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Do Liberalismo à última década da Monarquia Constitucional.

X) Tempo: ocupar grande parte do tempo na realização de tarefas, isto é, implicar maximamente os alunos na realização de actividades

2. História da Avaliação do desempenho dos professores do início do século XIX à actualidade.

2.2. Do Liberalismo à última década da Monarquia Constitucional.

O sistema político que se inaugurou em 1820, foi sem dúvida, um período longo e fértil em ideias. Umas vezes complementares, outras vezes

contraditórias. Esta abundância de propostas, aliada a várias condicionantes de natureza diversa, estiveram na origem do relativo fracasso, para alguns, rotundo falhanço, para outros, da política educativa protagonizada pelos liberais de oitocentos. O historiador Luís Alberto Alves (2003), sintetiza, da seguinte forma, a conjuntura adversa que os liberais mais voluntariosos tiveram de enfrentar:

a) Instabilidade política e social, que culminou com a guerra civil entre liberais e absolutistas (1832-34);

b) Parcos recursos económicos e orçamentais, agravados pela independência do Brasil em 1822;

c) Um grande atraso estrutural, que se foi alargando ao longo de séculos e que seriam de difícil recuperação num curto espaço de tempo, ainda mais em circunstâncias difíceis como as que se viveram no século XIX.

d) As divisões internas que minaram a confiança da população nos liberais que, na primeira metade do século, se dividiram entre vintistas e cartistas, mais radicais e moderados respectivamente e, mais tarde, na segunda metade, com as mesmas propensões, entre progressistas e regeneradores.

Perante este panorama tão pouco propício à mudança, quer pela via das reformas, quer pela via das rupturas, o liberalismo, a vários níveis, e em particular na área da educação, acabou por optar pela via do estabelecimento de compromissos, transformando-se, ou melhor, reduzindo-se a um projecto adiado que, em muitos aspectos, programas e propostas reformistas foi aproveitado pelo ideário republicano que germinou em Portugal no último quartel do século XIX.

Todavia, no seu entusiasmo inicial os liberais ansiosos pela mudança, mostraram-se receptivos à opinião dos professores que, tendo sido dedicados apoiantes do movimento vintista, foram apresentando, com denodo e orgulho, propostas inovadoras e radicais, umas realistas, outras utópicas, as quais foram tendo, pelos líderes políticos, alguma adesão ou rejeição. Rogério Fernandes (2003), faz uma súmula criteriosa, seleccionando algumas das mais interessantes ideias que passo a enumerar:

a) “O abandono escolar (…) seria penalizado através de multas pagas pelos pais dos alunos (…) que reverteriam para os professores” (2003, p.59).

b) “A caracterização da turma seria um elemento fundamental para a planificação pedagógica dos professores” (ibidem) que veriam o seu trabalho apreciado consoante a persecução de objectivos concretos directamente ligados às características dos seus alunos.

c) O sistema educativo era essencialmente “vocacionado para preparar as novas gerações para os ideais liberais de cidadania” (idem, p. 62). d) Regresso de muitos professores primários aos bancos das Escolas Normais para renovarem os seus conhecimentos científicos e pedagógicos, segundo os parâmetros em vigor na Europa (Fernandes, 2004).

É ainda de realçar, no início fulgurante do Liberalismo, e como incentivo ao desempenho regular e sem falhas graves do professor, a recuperação de um decreto de D. João VI, que determinava uma pensão pecuniária a todos os docentes aposentados que concluíssem 30 anos de serviço docente. O vintismo aproveitou este tipo de incentivo como forma de promover o empenho e dedicação do professor. Rezava assim o artigo da Junta Provisional do Governo em 1821, inspirado na lei joanina: teria direito a pensão quem “reger louvavelmente e sem nota, as suas respectivas cadeiras.” (Carvalho, 2001, p.535) Mais que promover uma avaliação pelo mérito, estabelecia-se uma apreciação do trabalho do professor em que se enaltecia o cumprimento escrupuloso imaculado dos, programas, ideologia intrínseca, na conduta moral e nas tarefas que o Estado lhe incumbia. “Sem nota”, como refere a alínea do decreto supracitado. Ou seja, sem qualquer tipo de contestação ao sistema político, ideológico e instituições liberais e sem erros muito graves na sua conduta profissional, nas suas componentes, moral, científica e pedagógica. Tudo isto em ordem crescente de importância, segundo os critérios mais conservadores do liberalismo luso.

Mais tarde, em 1844, com o governo autoritário de Costa Cabral, em contraposição com as posições menos centralistas dos seus antecessores mais conhecidos, Passos Manuel, em 1836, e, ainda antes, Rodrigo da Fonseca (refira-se sem grande sucesso) defensores, segundo Rómulo de Carvalho (2001, p.561), “que o estabelecimento, manutenção, e conservação de todas as escolas primárias ficavam a cargo das municipalidades que inclusivamente procederiam à nomeação dos professores”, optou pelo caminho da estatização e centralização administrativa do ensino em geral e da avaliação dos professores em particular, seguindo, uma vez mais, a referência educativa pombalina. Os relatórios do Conselho Superior de Instrução Pública de 1844, sublinham a “necessidade de vigiar as escolas, pelos comissários dos estudos, de modo a garantir a escolha de bons professores habilitados em escolas normais.” (Alves, 2003, p.97). Esta recomendação vem no seguimento de algumas deliberações da tutela educativa, em finais da década de 30, que determinam a impressão e publicação de “tabelas e livros didácticos destinados a guiar (condicionar) a acção dos professores” (Fernandes, 2003, p.65), demonstrativos de um “grande directivismo pedagógico” (idem, p.68).

Um bom exemplo ilustrativo do centralismo autoritário do Cabralismo, relativamente aos professores, é fornecido por um decreto de 1 de Agosto de 1844, que Rogério Fernandes (2004, p.766) oportunamente transcreve:

“Artigo 10º - os professores de Instrução Superior poderão ser, pelo Governo, exonerados do Magistério, precedendo voto deliberativo do Conselho de Estado, quando o bem do Serviço Público assim o exigir. Artigo 11º -Os professores de Instrução Primária e Secundária poderão ser, pelo governo exonerados do Magistério, ouvido o Conselho Director de Instrução Primária e Secundária, quando o bem do serviço público assim o exigir.”

Tudo isto, logo no início do governo de Cabral, demonstra de forma evidente, a vontade do governante em controlar de maneira apertada o desempenho dos professores, sempre vistos como instrumentos de acção que poderiam ter, no âmbito da sua profissão, um papel desestabilizador e promotor de manifestações de animosidade, ou pelo menos de menor adesão às medidas autoritárias por si preconizadas. Na nomeação dos professores,

dos órgãos centrais do governo, para se proceder a uma análise cuidada do passado político do candidato, sendo mesmo sugerida, a subalternização dos méritos e habilitações científicas e pedagógicas do professor, em detrimento do seu currículo político e ideológico. Foi assim, nos tempos ditatoriais de Costa Cabral: a formação, nomeação, fiscalização e avaliação do corpo docente do Estado, revelavam acima de tudo uma grande preocupação de “depuração” político-ideológica, sem grande amplitude nos campos da promoção de uma melhoria qualitativa do corpo docente (Fernandes, 2004).

Como se atesta com o que precedentemente foi dito, a nomeação e avaliação dos professores, debateu-se sempre com vários problemas. Para além do controlo ideológico do corpo docente existia ainda, e sempre, a estrutural falta de professores com habilitação mínima para a docência, o que limita, ainda mais, a acção apreciativa do governo central relativamente à actividade docente, nas suas componentes científica e pedagógica, não ao nível de adesão ao ideário político, como se viu. Rómulo de Carvalho (2001, p.534) cita, a este propósito, o deputado, Barreto Feio: “Os mestres particulares são úteis ainda mesmo que ensinem mal, porque mais vale saber ler e escrever mal, que não saber.” Perante a míngua de professores, alguns governos liberais deixaram de exigir o exame de admissão à carreira e prescindiram na prática, não na lei, das inspecções gerais às escolas. Deste modo, conciliavam-se os três vectores limitativos:

1º) Falta de professores para avaliar;

2º) Falta de avaliadores competentes e eficientes; 3º) Dificuldades orçamentais sucessivas.

Esta Tríplice Aliança, completou o quadro que impediria a persecução plena do directivismo educativo dos governos liberais. Contudo, continuavam a legislar no sentido de um incremento da vigilância, controlo e inspecção efectiva da organização das escolas e, em particular da actividade docente. A contratação de comissários, inspectores, e subdelegados (sempre em número insuficiente), na periodicidade das inspecções ordinárias, que deveriam ser anuais e na implementação de inspecções gerais extraordinárias, muito mais

abrangentes na análise efectiva das escolas, da sua orgânica, da sua prática pedagógica e do desempenho do seu pessoal docente. Mesmo assim, quando existia um certo desafogo financeiro, o Estado, como menciona Rogério Fernandes (2003, p.67), não deixou de promover algumas “inspecções gerais extraordinárias, nos anos de 1862, 1863, 1864, 1867 e 1875, que sufocavam as escolas com inquéritos e relatórios para preencher”. Cumprindo assim, os desígnios repetidos nos relatórios do Conselho Superior de Instrução Pública, desde 1844 até 1859, em que se reconhecia a necessidade de existir uma avaliação externa do desempenho dos professores, de modo a garantir as boas práticas e a escolha de “bons professores habilitados em escolas normais” (Luís A. Alves, 2003, p.97). Contudo, esta preocupação vigilante oitocentista, que nasceu no século XVIII, com a reforma pombalina do ensino, inspirada nos espíritos iluminados que, como Ribeiro Sanches clamavam por “inspecção periódica e sistemática das formas, matérias e práticas do ensino” (H. Carneiro, 2001, p.528) de modo a sustentar a sua qualidade, não conseguiu sair do plano das intenções. Como salienta Luís A. Alves (2003, p.97), no liberalismo português passa-se rapidamente “da generosidade das intenções à dificuldade das roturas”. O que fez diminuir o ímpeto intervencionista do Estado, que se contentava em emanar decretos e guiões para os professores cumprirem nas suas escolas a sua rotina docente quotidiana, solução bem mais em conta para o Erário Régio.