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MAPA 1: Norte/Noroeste de Minas Gerais/Sul da Bahia – biorregião Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu

2- DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AO MOSAICO: políticas ambientais de conservação da natureza e a modulação do espaço norte mineiro

2.2 Políticas ambientais e Unidades de Conservação no Norte de Minas Gerais

A proposta deste item é refletir o quadro no qual se insere as políticas ambientais de conservação da natureza por meio das UCs na região Norte de Minas Gerais. Antes de

esclarecer este processo, foi necessário compreender as características e os processos que abriram espaço para inserção de tais políticas ambientais na região. Conforme veremos, conservação da natureza atua como mecanismo de mediação ou até mesmo de “antítese” a expansão dos usos predatórios, geralmente incentivados por políticas de Estado. Este quadro se empiriciza no Norte de Minas Gerais a partir da década de 1970, por meio dos projetos de desenvolvimento, no caso, específico do extremo Norte, no qual se insere o MSVP, é preciso destacar as políticas de reflorestamento e povoamento.

Quando iniciamos esta pesquisa, a primeira atividade foi buscar entender os motivos políticos, sociais, econômicos, etc., que nos ajudassem a compreender a criação de mais 20 UCs em pouco menos de duas décadas em todo o Norte de Minas Gerais13. Cada decreto ou portaria estudado havia sempre a descrição da riqueza biológica e da importância dos recursos hídricos, etc. No que se refere às justificavas, sempre giravam em torno dos altos índices de degradação sofridos por estes ambientes, as belezas cênicas, a importância ecológica. Até este momento, a criação de UCs no Norte de Minas Gerais não demonstrava especificidade em relação às demais regiões do Brasil como todo. Isto é, sempre que há conflito entre o uso espoliativo da natureza e a necessidade de conter este uso devido às pressões de ambientalistas e da sociedade em geral, o Estado cria uma UC.

Á medida que avançamos nas análises, entretanto, um ponto específico nos chamou a atenção – a supervalorização da natureza norte mineira ou a sua positivação. Contrariamente aos eventos históricos, no qual a natureza (a falta de chuvas, o clima, o solo etc.) era o principal mecanismo pelo qual se representava negativamente a região, isto é, o “atraso” econômico da região deve-se as questões naturais (naturalização das relações sociais), na criação das UCs estes mesmos elementos mudam de status. A natureza sai do plano negativo e entra enquanto elemento devalorização da diversidade biológica e cultural da região, e como tais devem ser valorizados e preservados.

A partir disso, começamos a levantar textos históricos referentes à região Norte de Minas, no qual notamos três campos discursivos que faz uma sutil relação entre a natureza (os atributos naturais) e a região norte mineira: um que vê na natureza o elemento negativo da região – o clima que “castiga”, o solo “pobre”, etc., elementos que impede o desenvolvimento; o segundo que vê nesta negatividade a oportunidade para expansão de projetos de desenvolvimento econômico – o quadro natural como mecanismo estratégico

13 Além das UCs do MSVP existem mais 5 que compõem o Sistema Integrado de Proteção Ambiental do Jaíba. Além dos Parques Estaduais de Grão Mogol e Botumirim.

para expansão de monocultura e de atividades de reflorestamento; e por último, a mudança no campo discursivo, o “feio” torna-se belo, o pobre torna-se sinônimo de riqueza, o atraso torna-se mecanismo de desenvolvimento – a valorização da natureza norte mineira e a criação das UCs.

Até aproximadamente a década de 1970, a natureza da região Norte de Minas foi tratada em seu aspecto negativo. Fazia-se a correlação entre os problemas econômicos e as condições naturais. Isto se materializa em vários textos clássicos - Donald Pierson e Yves Gervaise, por exemplo– todos retratando a “guerra” do homem para romper as adversidades desta natureza no intuito de desenvolvê-la. Gervaise (1975) ao referir-se aos Cerrados como domínios de “vasta solidão, entrecortada, de raro em raro, por riachos magros e temporários, repetem (...) essa impressão de seca e solidão”, é um exemplo desta construção discursiva com base na negatividade (GERVAISE, 1975, p. 21 [grifos nossos]).

Seguindo as análises deste autor, este tratamento negativo ganha mais concretude. Ao se referir a Januária, local no qual o “contato com a zona de caatinga introduz mais um elemento de variedade (...)” e aos Cerrados que “mesmo nas condições mais favoráveis, (...) não justificam a instalação do povoamento denso. Domínio adaptado à criação, ele é, pela pobreza dos solos que se renovam lentamente, bastante hostil à agricultura que se refugia ao longo dos vales” (GERVAISE, 1975, p. 34-35-36. [Grifos nossos])14. A ideia de “solos pobres”, de vegetação “má” é uma das representações historicamente construída, mas isto tem efeitos perversos, sobretudo, na esfera do planejamento e das políticas públicas.

Esta negatividade impressiona, ao se referir ao quadro físico da região Norte de Minas como um todo, Gervaise argumenta que o “norte não é a única região atrasada de Minas (...) mas esta paisagem de ‘miséria” é o resultado “do complexo isolamento, e de condições naturais mais ásperas” (GERVAISE, 1975, p. 21 [Grifos nossos]). Negatividade e a necessidade de dominar a natureza para romper o seu efeito sobre a sociedade regional são fenômenos indissociáveis nesta trama discursiva. Ao referir-se ao rio

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E como aponta muito apropriadamente Carlos Eduardo Mazzeto Silva, “que esse conceito de pobreza ou deficiência de fertilidade de solo é oriundo da agronomia moderna”, sobretudo, por não atender as “exigências das principais culturas alimentares do mundo que não são iguais, as plantas frutíferas do cerrado como o Pequi, Buriti, Araticum, Mangaba, Cagaita, Cajuzinho, Bacuri etc.” (...). Plantas que historicamente pertence ao universo alimentar dos povos dos Gerais. O autor sugere que estas plantas “são ricas em nutrientes e sempre fazem parte da dieta dos povos do cerrado”. E partir delas pode ser observado a processualidade histórica e geográfica de adaptação – “inclusive ao fogo” - e que “relativiza esses conceitos um tanto reducionista do que seja riqueza e pobreza” (SILVA, 2006, p. 50).

São Francisco e a seus afluentes, rio que construiu a “unidade” do sistema econômico regional, unidade que “deve o essencial às águas do rio e ao seu ritmo”, Gervaise demonstra a necessidade de mudanças profundas. Esta unidade relatada remete mais a “incapacidade, [de] de até hoje [1968 data da pesquisa], de vencer esta dependência e dominar o que poderia se transformar em uma fabulosa riqueza” (GERVAISE, 1975, p. 26 [Grifos nosso]).

Esta face negativa da natureza foi embutida nas políticas de desenvolvimento imposta a região a partir da década de 1970. Para romper o quadro de pobreza gerado por uma natureza “injusta”, é preciso rompê-la, revolver o seu solo “pobre”, derrubar a sua vegetação “feia” e no lugar deve arvorecer o moderno. Modificar suas características por meio do incremento de técnicas “modernas” – produtos químicos, os correntões e a drenagem das veredas. Ao incorporar esta negatividade da natureza aos projetos de desenvolvimento, levou-se aquilo que Carlos Eduardo Mazzeto Silva (2009) denominou “modernização predatória” do Cerrado.

Isto é, a criação de um conjunto de projetos de desenvolvimento baseado nos instrumentos da modernização da agricultura, cuja base fundamental são as tecnologias da Revolução Verde. Tal processo tem como característica básica as extensas monoculturas, e no caso específico, da região do MSVP, as “florestas” homogêneas15. Conforme o autor “a linha de pensamento que dirigiu esse processo no Cerrado tem um forte viés depreciativo do ecossistema em si e enxerga a região como um ‘vazio’ econômico e social” (SILVA, 2009, p. 64).

Esta narrativa pelo viés depreciativo faz parte de um conjunto enunciativo cujo objetivo é justificar determinadas ações sobre o espaço, isto é, procede a uma modalidade discursiva para viabilizar uma legitimidade ideológica sobre a natureza e sobre o espaço que a acolhe. Em outras palavras, conforme Silva (2009, p. 64) “é como se a natureza e as populações locais, espalhadas pelos Gerais até aquele momento, não tivesse nenhum significado, nenhuma riqueza cultural e ecológica”. A ideia de “vazio” representa bem este processo, espaço no qual “nada” há, as ações de desenvolvimento não podem ser positivas. Nesse sentido, a negatividade da natureza se estende aos homens que habitam tal lugar.

Silva (2009) ao citar o ecologista Mario Guimarães Ferri demonstra este processo. Ao comparar a Amazônia, ambiente mais frágil, com Cerrado, ambiente menos frágil,

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As aspas no termo floresta deve-se ao fato de concordarmos com Silva (2006), floresta tem diversidade, complexidade, enfim, bio-diversidade. Uma área com um único tipo de árvores não pode ser considerada uma floresta.

justifica a expansão agrícola neste bioma. Isto é, como não havia pesquisas sobre as condições ecológicas da Amazônia, era preferível a expansão da agriculta ocorrer no Cerrado, considerando que não nada há o que se “preservar” neste ambiente. Esta visão reducionista e parcial - sublinha Silva, - é um equívoco com consequências dramáticas sobre as dinâmicas biológicas, pedológicas e hidrológicas.

Nota-se com este discurso uma relação de exterioridade à natureza, ou melhor, ao Cerrado é, ao mesmo tempo, um “empecilho” ao desenvolvimento, mas com as técnicas modernas torna-se um “recurso”. Este é o paradoxo desta modalidade discursiva, esta transposição de um elemento negativo, quando ocupado tecnicamente, torna-se positivo. Aqui, é preciso algumas ponderações. Quando ocupado pela lógica de desenvolvimento, o Cerrado, o Norte de Minas, não é mais o mesmo, sua natureza mudou, é um outro Cerrado, é outro Norte de Minas. Nesse sentido, a positividade não é sobre o conjunto primeiro, mas a sua transformação em segundo conjunto de “coisas”. Coisas porque este processo se faz pela coisificação da natureza e dos homens.

Este processo foi guiado por uma série de instituições, como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, criada em 1959 que ofereceu incentivos à industrialização e ao desenvolvimento de projetos agropecuários; a Fundação Rural Mineira de Colonização e Desenvolvimento Agrário – RURALMINAS, que concedeu terras públicas para as monoculturas de eucalipto e para os projetos de assentamento e colonização. Nesse sentido, a primeira questão a se considerar é que o Estado foi o principal agente fomentador desta modernização capitalista, garantindo condições para o funcionamento das estruturas produtivas recém-instaladas.

Conforme Luciene Rodrigues (2000), é preciso considerar as ações do Estado em quatro grandes eixos: “(a) grandes projetos agropecuários; (b) industrialização; (c) reflorestamento; (d) projetos de irrigação” (RODRIGUES, 2000, p. 124). No que se refere às áreas rurais, propriamente, estas ações deram-se no sentido de transformar a base técnica da agricultura, transformando áreas até então destinadas à produção camponesa em espaços de produção capitalista da agricultura, criando grandes projetos como meio principal para atingir tal objetivo. Um exemplo que nos é pertinente nesta tese é o Projeto Jaíba, gestado neste cenário de acirramentos das relações produtivas, ajustamentos e transformações das dinâmicas do espaço regional norte mineiro16.

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A referência ao Jaíba deve-se ao fato de o Parque Estadual da Mata Seca ter sido criado enquanto compensação ambiental deste projeto.

De acordo com Rodrigues (2001), o Projeto Jaíba está diretamente ligado às estratégias do Estado brasileiro em combinar política agrícola, uso da água e incentivos fiscais e financeiros com o intuito de dinamizar certos aspectos da economia. Nesse sentido, o Jaíba decorre do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), responsável pela criação do Plano de Desenvolvimento do Nordeste - Polonordeste, cujo intuito foi desenvolver o Nordeste do Brasil, e do Plano de Desenvolvimento do Noroeste, criado para atender as regiões Noroeste e Norte de Minas Gerais. Nesse sentido, “o Projeto, em última instância do processo de planejamento, constitui um investimento motriz. O Jaíba é um investimento para promover o Norte de Minas Gerais” (RODRIGUES, 2001, p. 207).

Grande parte das análises técnicas e científicas elaboradas a respeito do Projeto Jaíba refere-se, quase sempre, aos problemas conjunturais: atraso de créditos, infraestruturas, regularização fundiária etc. Há um vazio analítico quando se refere aos impactos ambientais, as contradições da apropriação da natureza, os embates entre populações locais e este projeto agrícola. Devido à lógica desenvolvimentista deste Projeto, a mobilização de recursos deu-se no sentido de promover um centro econômico, polo de desenvolvimento que exclui as questões ambientais do processo de planejamento.

Desenvolvimento, a palavra-chave do Jaíba, restringia-se tão somente ao crescimento econômico, e deixou em segundo plano “as questões sociais, ambientais e culturais” (RODRIGUES, 2001, p. 209). No que toca especificamente a questão ambiental, à preservação restringiu-se a uma Reserva Legal no município de Matias Cardoso, com uma área total 7.317,82 hectares – e mais tarde com institucionalização da compensação ambiental, o Sistema de Áreas Protegidas do Jaíba. Com isto, o uso dos recursos naturais aconteceu sem nenhum manejo e/ou preocupação com questões ligadas ao uso sustentável dos recursos naturais. E por isso, desde o início da implementação, o Jaíba foi alvo de críticas das entidades de defesa do meio ambiente, como expresso na reportagem do Jornal Estado de Minas em 1993: “Jaíba, entre o sucesso e a ameaça ambiental” (ESTADO DE MINAS, 1993, p. 16). A “sustentabilidade” das políticas de desenvolvimento econômico dava-se graças à insustentabilidade ambiental e instrumentalização da natureza. Como consequência disso, as críticas ao Jaíba devem-se justamente “a falta de planejamento ambiental e a enorme dimensão do projeto geraram um desastre ecológico” (SANTOS; SILVA, 2010, p. 352).

Em sentido complementar, podemos situar as políticas de reflorestamento desenvolvidas no entorno do Distrito de Serra das Araras (Chapada Gaúcha), nas bacias do

rio Pandeiros, Cochá e Gibão (Januária). Desde a década de 1970, a região Norte de Minas como um todo foi palco da materialização de plantios extensivos de eucalipto e pinus. Aqui, mais uma vez, destaca-se a presença do Estado, como financiador deste processo. Conforme Maria Bárbara M. Bethonico (2009, p. 204), “os plantios de eucalipto, (...) foram valorizados no contexto histórico de sua implantação, como representantes vivos do progresso e de possibilidades de melhoria das condições de vida”.

Através das Políticas de Distritos Florestais, empresas como a Plantar S/A e Adiflor migraram suas atividades para a região. Este movimento deve-se a facilidades de créditos e terras para os monocultivos. Conforme Silva (2006, p. 185), a RURALMINAS teve importância ímpar nesse processo na concessão e arredamento de terras públicas para estas empresas. Além disso, destaca-se o fato de que a partir da década de 1980 “a região, subordinada à SUDENE (...) seria destinatária de 50% das cotas dos recursos desse incentivo fiscal”. Terras e créditos “reduziu o risco dos investimentos nessas regiões a praticamente zero e viabilizou a apropriação de enormes áreas” (SILVA, 2009, p. 185 [grifos do autor]).

Junto aos monocultivos de eucalipto e pinus veio à ideia de “progresso”, a ideia de participar de algo maior “em um projeto de nação”, justamente pela negação daqueles elementos de estruturação da região – as comunidades camponesas, o Cerrado, etc.. O Cerrado em troca do desenvolvimento, a natureza bio-diversa em troca da homogeneidade da paisagem17. No entanto, “a prometida chegada do progresso com os plantios de eucalipto dentro dessa lógica capitalista gerou mais desigualdade entre as regiões mineiras e uma maior relação de mando sobre as comunidades rurais” (BETHONICO, 2009, p. 204).

Os impactos ambientais do reflorestamento são diversos. O primeiro dele é a retirada das matas nativas que acarreta perda do solo, assoreamento dos rios, perda de diversidade genética, etc. Conforme Hernando Baggio Filho (2003), os efeitos ambientais negativos começam com aumento de consumo de água pelas novas espécies inseridas no ambiente, eucalipto e pinus, e passa pela “ciclagem de nutrientes, propriedades do solo, efeitos alelopáticos18, consumo de fertilizantes e agrotóxicos”, e termina, no primeiro corte das árvores, com a erosão dos córregos e rios e secagem das veredas, fuga e/ou morte de animais (BAGGIO FILHO, 2003, p. 54).

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Lembro-me de quando criança, morando no vale do Jequitinhonha, ao passar pelas plantações de eucalipto ver várias placas das empresas com os seguintes dizeres – “Progresso e prosperidade com reflorestamento”, “Florestas de eucalipto – substituindo o Cerrado e trazendo desenvolvimento”, etc.

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Os impactos negativos não se restringem ao meio natural. Na “APA Estadual do Rio Pandeiros”, por exemplo, “os plantios de eucalipto trouxeram novos atores que passam a desejar os mesmos recursos ali existentes” e, com isso, as comunidades passaram a depender de outros recursos para a sobrevivência, entre eles o próprio carvoejamento. Além disso, a chegada do reflorestamento significou a privatização das terras de uso comum, as comunidades perderam acesso às plantas medicinais, aos espaços do extrativismo e de solta do gado. Sem contar que as “questões sociais e ambientais em regiões como a bacia do rio Pandeiros tornam-se secundárias frente à força do capital” (BETHONICO, 2009a, p. 206).

Não parece crível, mas este processo de destruição foi, de certa forma, celebrado pelos ideólogos do desenvolvimento. Gervaise, por exemplo, comenta entusiasmado o “espetacular” e rápido processo de desmatamento. Para ele, “a rapidez da transformação da paisagem é realmente espantosa”. Embora o entusiasmo seja a característica deste autor, ele também demonstra a face mais perversa deste processo, “é muito comum ver os novos fazendeiros oferecer, gratuitamente, uma mata magnífica para quem a queimar mais rápido”. Este processo ocorre mesmo quando o carvão vegetal era o elemento mais rentável “e os rendimentos regionais com esta mata de grande porte [eram] são excelentes” (GERVAISE, 1975, p. 135-137[grifos nossos]).

Enfim, a negativação da natureza e da região tem efeitos perversos tanto no que se refere à natureza quanto aos homens que estes lugares habitam. Estes elementos de “modernização” implicados no discurso e na prática levam aos ditos problemas ambientais regionais decorrentes da “gestão do território”, ou melhor, “do modo de apropriação e uso do território e dos seus recursos” (BECKER, 1992, p. 128). A partir desta análise, fica em evidência que os modelos de desenvolvimento pensados em uma lógica estritamente funcional e economicista, como aqueles impostos a região na qual situa o MSVP, é o elemento chave para entender a crise ambiental imposta nos mais diversos lugares que compõem o Norte de Minas - escassez de água, assoreamento de rios, etc. Estes modelos de desenvolvimento são expressão concreta de um tipo de “estrutura social”, um modo político de se pensar a apropriação “da coisa pública”.

Nesse sentido, arcabouço discursivo negativando os aspectos naturais da região, as políticas de desenvolvimento e os problemas ambientais são indissociáveis. O discurso garante a efetividade ideológica das ações, ações por meio dos projetos de desenvolvimento produzem novos ordenamentos espaciais. Estes novos ordenamentos, porém, pela sua lógica funcional e espoliativa coloca em “risco” a bio-diversidade regional. O discurso

constrói a carga ideológica e produz consensos, as ações do Estado atendem interesses e interessados, a natureza torna mote discursivo de um e de outro. Estabelece-se a tríade natureza – discurso - interesses: ação do Estado.

Felizmente, a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, com fins dos créditos para o setor de reflorestamento e escassez de créditos para os projetos de desenvolvimento, outro corpo discursivo ganha materialidade - a valorização da natureza enquanto elemento da região Norte de Minas. O discurso da negatividade começa a ser redimensionado (não em totalidade) diante dos impactos ambientais e sociais dos projetos de irrigação, povoamento e de reflorestamento. Iniciamos, portanto, uma terceira fase de construção discursiva a respeito da natureza, a sua positivação19. E deste movimento surge a proposta de proteção, preservação e conservação da natureza, surge também as primeiras UCs. O que é este discurso de positivação da natureza?

Trata-se de um duplo movimento. De um lado, a presença de ambientalistas, cientistas e críticos dos projetos de desenvolvimento abrem espaço para diálogos e críticas a estes modelos impostos. De outro lado, a própria legislação ambiental brasileira e, sobretudo, a mineira passam a reconhecer a importância da bio-diversidade devido aos tratados internacionais de proteção e conservação da natureza. O Estado de Minas Gerais aprova Leis importantes neste sentido, por exemplo, a Lei nº 9.375, de 12 de Dezembro de 1986 que torna os sistemas de veredas de preservação permanente e de interesse comum (MINAS GERAIS, 1986).

Evidentemente que este processo é mais amplo, mas o amadurecimento da legislação e das políticas ambientais contribui muito neste processo. Este processo de positivação aparece claramente entre cientistas de várias formações quando discutem a região, e também aparece nos atos de criação de UCs e nos planos de manejo. Nesse sentido, a positividade da natureza refere-se a um conjunto de elementos que lhe confere valor em si, isto é, a natureza é valorizada pelos seus atributos. Neste processo, não se demanda técnicas de intervenção para melhorá-la, ao contrário, enquanto totalidade, nenhum elemento da natureza é redutível a outro e o conjunto revela a longa história de co- evolução.

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É interessante notar que algumas Constituições dos latinos americanos deste processo de positivação da natureza tornam-se instrumento legal. A Constituição do Equador, por exemplo, em seu capítulo 7º prevê a existência de direitos da natureza “la naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el