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2.3 DA CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA

2.3.2 Do recuo jurisprudencial

Após o início do segundo alargamento da Cidadania, nos anos de 2013 e 2014, houve

considerável recuo na chamada jurisprudência pré-Brexit do TJUE, no caso Brey228 (2013), seguido do

caso Dano 229 (2014), Alimanovic230 (2015) e Comissão Europeia contra Reino Unido231 (2016).

226 CARVALHO, Daniel Campos de. Déficit democrático na União EuropeiaDéficit democrático na União EuropeiaDéficit democrático na União EuropeiaDéficit democrático na União Europeia. Tese de Doutorado. USP, 2012, p. 164.

228 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Caso Brey, processo C-140/12. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/documents.jsf?num=C-140/12.

Brey teve seu pedido de concessão de um subsídio compensatório a completar a sua pensão de reforma alemão pelas autoridades austríacas. A alegação das autoridades austríacas era de que, diante do valor reduzido da sua pensão, Brey não dispunha de recursos assaz para residir legalmente na Áustria. O TJUE concluiu que o fato de um nacional de um Estado-Membro se beneficiar de uma prestação de assistência social não é motivo suficiente para demonstrar que representa ele um

encargo não razoável para o regime de segurança social do Estado-Membro de acolhimento232. Mas –

eis o recuo – entendeu que a atribuição de determinar se a atribuição do subsidio representa uma sobrecarga não razoável para o regime nacional de segurança social é do tribunal nacional, não sua.

Na sequência, o caso Dano, envolveu uma mãe solteira e seu filho menor, ambos nacionais da Romênia, viviam em um apartamento de familiar que lhes providenciava a alimentação. O pai da criança era desconhecido. O rendimento da família era de apenas 317 euros mensais de pensão em função do filho. As autoridades alemãs recusaram o pedido de assistência de i) do seguro de base para candidatos a emprego e ii) da participação nas despesas de alojamento e de aquecimento.

O TJUE concluiu que a recusa era legitima com base na Diretiva 2004/38233, ignorando o

fato de que as autoridades alemãs concederam à mãe (E. Dano) uma declaração de residência de duração ilimitada. Ademais, o TJUE recuou em relação à decisão do caso Trojani, em que a insuficiência de recursos financeiros não privaria o requerente do próprio conteúdo do direito de permanência. Isso porque nesse acórdão (Trojani), o TJUE esclareceu que, embora os Estados- Membros possam condicionar a residência de um Cidadão economicamente inativo à posse de recursos suficientes, acaso o Cidadão estiver residindo legalmente, então ele estaria protegido pelo princípio fundamental à igualdade de tratamento e não lhe podiam ser negadas prestações de assistência social.

229 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Caso Dano, processo C-333/13. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-333/13. Acesso

18 mar. 2019.

230 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Caso Alimanovic, processo C-67/14. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-67/14.

Acesso 18 mar. 2019.

231 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Caso Comissão Europeia contra Reino Unido, processo C-308/14. Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/documents.jsf?num=C-308/14. Acesso em 6 jul. 2019.

232 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Acordão Caso Brey, processo C-140/12, considerando 75. Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=141762&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=224063 4. Acesso 18 mar. 2019.

No acórdão Alimanovic (2015), o TJUE retrocedeu no seu entendimento, esposado no

acórdão Vatsouras234 de 2009, de que prestações de natureza financeira que se destinam a facilitar o

acesso ao mercado de trabalho não podem ser consideradas prestações de assistência social, nos

termos do artigo 24.º, n.º 2, da Diretiva 2004/38235. Os nacionais de um Estado-Membro à procura de

emprego noutro Estado-Membro beneficiam do direito à igualdade de tratamento nos termos dos

artigos 18.º236 e 45.º, n.º 2 do TFUE237. Por isso, em Vatsouras, o TJUE entendeu que o

desenvolvimento da Cidadania europeia já não permitiria excluir do âmbito de aplicação do artigo 45.º, n.º 2 do TFUE uma prestação de natureza financeira destinada a facilitar o acesso ao emprego no mercado de trabalho no Estado-Membro de acolhimento. Assim, a jurisprudência assente do TJUE apontava no sentido de que a derrogação prevista no artigo 24.º, n.º 2, da Diretiva 2004/38 deveria ser interpretada em conformidade com o artigo 45.º, n.º 2, do TFUE – que concretiza o princípio da igualdade de tratamento patente no artigo 18.º do TFUE.

Por fim, no caso Comissão Europeia contra Reino Unido, a acusação era de o Reino Unido

de não ter cumprido o Regulamento n.° 883/2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, por sujeitar os requerentes de determinadas prestações sociais ao chamado “teste do direito de residência”, sob o fundamento de que o teste seria incompatível com o sentido do referido regulamento e, simultaneamente, afrontaria o princípio da não discriminação em razoa da nacionalidade.

Nestes termos, mais uma vez, e tal como nos casos Brey, Dano e Alimanovic, a questão envolvia o Regulamento n.° 883/2004 e a Diretiva 2004/38 e foi decidida em favor do Reino Unido.

Vê-se, pois, que tão celebrada proatividade do TJUE no tocante o desenvolvimento da Cidadania europeia parecia ter esgotado seu poder de ampliação da chamada Cidadania social,

234 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Acórdão caso Vatsouras, de 4 jun. 2009, processos apensos C-22/08 e C-23/08. Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=75439&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2241086. Acesso em 25 mar. 2019.

235 Artigo 24.º Igualdade de tratamento 1. [...]. 2. Em derrogação do n.º 1, o Estado-Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de

assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 14.º, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.

236 Artigo 18.º No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da

nacionalidade. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem adotar normas destinadas a proibir essa discriminação.

237 Artigo 45.º 1. [...] 2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os

entrando, quiçá, em uma fase reacionária do TJUE de Luxemburgo. Dois motivos são destacados por

Silveira238, o primeiro seria o risco de “turismo social” – desacreditado pelas estatísticas que

demonstraram que o impacto financeiro dos Cidadãos economicamente inativos é desconsiderável. Já o segundo motivo seria a pressão exercida pelos Estados-Membros sobre as instituições europeias, em face das ameaças populistas e xenófobas crescentes a cada nova disputa eleitoral nos Estados- Membros.