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Je i ai un oncle rendu que jadis fu

2- O manuscrito 751BNF.

O manuscrito 751BNF, datado do século XIII152, é mencionado em nota de pé de página no magistral trabalho de Ferdinand Lot. O medievalista identifica-o como um dos testemunhos usados por Paulin Paris na sua edição modernizada do Lancelot en Prose: “il [Paulin Paris] a recours surtout à 337, 341, 773, 776, 752, enfin 751” (LOT, 1954, p. 2, nota 4)”. Nada mais se diz aqui sobre o testemunho ou o texto nele preservado.

Oskar Sommer (1909), na sua imponente edição dos romances arturianos em prosa, dedica algumas considerações ao texto deste testemunho quando se detém na construção do ciclo do “Lancelot-Graal”. Procurando estabelecer a organização do “ciclo da Vulgata”, este estudioso observa remissões em alguns manuscritos, nomeadamente o ms. 751BNF, que o fazem postular a hipótese da existência de uma “Queste-Perceval” que estabeleceria fortes relações com o Lancelot:

An examination of the quest in the third part of the trilogy [de Robert de Boron] in its relationship to the Vulgate-Quest and to the Estoire, led me to recognise that a Perceval-Quest other than the Perceval li Gallois (alias Pellesvaus) must have been connected with the Lancelot, and this quest (…) must have stood in very close relationship not only to Chrestien’s Conte del Graal but also to the Perceval li Gallois and to the Galahad-Quest (SOMMER, 1908, v.I, p. 12).

Para comprovar a sua tese, compara passagens de um episódio constante no Lancelot, mais concretamente aquele em que o jovem protagonista pergunta à Dama do Lago se existira alguma vez um cavaleiro que reunisse as virtudes que ela acabara de apontar. Este investigador elege a lição do manuscrito Royal 19. C. xiii como a preferível, pois o copista corrige o nome “parcevau” pelo de “galaad”. Sommer explica que escolheu a lição do ms. Royal 19 C xiii por este ser o único que não tem erros na filiação Pelles- Perceval: “in the passage found in all Lancelot manuscripts in the seventh laisse only the MS.Royal xiii 19C, which makes Pelles, the maimed king, Perceval’s uncle, is correct” (SOMMER, 1908, p.12). O manuscrito 751BNF é referido como um dos muitos exemplos que apresentam lições diferentes: “in most other manuscripts it runs as, e.g., in the Ms. No. 751, Biliothèque Nationale, fol. 9” (SOMMER, 1909, v.I, p. 13).

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Oskar Sommer (1909, v.I, p. XXIX) na parte introdutória da sua edição dos romances arturianos em prosa data este manuscrito no século XIII, Alexandre Micha (1980, t.VII, p.VII) na introdução do tomo VII da sua edição do Lancelot situa-o na segunda metade do século XIII, Elspeth Kennedy (1980, p. 4) no segundo volume da edição do Lancelot sugere a mesma data. No catálogo da Biblioteca Nacional de França este testemunho aparece datado em finais do século XIII.

Todavia, o investigador sueco não fornece o texto que encontramos no manuscrito, mas sim a sua leitura com correcções:

& li autre si fu fille au roi mehaignie ce fu li rois pelles [peres] perleuaus. a celui qui uit apertement les granz merueilles dou graal.&acompli le siege perillox de la table reonde. & mena a fin les auanturez dou roiaume auenturex. Ce fu li regnez de logres. Cele fu sa suer si fu de si grant biate que nus des contes ne dit que nulle qui aa son tans fust se poist a li de biate aparillier. Si auoit non amide a sornon. & a son droit non eliabel (SOMMER, 1909, v. I, p.13, sublinhado nosso).

Só com a inclusão do vocábulo “peres” o sentido da lição é coerente, assim, é difícil entender por que terá Sommer escolhido este manuscrito como um de vários exemplos, sabendo-se que esta passagem tem diversas ocorrências em vários testemunhos, alguns menos ambíguos que o ms. 751BNF153.

Ainda a propósito da existência de uma “Queste-Perceval”, anterior à “Queste- Galaad”, Sommer chama novamente o ms. 751BNF à colação citando um outro momento do texto que conserva uma lição singular apenas documentada por ele num outro testemunho, o Landsdowne 757. O excerto citado encontra-se no fólio 144 v. II. Pouco antes da segunda viagem de Galehot para Sorelois, o rei Artur pede que se registem por escrito as aventuras de todos os cavaleiros. Sendo Lancelot um dos mais venturosos, cabe-lhe livro à parte:

& le grant conte de Lancelot couuient repairier en la fin a perceval qui est chies en la fin de toz les contes as autres chevaliers. & tuit sont branches de lui por ce quil acheua la grant queste. Et li contes de perceual meismes est une branche del haut conte del graal qui est chiez de tout les contes. Car por le graal se treueillent tuit li bon cheualier dont lan parole de celui tans (SOMMER, 1909,v.I, p. 13).

Oskar Sommer utilizou o manuscrito 751BNF destacando passagens que lhe pareceram pertinentes para ilustrar a sua concepção do ciclo em prosa154 e a sua ligação com o Lancelot155. Elspeth Kennedy nota também a segunda passagem do ms.751BNF

153 Alexandre Micha (1980, pp. 462-476) fornece em apêndice diversas versões deste momento do texto,

várias delas que nomeiam inequivocamente Perceval. É o caso dos textos fornecidos pelos manuscritos BNF 96, BNF 98, BNF 118, Ars.3479, BNF 121, BNF 339, BNF 341, BNF 344, BNF 754, BNF 768,BNF 16999 Rennes 255, Roy. 20 D III, Asmole 828, Rawlinson Q b 6, Vatican 1489 onde se pode ler “peres persevaus”.

154 De acordo com Sommer (1908) o ciclo em prosa, na sua primeira fase, era constituído por uma

prosificação do Josèphe de Boron; pelo Merlin de Robert de Boron, pela primeira redacção do Livre

d’Artus, pelo Lancelot, por uma Queste - Perceval e pela Mort Artu. Veja-se Sommer (1908, p. xv). 155Este manuscrito figura na tabela que mostra os testemunhos que contêm o Lancelot, a Queste del Saint Graal e a Mort Artu, mas não é usado na edição, pelo menos na parte correspondente ao Lancelot,

aparecendo citada apenas mais uma vez em nota a mesma passagem sobre a beleza de Amide, já transcrita na introdução, no volume III, p. 429. Encontramos ainda uma referência errónea ao manuscrito

citada por Oskar Sommer como uma das poucas lições que preservam a alusão ao “Contes Perceval”156. Para além disso, a investigadora de Manchester fornece uma descrição sumária deste testemunho, identificando a matéria narrativa que integra:

BN fr. 751. 488 folios. The Lancelot begins on f. I: “En la marche de gaules” and breaks off on f. 350d in “Agravain” at the moment when Lancelot goes to the help of Keu: “et lanc. en prent la foi et se leve de desuz (…) the last part of Agravain is missing, and the text resumes f.351ª after the beggining of the Queste (…) The Mort Artu is complete and begins on f. 415c. Second half of thirteeth century (KENNEDY, 1984, p. 4).

Quando se refere ao manuscrito 751BNF, Alexandre MICHA (1960, pp. 166- 167) fornece uma descrição codicológica sucinta e data-o da segunda metade do século XIII. Em outros artigos onde se ocupa de secções do Lancelot en Prose, o medievalista reconhece que este manuscrito não contém um texto que facilmente se inclua numa família estável (Micha, 1964, p.318). Assim, esta versão do Lancelot, que Micha posiciona no grupo das versões longas, preserva, contudo, em alguns casos um relato abreviado157. Para além disso, são muitas as lições divergentes quando comparado com a restante tradição manuscrita deste romance158. Num destes estudos, quando reflecte

751BNF. Continuando a postular a inequívoca ligação do Lancelot a uma “Queste-Perceval”, Sommer afirma: “moreover the same MS. No 751, which confirms the connection between Lancelot and the

Perceval-Quest, also affords striking though indirect proof that both were joined to Robert’s Joseph and Merlin (…) the scribe of the MS. 751, or he whose he copied, who interpolated the reference to Merlin’s

deliverance by Perceval, endeavoured to improve this account by replacing part of it by a short resumé of Robert’s Merlin”. (SOMMER, 1908, vI, p.15). Oskar Sommer não publica a citação da referida passagem remetendo para Brugger (1907) que apresentara uma transcrição desse excerto. De facto, tal interpolação não está no manuscrito 751BNF, mas sim no ms. 754BNF que Brugger (1907, pp. 277-281) transcreve no seu artigo. De notar que no estudo do investigador alemão o ms. BNF 751 não é mencionado.

156 Esta investigadora reafirma o seu desacordo perante a hipótese de uma Queste-Perceval indiciada

nestas passagens. No seu entender, tal como no texto respeitante a Amide, remete-se para a tradição arturiana conhecida e não para eventos futuros.

157 No artigo sobre o texto que narra a segunda viagem para Sorelois até ao fim da “Charrette”, Micha

estabelece a diferença entre diversas redacções desta porção narrativa, separando os manuscritos consoante estes representem versões curtas ou longas, mais adiante designadas por “versão de Londres” e “versão de Paris” (Micha, 1964a, p.483). O ms.751BNF pertence, como a maioria dos testemunhos considerados, ao grupo das versões longas (Micha, 1964a p. 478). A partir do episódio onde se narra a doença da “Fausse Guenièvre” os textos das duas redacções apresentam divergências várias sendo que o ms. 751BNF “ qui transmettait jusqu’a ce point un text à part rejoint ici la rédaction de Londres” (MICHA , 1964a, p. 487).

158 Micha menciona alguns momentos do romance em que este testemunho fornece lições distintas,

atentando em particularidades redaccionais que encontra no episódio da “Fausse Guenièvre”, mais concretamente no hábil plano da rainha que possibilita a presença de Lancelot na corte arturiana. De acordo com o editor esta vívida passagem é mais “expressiva” em alguns testemunhos, entre os quais o ms. 751BNF (Micha, 1964, p. 489, nota1). O ms.751BNF volta a ser citado como pertencente a um grupo de testemunhos que apresenta uma versão distinta a partir do momento em que Morgain sabe do fim do encantamento sobre o “Val sans Retour” (Micha, 1964a,p.501). A partir do episódio da Charrette, o ms. 751BNF continua a pertencer ao grupo daqueles que fornecem versões diferentes, sendo esse conjunto de

sobre a secção correspondente ao tomo 3 de Sommer, aquela que contêm o episódio da Falsa Genevra, Micha fornece uma síntese do tipo de texto que encontramos no ms. 751BNF:

Au tome 3 il se rapprocherait surtout d’Add.10293 et de B. N. 768, mais il a, comme chacun, des rédactions individuelles, avec une tendance à allonger ; quelques rapports avec Cambridge-Roy 19 B VII. Mais il reste tout le long au groupe e et fournit un texte de bonne qualité. Il est infiniment moins bon au tome 4 : dès le debut la rédaction, de type 344, est très encourtée, le premier songe de

Galehout est présenté autrement, les songes se placent avant l’accident du cheval de Galehaut, etc... ; puis jusqu’à la page 72 (en particulir quand Guenièvre reçoit

l’hommage des barons en Sorelois, p.67 ss), le texte est à la fois différent de celui

de Paris et de celui de Londres. Rédaction de Londres (groupe 1430) dans la

section des pages 124-155. Aprés la Charrette (texte ββ), on revient à la version de Paris, mais le texte s’écarte un peu de 344, parfois voisin de Cambridge-Roy.19B VII et P. Morgan. Au tome 5, sa version de Paris présente de nombreuses modifications de détail, à la fois menues supressions (un, deux ou trois mots) et tendance au dèlayage. Le texte est hybride et peu sûr (MICHA, 1966, p. 222, sublinhado nosso).

Pela leitura desta apreciação do ms. 751BNF159 é possível compreender as relações que esta redacção mantém com outras, sendo notório que se trata de um texto diferente, com lições individuais, não sendo por isso tarefa fácil situá-lo num grupo de versões. É igualmente claro que a versão do ms. 751 BNF revela consistentes particularidades, desde as menções a Perceval identificadas por Sommer (1909) e Kennedy (1986), até ao episódio da “Fausse Guenièvre”, entre outras. As singularidades da narrativa residem não apenas na existência de relatos que se afastam dos dois grupos dominantes identificados por Micha, oscilando entre eles, mas também na organização narrativa do romance.

manuscritos designado pelas letras ββ (Micha, 1964a, p. 503). Micha transcreve uma passagem do ms. BNF 751 (f.183ª) correspondente à explicação do ódio que Morgain sente em relação a Guenièvre. Este testemunho ilustra a versão curta (Micha:1964a, pp. 507-8) face à longa, representada pelo ms. 344BNF que Micha também transcreve, notando as principais diferenças, sem, contudo, reflectir sobre o seu significado (Micha:1964a, pp. 508-509). No final, apresenta um quadro síntese onde o ms. 751BNF figura no grupo das versões longas, ainda que apresente flutuações entre a de Paris e a de Londres.

159 Em Lancelot do Lac, Kennedy (1980, pp.1-9) apresenta uma lista de todos os manuscritos e edições do

designado “Lancelot não-cíclico”, limitando-se, no que ao ms. 751BNF diz respeito, a delimitar o texto conservado nesse testemunho. Esta investigadora atribui-lhe a sigla Ad (Kennedy, 1980, p.4) notando lições distintas preservadas nesse e noutros manuscritos. Contudo, não há nenhum comentário específico ao texto do ms. 751BNF para além do que já realizara no seu estudo, já mencionado no nosso trabalho, a respeito da preservação da referência ao “Contes Perceval”: “two manuscripts (BNFr.751 and Landsdownw 757) give an interesting reading” (KENNEDY, 1980, p.152). Na recente edição do Lancelot

en Prose, no volume editado por François Mosès (1998) o ms. 751BNF é apenas mencionado como sendo

um testemunho que preserva o Lancelot, citando-se um explicit que, na perspectiva do editor, poderá apontar para a existência de rubricas que teriam como finalidade identificar o termo de uma secção narrativa e o começo de outra, mais concretamente a parte que Mosès designa por Méleagant e aquela denominada Agrevain: “explicit la premerainne partie de ce roman”. (MOSÈS, 1998, p. 50).

Tendo em conta que parece haver um grande afastamento entre as versões editadas por Micha e a que o ms. 751BNF preserva, será necessário verificar com qual destes textos o Lançarote de Lago revela mais proximidades. Além disso, convém também esclarecer qual o lugar das versões curtas editadas, uma vez que, como vimos, elas não apresentam apenas o mesmo relato de forma mais breve, mas dão-nos lições muito específicas sendo até classificadas por Micha como “redacções especiais”160.

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