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3.2 DILEMAS DA UNIÃO EUROPEIA

3.2.2 A língua

A língua tem um papel fundamental no processo de criação da identidade cultural, por ser uma de suas pedras angulares. Isso porque se é verdade que a linguagem (oral e escrita) e um produto da evolução da especie humana, não e menos verdade que e também fator e motor do seu desenvolvimento. Atraves dela é expressada a identidade, a cooperação, a troca de experiências e a

transferência de informação345.

Ocorre que na UE verifica-se o inverso, pois é composta de Interculturalidade em um

universo de quase 28 países, com 5.000 grupos étnicos que falam 6.000 línguas346.

Como uma das questões mais contestadas em Estados de variadas culturas, a língua, como escolha oficial, a ser utilizada em escolas, participação cívica e trocas comerciais, não somente molda a vida da população, mas também ergue barreiras e facilidades aos habitantes dos diversos

Estados. Nesse sentido é que Matias argumenta que “ [...] o reconhecimento da oficialidade de uma

língua ultrapassa em muito o direito à utilização dessa mesma língua. Representa o respeito pelos

falantes, pela sua cultura e pela sua inclusão na Sociedade”347.

Como bem expõe Poiares Maduro, a língua não serve apenas para comunicação social, mas sim é “um atributo essencial da identidade cultural e, ao mesmo tempo, um elemento

343 WEILER, Joseph H. H. Os direitos fundamentais e os limites fundamentais. Normas comuns e valores antagônicos na proteção dos direitos do homem

KASTORYANO, Riva. Que Identidade para a Que Identidade para a Que Identidade para a Europa? Que Identidade para a Europa? Europa? Europa? Lisboa: Ed. Ulisseia, 2004, p. 90.

344 A ideia do item está expressa no artigo: SUZIN, Jaine Cristina. Multiplicidade linguística e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade

no âmbito da união europeia.... Curitiba: Revista ABDConstRevista ABDConstRevista ABDConst, v. 10, n. 19, jul-dez, 2018. Disponível em: http://www.abdconst.com.br/revista-19. Acesso. Revista ABDConst 20 mar. 2019..

345 SÁ, Susana e ANDRADE, Ana Isabel. Práticas de sensibilizac ão á diversidade linguística e cultural nos primeiros anos de escolaridade: reflexões a

partir da sala de aula. Aveiro: Universidade de Aveiro. 2006.

346 MATIAS, Joana Maria Santos. Identidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural Europeia. Idealismo, Projecto ou realidade? Dissertação de Mestrado em Letras. Coimbra:

Universidade de Coimbra. 2009, p. 38.

347MATIAS, Joana Maria Santos. Identidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural EuropeiaIdentidade Cultural Europeia. Idealismo, Projecto ou realidade? Dissertação de Mestrado em Letras. Coimbra:

fundamental da identidade nacional”348. Ao contrário da existência de uma moeda única, é impensável

que a UE adote uma única língua.

Cientes disso, muitos são os países que adotam mais de uma língua oficial, no claro

intuito de unir a diversidade linguística de seus nacionais. Por esse motivo que a UE reconhece como

línguas oficiais as línguas de seus Estados-Membros, a ponto de reconhecer o direito de todo Cidadão europeu poder se expressar em sua língua nacional perante as instituições da UE, nos termos do artigo 20.º, n.º 2, “d”, do TFUE, a saber:

Artigo 20.º [...] 2. Artigo 20.º [...] 2.Artigo 20.º [...] 2.

Artigo 20.º [...] 2. Os Cidadãos da união gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos nos Tratados. Assistem-lhes, nomeadamente: [...] d) O direito de dirigir petições ao Parlamento Europeu, o direito de recorrer ao Provedor de Justiça Europeu e o direito de se dirigir às instituições e aos órgãos consultivos da união numa das línguas dos Tratados e de obter uma resposta na mesma língua.349

Já as línguas dos Tratados mencionada na alínea “d” do dispositivo supratranscrito são àquelas indicadas no último artigo do TUE, cujo conteúdo é o seguinte:

Artigo ArtigoArtigo

Artigo 55.º 1.55.º 1.55.º 1.55.º 1. O presente Tratado, redigido num único exemplar, nas línguas alemã, búlgara, checa, croata, dinamarquesa, eslovaca, eslovena, espanhola, estónia, finlandesa, francesa, grega, húngara, inglesa, irlandesa, italiana, letã, lituana, maltesa, neerlandesa, polaca, portuguesa, romena e sueca, fazendo fé qualquer dos textos, será depositado nos arquivos do Governo da República Italiana, o qual remeterá uma cópia autenticada a cada um dos Governos dos outros Estados signatários. 2. O presente Tratado pode também ser traduzido em qualquer outra língua que os Estados-Membros determinem, de entre aquelas que, de acordo com o seu ordenamento constitucional, gozam de estatuto oficial na totalidade ou em parte do seu território. Os Estados-Membros em questão fornecem uma cópia autenticada dessas traduções, que será depositada nos arquivos do Conselho.350

Ademais, desde o Tratado de Amsterdã que o direito de comunicação com as instituições e os órgãos consultivos da União em uma das línguas oficiais dos Tratados foi elevado à categoria de

direito de Cidadania.

Portanto, 24 línguas oficiais compõem o corpo linguístico oficial da UE. Sendo que, conforme ressalva do item “2” do supratranscrito artigo, o Tratado ainda pode ser traduzido para outras línguas previstas como oficiais pelas Constituições dos Estados-Membros. Isso deixa claro que a

348 UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Conclusões do Advogado-geral, Miguel Poiares Maduro, no caso Eurojust. 30 set. 2009. Processo C-160-03.

Considerando 36. Disponível em:

http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=49769&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2242739. Acesso 20 out. 2018.

349 SILVEIRA, Alessandra. CANOTILHO, Mariana; FROUFE, Pedro. Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa. Versão consolidada. 3 ed. Lisboa: Quid Juris? 2016, p. 48. 350 SILVEIRA, Alessandra. CANOTILHO, Mariana; FROUFE, Pedro. Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa.Tratado de Lisboa. Versão consolidada. 3 ed. Lisboa: Quid Juris? 2016, p. 66.

UE reconhece e respeita a diversidade cultural – leia-se, linguística também – dos seus Estados- Membros. Tal previsão é reflexo da intenção de pôr em contato variadas culturas nacionais, sem intenção de subordinação, pois nenhuma das culturas nacionais pode se impor às outras, até porque,

conforme ensina Abélès351, o processo de união é ato voluntário.

Ora, o que se vê com o acesso do Cidadão europeu às instituições europeias, em sua língua nacional, é um dos mecanismos pelos quais a Cidadania da UE se faz presente no dia a dia do Cidadão europeu. Segundo Tostes, “o único caminho para a construção de uma Cidadania europeia é

por meio de uma identidade europeia”.352 Assim como para Matias353, que conclui ser o diálogo

intercultural de extrema importância para as políticas da UE, uma vez que estreita os laços dos Cidadãos. Mas esse diálogo deve ser alinhavado com a Sociedade civil para que a noção de identidade europeia seja, efetivamente, incorporada por meio de identificação de pontos de pertença a uma comunidade e de trocas de experiências. Além do que, a difusão além-fronteiras do território europeu da identidade europeia é de grande valia para que haja o conhecimento, o respeito e a compreensão dessas culturas que a compõem.

É justamente a existência de inúmeras culturas em nível nacional, que serve de mais-valia para a promoção do diálogo intercultural, para a promoção tanto da política do reconhecimento da diferença como também para a promoção de uma cultura de paz, de respeito à diversidade e à diferença. E é pela educação que a tolerância ante a diferença do outro pode ser o meio pelo qual a identidade europeia poderá se fortalecer, pois:

O Outro pode e deve ser diferente, apenas porque o é e não por essa diferença assentar em qualquer juízo de valor em relação a outras culturas. O discurso deve ser adaptado a esta nova realidade de diversidade cultural, não condescendendo com as minorias nem sendo agressivo para com maiorias ideológicas. A educação poderá constituir uma via para a implementação de uma política de tolerância, pois o seu papel de esclarecimento pleno poderá promover o sentimento de hospitalidade. Esta educação esclarecida, de cariz humanista e intercultural, transmitirá a importância de uma Sociedade multicultural e pacífica, promovendo a integração, reconhecimento e valorização da diferença e das especificidades culturais dos povos que são acolhidos dentro das fronteiras nacionais.

351 ABÉLÈS, Marc. Homo communitarius in KASTORYANO, Riva. Que identidade para a Europa?Que identidade para a Europa?Que identidade para a Europa?Que identidade para a Europa? Lisboa: Ulisseia, 2004. p. 58. 352 TOSTES, Ana Paula. União Europeia: o Poder Político do Direito.União Europeia: o Poder Político do Direito.União Europeia: o Poder Político do Direito.União Europeia: o Poder Político do Direito. Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 379.

353 MATIAS, Joana Maria Santos Matias. Identidade Identidade Identidade Identidade cultural europeiacultural europeiacultural europeia: idealismo, projecto ou realidade? Dissertação de Mestrado em Estudos sobre a cultural europeia

Apenas desta forma se poderá obter um Multiculturalismo assente na tolerância cultural, que desconstrua preconceitos e que promova a interacção cultural entre o Eu e o Outro.354

Assim, no tocante à língua, ela é tanto uma mais valia ao processo de integração, tal qual reforçado nos Tratados e amplamente difundido pela UE, tanto é que seu lema remete a isso, quanto é ao mesmo tempo um dilema, no sentido de que a diversidade linguística traz dificuldades quando o assunto é criar uma conexão entre os indivíduos.

Por isso que a promoção do ensino da diversidade linguística se mostra importante para o fortalecimento da Cidadania da União, uma vez que pode contribuir para a aquisição de saberes, desenvolvimento de atitudes e promoção de valores, conscientizando todos de que a comunicação

plurilingue é a expressão do EU e não um impecílio355.

Por fim, é preciso dizer que a diversidade cultural no âmbito da UE tem como causa, em larga medida, a imigração de não-nacionais que passam a residir em um dos Estados-Membros. Para este trabalho, o estudo ficará restrito aos não-nacionais residentes de longa duração, objeto da próxima secção.