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MAPA 1: Norte/Noroeste de Minas Gerais/Sul da Bahia – biorregião Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu

1.3 Do objeto à tese: problemática, objetivos e justificativas

Desde o período do mestrado quando realizávamos um trabalho com os veredeiros, grupos camponeses, atingidos pelo PARNA GSV, duas questões sempre estiveram presentes: o caráter territorial e a lógica distinta de relação sociedade-natureza nos espaços modulados pelas UCs. No final da dissertação apresentávamos a seguinte preocupação:

Por fim, nesta pesquisa trabalhamos com um grupo específico, os veredeiros atingidos pelo PADSA e pelo PARNA GSV. É preciso dizer que novos grupos estão sendo atingidos, novas sujeições e sistemas de controle estão sendo criados. Isso porque o ambientalismo está se expandido no Norte de Minas, e aliado a ele, o onguismo. As expressões disso estão na ampliação do PARNA GSV e também no reconhecimento do Mosaico Grande Sertão Veredas-Peruaçu em 2009 (...). O Mosaico quer interligar todas as unidades de conservação do Norte de Minas, resta saber se quer também expandir os sistemas de controle e sujeição das populações camponesas atingidas (MARTINS, 2011, p.276-277).

Desde então focamos nossos esforços analíticos no intuito de compreender a própria natureza daquilo que estávamos entendo por ampliação dos sistemas de controle por meio da conservação da natureza. Com a possibilidade do doutorado, começamos a levantar uma bibliografia especializada na questão dos mosaicos. E, por uma grata surpresa, percebemos que a proposta vinha justamente ao contrário dos nossos receios: os instrumentos

normativos subjacentes ao reconhecimento dos mosaicos propõem a gestão e a conservação da natureza de forma mais democrática e dando reais condições a todos aqueles envolvidos em sua área de abrangência a participar efetivamente do processo de gestão e manejo da natureza.

Ao percebemos isso, duas questões surgiram: como a implementação de um mosaico vai quebrar aqueles sistemas de controle, autoritarismo e sujeição presente na história da maioria das UCs, sobretudo, as de proteção integral? É possível a conservação mudar a sua própria natureza e deixar de ser um mecanismo de exclusão e precarização territorial? Foi a partir destes questionamentos que surgiu a necessidade do redimensionamento do nosso olhar sobre a conservação da natureza. Isso fez com que saíssemos do plano do conflito (entre camponeses e parques) e fossemos para o plano da historicidade da conservação ambiental na região Norte de Minas Gerais. E exigiu que a reflexão se voltasse para o caráter geopolítico e estratégico da conservação da natureza. Isto nos conduziu a três eixos de questões.

Primeiramente, é preciso considerar a lógica territorial da conservação da natureza por intermédio das UCs. À medida que as UCs ganham existência concreta, uma lógica territorial se constitui técnica e normativamente, surgem recortes espaciais distintos, fator que conduz a uma nova arquitetura espacial. A partir dessa constatação, indagamos:

a) Quais as condições históricas, sociais e econômicas permitiram a empiricização do conjunto de UCs que formam o MSVP?

b) Em que medida esta empiricização, que engendrou recortes do espaço por meio das políticas ambientais para a conservação da natureza, modifica a arquitetura espacial existente e cria novas configurações espaciais?

Em outras palavras, com esta questão queremos compreender as condições históricas que permitiram a empiricização de um conjunto de UCs que formam o MSVP, bem como, o papel destas na configuração de uma nova estrutura espacial. Esta pergunta de cunho teórico permite-nos refletir sobre os efeitos destes recortes ambientais no espaço geográfico, mas também se torna central na análise das configurações espaciais que emergem deste processo, dando origem a um novo edifício regional (ou biorregional conforme veremos nas páginas que se seguem). E permite ainda um segundo conjunto de indagações:

c) É o MSVP uma região de natureza distinta que abarca as questões ambientais, sociais, históricas e culturais? Qual conceito geográfico de região é pertinente para analisar tal amálgama?

Estas questões nasceram, sobretudo, das formas espaciais forjadas pela conservação da natureza, e têm como intuito indagar o sentido espacial imbuído nas políticas ambientais de conservação. Enquanto resultado de uma política de modulação do espaço, as políticas ambientais representam uma estratégia de controle de conservação da biodiversidade, da natureza, ou dos recursos naturais (expressões que denotam correntes analíticas distintas) e fazem parte de uma estratégia geopolítica. É devido este caráter geopolítico que acontece a politização da natureza, os Estados criam políticas de interdição ao acesso e ao uso, enfim, áreas de conservação são espaços estratégicos, política e economicamente de controle dos fundos territoriais. Nesse sentido, os conflitos são iminentes no plano local/regional, mas remetem a conflitos de ordem global: a disputa é sobre o controle da biodiversidade, os recursos genéticos, sobre os conhecimentos tradicionais da biodiversidade, etc.

Complementar a estas questões de ordem mais teórica, à medida que observamos como os sujeitos apropriam das políticas de conservação da natureza, e como estes sujeitos dinamizam e conduzem as ações relativas ao reconhecimento do MSVP, um terceiro conjunto de questões emergiu, sobretudo, no intuito de compreender no que consiste um Mosaico de Áreas Protegidas e como apreendê-lo teórica e empiricamente. Além disso, permite refletir sobre os objetivos, sujeitos, interesses e interessados que estes atendem e, sobretudo, traçar tais análises tendo como base empírica o MSVP.

d) De que modo este reconhecimento do MSVP revela uma estratégia de planejamento e gestão da conservação da natureza? Quais os fundamentos empíricos que sustentam tal reconhecimento?

Esta questão permite refletir a proposta dos mosaicos, bem como, as estratégias de gestão integrada e participativa, além de abrir caminhos para se discutir a natureza e objetivos da conservação da natureza no MSVP. É preciso considerar ainda que subjacente ao MSVP reconheceu-se também o seu Plano DTBC, principal instrumento de planejamento e gestão dos mosaicos, a questão que nos orienta diz a respeito da relação deste plano com as estratégias de planejamento e gestão biorregional.

e) De que modo o Plano DTBC do MSVP por meio dos eixos de desenvolvimento (extrativismo em bases sustentáveis, turismo ecocultural e gestão integrada) remente a ideia de planejamento biorregional?

f) As estratégias de planejamento biorregional e os eixos de desenvolvimento do Plano DTBC contribuem com alternativas plurais de desenvolvimento e conservação da natureza? Quais conflitos emergem deste processo?

É elementar a ideia dos Mosaicos e dos seus Planos DTBC pensar alternativas para integrar os territórios da conservação às estratégias de desenvolvimento regional, mas sem

desconsiderar os objetivos iniciais para os quais tais territórios foram criados e, sobretudo, pensar esta integração tendo como base a lógica conservacionista – usar os recursos de modo a assegurar a sua sustentabilidade. É pertinente também aos mosaicos a proposta da gestão compartilhada e participativa, no qual comunidades e gestores devem construir espaços de diálogos no intuito de solucionar conflitos, propor estratégias de desenvolvimento e gestão. Nesse sentido, é necessário indagar:

g) O MSVP consegue empiricizar este ideal de integração, isto é, aliar a conservação da natureza e demais dinâmicas sociais, econômicas, culturais, e etc.?

h) Como as comunidades da biorregião do MSVP são inseridas neste processo e como os mecanismos de participação são forjados?

A partir destas questões, tornou-se mais claro o fio condutor da pesquisa, o que queríamos entender e como. Nesse sentido, esta tese buscou compreender a formação histórica – territorial do MSVP, bem como, as suas estratégias espaciais e ambientais e os elementos subjacentes à produção de um edifício biorregional. Para isto, recorremos a análises das estratégias de planejamento, gestão e dos eixos de desenvolvimento (a gestão integrada, extrativismo em bases sustentáveis e turismo ecocultural) do Plano DTBC.

E especificamente, discutimos o processo histórico da criação das UCs que compõem o MSVP, os agentes envolvidos, interesses e disputas e a forma como estes se materializam no espaço geográfico. E também analisamos o MSVP como agente precursor na formação de uma biorregião e identificamos e analisamos as características desta biorregião e seus desdobramentos no planejamento biorregional. E, por último, estudamos os conflitos, os desdobramentos das estratégias de planejamento biorregional (na análise dos eixos de desenvolvimento do Plano DTBC), mas também os desafios à consolidação deste modelo de planejamento e desenvolvimento ao analisar a questão dos conflitos ambientais e da regularização fundiária.

A escolha do MSVP como objeto de análises se deu entre outras questões: 1- o desejo de compreender as novas faces da conservação da natureza na região Norte de Minas Gerais; e também dar continuidade a pesquisa iniciada do mestrado. 2- acreditamos que as políticas de conservação da natureza representam um mote interessante para a análise geográfica, e, portanto, queremos contribuir com este debate.

No que se refere ao conteúdo próprio da geografia, evidenciamos a região como conceito norteador. A intenção é colocá-la em debate, sobretudo, como os novos paradigmas que o atual período oferece com a questão das biorregiões. Nesta perspectiva,

colocar a teoria em movimento, pensar a natureza das ferramentas teóricas com as quais estamos envolvidos, e/ou como destaca Silvio Gallo, “o conceito é [um] dispositivo que faz pensar, que permite de novo pensar” é, sem sombra de dúvida, uma questão pertinente (GALLO, 2008, p. 43).

Afinal de contas o conceito tem a sua história, mas é a história de seus componentes (DELEUZE; GUATARRI, 1992). E à medida que o movimento histórico geográfico muda, muda também à história e o número de componentes em cada conceito. A questão a se refletir é: quais componentes resistem aos avanços/retrocessos históricos geográficos? Mesmo tendo consciência destes fatos, é preciso considerar uma contribuição de Henri Lefebvre, quando ele afirma que “conhece-se o passado a partir do presente, mais que o presente a partir do passado” (LEFEBVRE, 2004, p. 73), trazer a região (ou a biorregião), a Geografia Regional, história da conservação da natureza no Norte de Minas ajuda a apreender o presente.

Em relação à sociedade e, sobretudo, as populações inseridas no bojo do MSVP, a contribuição da pesquisa é, ao mesmo tempo, o que a torna pertinente. É a criação de ferramentas teóricas e conceituais que contribua no processo de luta para o reconhecimento do direito à natureza, por direitos as políticas que os insiram como sujeitos históricos e portadores de saberes concretos no manejo do ambiente.

Nesse sentido, as políticas, sobretudo, as que se referem à conservação ambiental e ao controle da natureza, poderão ser redimensionadas para outras, humanamente sustentáveis e ecologicamente mais justas, inserindo o homem como ser da natureza num processo de retroalimentação sucessiva. Com isso, as representações, as identidades e as construções espaciais passam a ter um papel significante no processo de recortar, de criar suas “regio”, suas “regere fines” no espaço geográfico.

Tudo isso tem implicações sobre o espaço e sobre a conservação da natureza e, sobretudo, nas vidas das pessoas que vivem dentro ou fora dos parques, dentro ou fora do MSVP, cabe, portanto, precisar quais são essas implicações ao longo da tese. Enfim, cabe dizer, que as problemáticas com quais envolvemos, assim como os objetos de pesquisa, são uma construção envolvendo a realidade concreta e a reflexão teórica. Há aqui uma primeira. A problemática é sempre um híbrido - de reflexão empírica e teórica. No item que se segue mostramos quais foram às orientações teóricas que seguimos.