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Je i ai un oncle rendu que jadis fu

3- O Lançarote e as versões francesas: conjointure 161

Nesta secção vamos atentar na disposição da matéria ao longo do Lançarote de Lago em confronto com as versões que mencionámos. A nossa análise apenas compreende matéria pertinente para a versão peninsular, pelo que começamos pela passagem designada “Sonhos de Galeote” e terminamos no momento do regresso dos cavaleiros à corte após a demanda de Lancelot. Retemos apenas os episódios que se localizam em pontos distintos da narrativa nas diversas versões, considerando alterações sequenciais significativas na organização interna de diversos blocos narrativos.

3.1- Episódio da “Falsa Genevra”.

É commumente reconhecido pela crítica que a passagem que versa a chegada da mensageira da Dama de Tarmelida à corte arturiana, questionando o lugar da rainha como legítima suserana, representa um ponto crucial na extensa narrativa do Lancelot. Assim, como já vimos, são reconhecidos dois relatos distintos deste episódio, aquele editado por Micha, representante da versão longa, e um outro, que se encontra no ms. 768BNF, no qual Kennedy (1980) fundamenta a sua edição162. Todavia, Micha (1964, p. 478), adverte que, em rigor, não podemos falar da existência de duas versões deste episódio, não apenas porque a tradição manuscrita é demasiado complexa, mas também

160 Este investigador rotula a versão incluída no mss. 768BNF, Rouen O6e P. Morgan de “version

spéciale” (MICHA, 1964, p. 479).

161 O termo « conjointure », empregue por Chrètien na definição dos seus romances, pode entender-se,

segundo Vinaver como “ ce qui réunit rassemble ou organise des éléments divers et même dissemblables, ou si l’ont veut, qui les transforme dans un tout organisé ». VINAVER (1970, pp. 107-108).

162 Como já vimos, por reconhecer que contém uma versão fundamentalmente diferente daquela que se

conserva no seu ms. de eleição, Micha edita o episódio da “Fausse Guenièvre”, constante no ms. 768BNF, no tomo consagrado às versões curtas. (Micha, 1979).

porque, apesar de ser possível agrupar os manuscritos em famílias algo consistentes, a filiação dos textos oscila, dependendo do momento da narrativa. Assim, é possível que um dado manuscrito se aproxime mais de um determinado grupo no momento da redacção dos “Sonhos de Galeote”, mas, num outro momento, poderá estar próximo de distinta família de testemunhos.

A nossa escolha do episódio da “Fausse Guenièvre” deve-se, assim, não apenas ao facto de representar um momento do romance em que se reconhecem diversas reescritas, mas, sobretudo, ao facto de a leitura da versão castelhana revelar um texto fundamentalmente distinto daqueles editado por Micha, quer ao nível da sequência da matéria, quer ao nível do seu conteúdo. Comecemos por observar a organização da narrativa.

A matéria que encontramos nas diversas versões consultadas é em geral a mesma, embora, em alguns casos, como o do ms. 768BNF, haja uma tendência para abreviar e suprimir alguns detalhes ou, como veremos mais adiante, intervenções de fôlego. O episódio começa com a viagem de Galehot e Lancelot para Sorelois, “galardon” que Artur concedera ao Senhor das Estranhas Ínsuas pela sua rendição na batalha da “Roche aux Saisnes”.

Os elementos fundamentais que constituem esta passagem são os seguintes: Galehot, no caminho, cai do cavalo pois vai absorto num pensar perturbador e é socorrido por Lancelot que lhe pergunta o motivo de tamanha tristeza. O filho da Gigante responde-lhe, enigmaticamente, que cuida perder o maior dos bens. Mencionam-se uns estranhos sonhos que Galehot teve e que tem pressa em compreender, recorrendo aos sábios clérigos de Artur. As visões são descodificadas e, para além disso, o suserano conhece o termo da sua vida. Entretanto, sabe-se em Sorelois que aconteceu na corte de Artur uma preocupante aventura: uma mensageira chegou à corte, desafiando a legitimidade da rainha. Artur desapareceu e Genevra necessitava de auxílio. Galehot convoca uma assembleia de barões e deixa o seu reino entregue a Bandemaguz. Chegados à corte, ficam a saber que Artur tomara partido pela Dama de Tarmelide, pretendendo julgar a rainha. Lancelot oferece-se para seu defensor, acabando por derrotar três cavaleiros em campo. Ainda assim, Artur, apaixonado, não acede a aceitar Genevra, pelo que a rainha se livra da fogueira, mas não mantém o reino. Lancelot e Galehot levam-na para Sorelois, Logres estava entretanto entregue a Galvão. O rei, saindo para caçar, tem um acidente que quase lhe tira a vida. Quando convalesce num mosteiro, conhece um frade que acompanhou Genevra na infância e que se propõe

ajudá-lo a reconhecer qual das duas mulheres é a verdadeira rainha. A verdade vence e a Falsa Genevra e seu cúmplice morrem, após longa doença.

Depois deste breve resumo, atentemos agora na organização destes elementos, destacando os casos em que a versão castelhana apresenta uma disposição diferente.

3.1.1– Sonhos de Galeote.

O ms. 9611BNE começa com o dilema de Galeote que ia triste e alegre por perder em breve o cavaleiro que o acompanhava. Mas a razão do seu pensar não era só essa, pois tinha sonhado “un sueño muy feeo e muy espantoso de que fue muy espant[ado]”163(9611BNE, f.1v). Segue-se a descrição pormenorizada das visões que o Senhor de Sorelois tivera, sublinhando-se que, apesar de ser um dos homens mais discretos do mundo, “fue turbado y cuitado por pensar de sus sueños” (LL, IV, p. 4). As consequências dessa inquietação serão adiante contadas como nos diz o narrador “y oiredes lo que ende abino “ (LL, IV, p. 4). O episódio seguinte é o da queda de Galeote causada pelo forte pensar, e por “una capa escarlata” (LL, V, p. 4) que puxou sobre os olhos para encobrir a sua perturbação e lhe toldou a vista do caminho. Depois de justificar a razão da sua tristeza a Lancelot, argumentando saber que iria perder o maior dos valores, a amizade e companhia do melhor dos cavaleiros, chegam à Orgulhosa Guarda. O ms. 9611BNE está truncado, não contendo a narração da queda do imponente castelo, nem o relato dos soberbos planos de Galeote. O texto recomeça, já no fim dessa secção, com Galeote contando a Lançarote que, naquele dia em que partiram da corte, o mesmo em que tivera o acidente a cavalo, estava preocupado com dois sonhos espantosos, “y entonzes le conto sus sueños, ansí como el cuen[t]o á ya devisado” (LL, IX, p. 7).

O texto contido no ms. 751BNF164 apresenta a mesma organização daquele transmitido pelo ms. 9611BNE, mas o mesmo já não é válido para a versão editada por

163 9611: espantoo. A edição do Lançarote apresenta igual leitura, mas com diversa apresentação

gráfica:“espant<o>[ad]o” (LL, IV, p.4). Usamos a edição do Lançarote de Lago ao longo do nosso trabalho. Contudo, quando a nossa leitura for distinta, trasncrevêmo-la no corpo do texto partindo do fac- símile do ms. 9611BNE.

164 Por se tratar de um texto inédito, mas que partilha, como veremos, grandes afinidades com a versão

castelhana, quer a nível da disposição da narrativa, quer a nível do tratamento de conteúdos, transcrevemos o Espisódio da Falsa Genevra, que apresentamos em anexo a esta dissertação. Destacámos essa parte do romance pois é o bloco narrativo em que as diferenças face às outras versões são maiores quer em quantidade, quer em consistência. Nos outros casos, sempre que se justifique, transcrevemos as passagens do ms. 751BNF no corpo do nosso trabalho.

Micha. Assim, no que respeita ao tomo I, que se baseia no ms. Cambridge, Corpus Christi College, 45, encontramos a seguinte disposição narrativa: Galehot, dividido entre alegria e tristeza, cai do cavalo. Lancelot vai em seu auxílio, mas aconselha-o a dizer-lhe a razão do seu pensamento angustiante. Depois de uma enigmática resposta, em torno de um ganho que sabia em breve perder, o suserano conta-lhe os sonhos que tivera em casa de Artur (Micha, 1978 t.I, §I -II, pp. 1-14). Segue-se a portentosa Queda da Orgulhosa Guarda e o relato dos seus ambiciosos auspícios. As perturbadoras visões não voltam a ser mencionadas. A versão curta, representada pelo ms. 768BNF, tem também distinta organização. Nesse relato, Galehot não cai do cavalo, mas desmaia devido à grande perturbação que o afastamento de Lancelot lhe causa. Chegados à magnífica Orgulhosa Guarda, o filho da Gigante conta-lhe o que planeara fazer nesse castelo. Depois da ruína da fortaleza, são albergados numa cidade, parte dos domínios de Galehot, chamada Caellus (Micha, 1979 t.III, §I p. 3-14) e é aí que o senhor de Sorelois tem um sonho.

Conforme se constata pelo resumo acima, a versão do ms. 9611BNE e a do ms. 751BNF evidenciam a mesma disposição sequencial dos acontecimentos. Esta distinta organização do ms. 751BNF fora já notada por Micha, como se vê numa passagem anteriormente citada165, mas, a nosso ver, o editor faz alguns juízos de valor precipitados. No seu entender, o facto de os sonhos de Galeote e o acidente do cavalo, entre outros (Micha, 1966, p. 222), estarem num lugar diferente, são motivo para julgar o texto “moins bon” (MICHA, 1966, p. 222). Tal apreciação terá por base a ideia de que o manuscrito Cambridge Corpus Chiristi College 45 fornece uma versão mais aproximada do arquétipo, uma “melhor narrativa”. Na nossa opinião, e reiterando o que já anteriormente afirmámos, não se trata de aferir do valor dos textos, mas sim de perceber diferentes estratégias narrativas que podem, em maior ou menor escala, gerar sentidos diversos. Até aqui, notamos que a sequência da “estória” no ms. 751BNF e no ms. 9611BNE parece evidenciar uma maior linearidade dos eventos, não se privilegiando o adensamento de expectativa, uma vez que os sonhos, um dos motivos do episódio, são desvelados logo no início, enquanto nas versões escolhidas por Micha são apenas revelados, através da focalização de uma personagem, no decurso de outros sucessos. A ênfase colocada nas visões de Galeote poderá também significar um maior destaque da personagem e desse acontecimento no desenrolar da acção. Além disso, as

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visões conduzem o leitor a interpretá-las como uma das causas que levou ao acidente com o cavalo. Sabendo que Galeote usava uma capa que puxou para diante dos olhos, o público é levado a considerar que isso o fez distrair-se do caminho provocando a queda. Todavia, esta análise é ainda prematura sendo necessário continuarmos com o cotejo dos textos, procurando perceber se a linearidade e a racionalidade que sugerimos são uma opção consistente.

3.1.2– A traição de Bertolais.

Depois de se deter na jornada de Galeote e Lançarote a caminho de Sorelois, a narrativa centra-se na corte arturiana. Aí, como já dissemos, chega uma donzela que traz notícias da Dama de Tarmelida que acusa Artur e reclama o seu lugar de rainha por direito. Um clérigo de Artur lê uma carta que acusava o rei de trair os laços de matrimónio uma vez que teria sido vítima de um embuste ainda na noite de núpcias. A dama de Tarmelida, intitulando-se a verdadeira rainha, narra como foi retirada dos aposentos do rei e substituída pela sua meia-irmã, a falsa Genevra. Acrescenta ainda que escapou da morte graças à intervenção do seu fiel cavaleiro, Bertolais.

Depois de uma narração pormenorizada em torno desta carta, que a todos deixara atónitos, o texto contido no ms. 9611BNE desvenda a extraordinária aventura, clarificando de imediato que se tratava de um embuste. Enquanto Keu levava a donzela para fora do reino de Logres, as gentes maldiziam a hora em que tão nefasta mensageira ali viera, trazendo tão espantosas acusões contra a senhora do reino. Porém, o narrador intervêm dizendo que a maioria das pessoas pensava que a carta continha notícias verdadeiras, por isso ficaram perturbadas, mas “no lo hera, antes fiziera aquel Vercolay la mayor traición que nunca fue pensada por ome e oiredes por qué la fizo” (LL, XXI, p. 16). Segue-se um capítulo onde, através de uma analepse, se contam os motivos que tinham levado Bertolais a cometer semelhante afronta e a forma como arquitectara o seu plano. O velho cavaleiro, no tempo em que Artur tomara Tarmelida, cometera um homícidio e por isso fora deserdado, facto que o fizera “desamar” o rei. Já a Dama de Tarmelida, era filha bastarda do rei Leodagan, pai de Genevra, assemelhando-se muito à irmã. A sua família, no tempo em que se preparavam os esponsais da filha legítima, tentara ludibriar Artur e fazer dela rainha. Porém, a sua traição fora descoberta e houvera quem defendesse que a Falsa Genevra deveria morrer, mas a futura esposa de Artur, que sempre fora boa e piedosa, intercedera pela a vida da sua meia-irmã, tendo

esta como único castigo a expulsão do reino. Assim, Bertolais e a Falsa Genevra, ambos sem terra, unem-se e reclamam que o lugar da rainha tinha sido trocado, conseguindo, desta vez, enganar os barões de Tarmelida.

Consultando o texto escolhido por Micha (1978), constata-se que esta informação não aparece no mesmo lugar da narrativa. Aí apenas se diz que a donzela mensageira abandonara a corte e que, por onde passava, todos a insultavam. A “estória” regressa ao episódio em torno de Galehot e de Lancelot (Micha, t.I, §IV, p. 32). O leitor desta versão só fica a saber da traição imaginada por Bertolais depois de Artur se encontrar em Brendigan, aguardando a vinda da Falsa Genevra, acompanhado pelos cavaleiros da Távola Redonda e por Galehot166.

Conforme se verifica, tal como acontece no excerto que analisámos anteriormente, a disposição narrativa é tendencialmente linear, não se privilegiando o anúncio de acontecimentos, mas sim o seu desenlace e as razões que contribuíram para o desfecho da aventura. A justificação da traição de Bertolais e da Dama é idêntica em todos os textos colacionados. Porém, o facto de se antecipar as razões de semelhantes actos, contribuindo para que se adivinhe, logo no início do episódio, o fim da aventura não quebra, a nosso ver, a sequência-tipo167 desta narrativa. Na verdade, o facto de se revelar a resolução do conflito pode, na nossa perspectiva, afirmar a linearidade dos acontecimentos uma vez que se acentua a sua previsibilidade. Assim, parece-nos que a versão do mansucrito 751BNf não deve ser considerada “híbrida e pouco segura”, como Micha (1966, p. 222) afirma nos seus estudos168, mas representa estratégias de escrita distintas.

As duas passagens em que atentamos brevemente revelam uma forma de organizar o discurso que privilegia o conhecimento anterior dos motivos que condicionam o desenvolvimento da narrativa. Para uma amostra mais significativa desta tendência, convém atentarmos ainda em mais exemplos que confirmem uma estratégia

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O texto do ms. 768 BNF não contém esta explicação. A construção do episódio é bastante dissemelhante quer daquele das versões longas, quer do que se encontra nos mss. 9611BNE/751BNF. Aí Artur é enganado graças a um anel falso, feito por Bertolais (Micha t.III, §II, p.26), mas não se conhecem as razões da traição de Bertolais e da dama.

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Entenda-se sequência-tipo segundo a definição de Paul Larivaille: “sequência quinária articulada em que o processo dinâmico [narrativa] se articula em cinco itens: situação inicial- perturbação- transformação-resolução-situação final”.(REIS 1994, p. 376).

168 Veja-se supra, secção 1.2, a descrição e os comentários que Micha (1966, p. 122) faz acerca deste

de escrita linear e fortemente vincada por intrusões do narrador com o propósito de condicionar o juízo do público a que se dirigia.

3.1.3– Novas da corte de Artur.

Depois de Galeote chegar a Sorelois, envia a Artur mensageiros para que o rei permita que os clérigos se desloquem aos seus domínios e interpretem o significado dos sonhos. O conto deixa de falar de Sorelois e segue-se o relato da chegada da donzela à corte, com a insultuosa missiva da Dama de Tarmelida. A sequência dos eventos é idêntica em todas as versões, notando-se apenas naquela transmitida pelo ms. 768BNF a omissão de alguns pormenores. A organização da matéria é, porém divergente, quando o conto volta a centrar-se em Galehot. Assim, quando os clérigos de Artur chegam a Sorelois e lhe entregam uma carta da rainha pedindo socorro, ficamos a saber que o filho da Gigante já conhecia o que acontecera: “mas antes qu’ellos llegasen a Galeote ya él sabia todo el fecho de la reina y el plaço que le el rey pusiera. Mucho lo encubriera bien a Lançarote” (LL, XXIV, p. 17)169. Na versão escolhida por Micha, não se diz que Galehot já sabia dos recentes acontecimentos na corte arturiana, nem tão pouco os clérigos, no momento da sua chegada, lhe transmitem qualquer mensagem: “Aprés mande Galehot les clers que li rois Artus li envoia et les fet venir devant lui por parler a aus de sa besoigne” (MICHA, t.I, §IV, p. 37). Por muito que o suserano deseje esconder os factos ao cavaleiro, este acaba por saber e “ot i grant dolor que onques a nul jor n’avoit si grant eue” (MICHA, t.I, § IV, p. 33). Com o intuito de o consolar, Galehot diz-lhe que, se quiser, lhe dará o reino de Sorelois e a rainha. Lancelot responde-lhe que só faria essa afronta a Artur se a sua amada concordasse.

De novo, algo diferente se passa nas versões dos mss. 9611BNE e 751BNF. Os clérigos chegam a Sorelois, entregam a missiva de Artur e cumprem o seu propósito, descodificar os sonhos de Galeote. A promessa de raptar a rainha e oferecer-lhe terras para que o casamento com Lancelot seja possível decorrerá, mais adiante na narrativa, em Brendigan, cidade onde terá lugar o julgamento da Genevra.

Ao contrário do que acontece nas passagens que observámos anteriormente, o relato não é antecipado, mas o seu posicionamento contribui, mais uma vez, para a linearidade do conto. Nestes textos, os blocos narrativos sucedem-se, privilegiando-se a

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fluidez sequencial do discurso em detrimento da digressão para outros motivos. Repare- se que este episódio não resulta, como nos casos precedentes, de nenhuma intromissão explícita do narrador que coloca determinado episódio em destaque, como nos sonhos de Galeote, ou que informa do desenlace de uma aventura, como é notório na passagem referente a Bertolais. No caso em apreço, não se menciona a importante oferta que Galehot faz a Lancelot, uma vez que se seguia o relato de uma importante passagem, a descodificação dos sonhos do senhor de Sorelois. A promessa de casamento merece o devido destaque não sendo, por isso, narrada no momento em que se anunciaria amorte de Galehot.

No nosso entender, pelos exemplos apresentados, constata-se que a versão eleita por Micha evidencia uma organização do discurso pautada pela recusa em adiantar informação, uma vez que não se fornecem indícios explícitos do desenlace, não se favorecendo ou desmerecendo nenhum dos principais intervenientes pela maior ou menor ênfase de personagens ou episódios. Já os textos preservados nos mss. 9611BNE e 751BNF, revelam estratégias distintas uma vez que se conduz a matéria de forma linear e pouco digressiva, conduzindo o leitor aos sentidos que se pretende destacar. Na nossa opinião, alguns desses sentidos confluem no relevo dado à personagem Galehot, por um lado, e à ênfase da culpa de Artur, por outro. Assim, os sonhos do senhor de Sorelois são tratados isoladamente e abrem uma sequência narrativa, não se inscrevendo apenas no discurso directo da personagem. Essa sequência encerra com a decifração das visões, não havendo nenhum elemento, como a oferta da rainha e do reino, que desvie as atenções para outros não menos significativos momentos da “estória”. O facto de se denunciar Bertolais como traidor, afirmando-se que o seu mau carácter foi provocado por Artur, o rei deserdara-o porque ele matara um cavaleiro numa batalha, imediatamente a seguir à passagem em que a carta acusatória é lida, contribui, a nosso ver, não apenas para sublinhar as consequências funestas dos actos do rei, como também para imprimir à cena um tom mais pessimista.

Resta apenas observar mais alguns exemplos de disposição da matéria nas versões em apreço, para chegarmos a uma conclusão mais precisa. Parece, todavia, conveniente averiguar se as tendências que enunciámos ocorrem noutros momentos do romance, constituindo-se, também aí, como elementos geradores de sentidos.

3.2– Aventuras de Yvain/Lançarote.

Após os festejos na corte, onde se comemora o restabelecimento da ordem do reino com o regresso de Guenièvre e Lancelot, alguns cavaleiros decidem entrar numa floresta. Estava lançado o mote para diversos relatos de várias aventuras, protagonizadas pelo Duque de Clarence, Gauvain, Lancelot e Yvain. Surge na floresta um escudeiro que injuria Gauvain e o leva preso contra a sua vontade. Perante tamanha afronta, os seus companheiros decidem resgatá-lo e vingar a sua honra, seguindo, para isso, caminhos diferentes. O primeiro percurso que nos é mostrado é o do duque, algo

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