valor cavaleiresco enquanto na versão cíclica é motivo da destruição de um reino. A medievalista também nota uma maior instência nos pecados de Artur no “Lancelot Graal”. Veja-se Kennedy (1986, pp. 258-260; pp. 312-313).

Kennedy não nega a coerência da versão cíclica, mas defende a existência de diferentes formas de organização narrativa, cada uma com os seus propósitos: “we have an independet Prose Lancelot which does not include the Grail (…) and a Lancelot- Grail cycle” (KENNEDY, 1986, p. 313). O que a medievalista descarta é a hipótese de aquilo que designa “Lancelot não-cíclico” ser apenas parte do “Lancelot-Graal”, ideia que alguns críticos sustentam como válida.

1.3- Alexandre Micha e as duas versões do Lancelot en Prose.

Para além de ter editado o Lancelot en Prose, Alexandre Micha dedicou vários artigos e ensaios ao estudo deste romance. Num desses estudos, publicado em livro, Micha reflecte sobre a unidade do Lancelot e apresenta algumas objecções quanto à existência de um Lancelot não-cíclico. Para isso, lista alguns dos argumentos apresentados por Kennedy (1986), que contesta. O primeiro deles diz respeito ao entendimento da busca do Graal como um evento do passado, já concluído por Perceval, que o investigador desmonta pela interpretação de formas lexicais como “vit” na frase “celui qui vit les merveilles” ou “apela”, “li apela un fois cuers sans fraim” não como formas do passado, mas como intervenções do narrador que exprimem a noção de passado intemporal (Micha, 1987, p. 27):

vit est à considérer comme un passé intemporel: « celui qui vit un jour, aussi bien dans l’avenir que jadis » C’est l’auteur qui s’exprime ici, omniscient, et qui par anticipation dispose de ses personnages (...) apela (...) avec un passé tourné vers l’avenir (MICHA, 1987, p. 27).

Além disso, menciona ainda uma indicação redaccional relativa ao facto de as vinhas estarem secas na Grã-Bretanha como consequência de as maravilhas do Graal terem já começado, ainda que fossem contadas mais adiante137:

Aillleurs le conteur affirme que la Grande-Bretagne était riche en vignes”qui totes faillirent, quant les merveilles del Graal furent descovertes (L, 30) ce qui semble un retour à autrefois ; mais il ajoute « si com sist livres vos contera ça avant », formule qui annonce toujours un fait futur. (MICHA, 1987, p. 27).

O segundo argumento para recusar a existência de um Lancelot autónomo, prende-se com o antropónimo “Pelles de Listenois” empregue em alguns textos para designar o avô de Galaad e não o pai de Perceval. Para Kennedy (1986) a referência a

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Pelles não se prende com eventos futuros, mas sim com acontecimentos do passado, argumentando que ele é referido pela Dama do Lago como um dos grandes cavaleiros de antanho: “ the phrase ‘qui encor estoit… qant il voi’t indicates that he was already dead when the Lady of the Lake was talking” (KENNEDY, 1986, p. 149). Ainda segundo esta medievalista, alguns manuscritos referem Pelles como “peres Perlevax” nunca aludindo às futuras aventuras do Graal. De facto, Perceval não é filho de Peles nem do Roi Mehagniè tendo sido esta inconsistência corrigida em diversos testemunhos de formas diferentes, nomeadamente considernado Peles avô de Galaaz. De acordo com Micha, a estrutura de parentesco é um tema delicado no Lancelot en Prose e a profusão de nomes muito parecidos, bem como a existência de diferentes filiações das mesmas personagens, poderão ter motivado a confusão dos redactores de algumas versões que escreveram erradamente Pelles de Listenois e não simplesmente Peles (Micha, 1987, p. 29).

Por último, Micha refere que Lancelot, em todos os manuscritos, tem como nome de baptismo Galaaz, sublinhando a recorrência genealógica visível na atribuição do nome das personagens que se quer, conscientemente ligar138. Por tudo isto, conclui:

Il nous faut, je crois, abandonner l’hypothèse d’un Lancelot autonome, ne mentionnant la quête du Graal que pour mémoire, comme une aventure appartenant au passé et où Galaad n’avait aucune place. Les deux derniers épisodes de ce Lancelot primitif, le deuxième voyage en Sorelois et la Fausse Guenièvre posent à présent le probléme des versions (MICHA, 1987, p. 29).

Descartando a ideia de um “Lancelot não-cíclico”, Micha defende, pelo menos no que diz respeito à matéria narrada a partir do episódio da Falsa Genevra, a existência de duas versões do Lancelot, uma longa e uma curta, que se documentam em diversos manuscritos (Micha, 1987, p. 31). O problema que o medievalista analisa ao longo de um segundo e também extenso capítulo, bem como em outros artigos, é o de saber qual destas versões é a mais antiga. Através da análise de vários testemunhos representativos das duas versões, o investigador conclui que a versão longa precede a versão curta. A

138 Kennedy (1986) defende que o sobrenome Galaad pretendia ligar Lancelot ao filho de José de

Arimateia, apresentado no romance como representante da cavalaria: “the name Galaaz is also given to Joseph of Arimathea’s son, who, like is father, is listed by the Lady of the Lake as one of the good knights of the past (…) Galaaz is linked to the grail tradition through being the son of Joseph of Arimathea but there is no suggestion in the text of the non-cycle romance of a Grailwinner to come called Galaaz”. (KENNEDY, 1986, p. 149).

seu ver, há nesta diversas incongruências que confirmam que terá sido o redactor desta que suprimiu informação e não o da versão longa139 que amplificou a narrativa:

Les dérangements dans l’ordre et dans la teneur des chapitres ne sont qu’un aspect des différences entre L [versão longa] et C [versão curta]. Les abrègements éliminent ou écourtent dialogues, descriptions, portraits, notations d’ordre psychologique. Des paragraphes entiers disparaissent, entraînant avec eux des éléments du récit, provoquant parfois des contradictions, comme dans le cas de l’adoubement prématuré de Lionel (MICHA, 1987, p. 49).

O problema da composição do Lancelot en Prose não está ainda resolvido; mas, como Micha reconhece140, a tese defendida por Kennedy (1986), após uma detalhada análise do romance, parece convincente.

1.4– O Lançarote de Lago e o “Lancelot-Graal”.

Assim, depois de apresentadas as diversas concepções sobre o Lancelot, importa reter que o Lançarote de Lago deve ser entendido como um testemunho, em língua ibérica, do “Lancelot-propre”, parte do “Lancelot-Graal”. Como sabemos, o romance começa com a Segunda Viagem de Galehot para Sorelois, pelo que o confronto com as versões não-cíclicas, seguindo a terminologia de Kennedy, apenas é possível a partir dessa parte da “estória”. Sendo, como vimos na introdução desta dissertação, as referências ao Graal, ao Bom Cavaleiro Galaaz e as remissões para outras obras do ciclo explícitas no texto peninsular, não parece pertinente considerar a edição Kennedy do ms. 768BNF, testemunho do Lancelot não-cíclico, na nossa análise uma vez que, segundo o estudo de Kennedy, as menções ao Graal nesta versão são retrospectivas, não se aludindo a Galaaz ou a qualquer personagem do ciclo:

This tale of Lancelot is therefore presented not as the first part of a vast cycle wich will contain a Grail Quest, but as a noble tale which forms par of the record of the memorable deeds of Arthur’s knights, kept by his clerks, of wich the Great tale of the Grail already forms part. (KENNEDY, 1986, p. 249)141.

139 Em dois artigos publicados na revista Romania (1964, 1965), A. Micha designa a versão curta como

“versão de Londres” e a longa como “versão de Paris”. O estudioso reconhece também que alguns manuscritos oscilam entre estas duas versões em alguns pontos do romance.

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“Elle défend cette thèse [Lancelot não-cíclico] non sans habileté dans sons récent ouvrage ». MICHA (1987, p. 17, nota 6).

141 Além disso, como veremos, a versão do episódio da Falsa Genevra do ms. 768BNF afasta-se daquela

preservada no Lançarote de Lago e em outros testemunhos afins ao romance ibérico. Veja-se infra, secções 3.1 e 3.2.

No presente trabalho, contudo, haverá que ter conta versões longas e curtas do Lancelot, na terminologia adoptada por Micha, uma vez que todas elas contêm um texto afim daquele que o testemunho ibérico preserva. Aliás, observar as relações que o romance ibérico estabelece com as versões francesas do Lancelot parece ser a tarefa primeira a

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